Compartilhar espaços, como os de condomínios residenciais, por vezes não é a mais fácil das tarefas, sendo muitas as ocorrências de divergências que podem chegar, inclusive, às vias de fato. Especialistas ouvidos pelo HNT apontam que, em casos como os que ganharam repercussão na última semana, na Capital, nos quais crianças de 11 e 5 anos de idade foram agredidas por adultos dentro dos prédios, o melhor “remédio” é uma atuação preventiva por parte dos síndicos.

“As ações dos gestores dos condomínios devem ser direcionadas, sempre que possível, para a prevenção, adotando medidas orientativas, cumprindo com o dever de informação e investindo em soluções criativas e inteligentes, como a própria vigilância por vídeo”, destaca o advogado Carlos Eduardo Silva e Souza, diretor da faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Neste mesmo sentido, o presidente da Associação Nacional da Advocacia Condominial (Anacon), advogado com atuação em Cuiabá Miguel Zaim, acredita que as redes sociais podem funcionar como importantes aliadas para a divulgação de campanhas informativas por parte da administração, que deve sempre manter as normas internas do condomínio em conformidade com as legislações mais atualizadas sobre o assunto.

Quando as medidas preventivas não impedirem os transtornos, os juristas advertem sobre a necessidade da atuação mais incisiva por parte do condomínio, o que inclui a comunicação junto às autoridades competentes e a aplicação de penalidades aos envolvidos nos episódios de violência.

“Inclusive, tramita um projeto de lei (PL 2510/2020) que impõe aos síndicos o dever de atuar em casos de agressão doméstica à mulher”, acrescenta Miguel Zaim, que também advoga na área, recomendando a contratação de uma assessoria jurídica para gestões condominiais mais eficientes.

Na hipótese de o condomínio se omitir com relação ao episódio de violência levado ao seu conhecimento, ele pode responder pela reparação de danos materiais, morais e estéticos sofridos pela vítima, sem prejuízo de outras responsabilidades, como declara Carlos Eduardo Souza.

“A notícia às autoridades competentes pode ser realizada por boletim de ocorrência ou comunicação por ofício, não descartando outras medidas diante de possíveis singularidades de um caso concreto”, complementa.

POSSIBILIDADE DE EXPULSÃO DO MORADOR

A respeito deste ponto, ambos os entrevistados esclarecem sobre a existência do condômino antissocial, figura trazida pelo Código Civil de 2002, que, por descumprir “reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio”, está sujeito ao pagamento de multa de até 10 vezes o valor da quota condominial, por decisão de três quartos dos condôminos restantes.

Os tribunais brasileiros já têm acolhido a possibilidade deste tipo de condômino ter suspenso seu direito de moradia naquele condomínio em que desrespeitou as regras de convivência, segundo Miguel Zaim. “É algo relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro. Na Europa, Argentina e em outros países, já é algo mais antigo”, observa.

Ao mesmo tempo, Carlos Eduardo Souza detalha um pouco mais o assunto. “É necessário observar que o condômino perde a posse, mas não a propriedade do seu bem. Trata-se, a meu ver, de medida extrema, mais gravosa e, por isso, em regra, aplicável em situações consideradas graves e que se verificam de forma reiterada. Apesar de entendimentos divergentes, entendo que essa penalidade, ainda que não prevista no regimento interno ou em documentos correspondentes, pode ser buscada pelo condomínio de forma judicial”, explica.

RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGRESSORES

Os advogados informam que o autor de uma agressão pode responder tanto na esfera penal, apurada a existência do(s) crime(s), quanto na cível, com o requerimento por parte da vítima de indenização por danos morais e materiais, em decorrência, por exemplo, de um tratamento médico ou psicológico para reestabelecimento da sua saúde.

Sendo as vítimas crianças ou adolescentes, Miguel Zaim recorda sobre a existência de determinadas ações de proteção. “Outro ponto importante é que no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim como no Código Penal, estão estabelecidas possibilidades de afastamento do agressor da vítima infante”, frisa.

Em um dos episódios que chamaram a atenção dos cuiabanos nos últimos dias, o pai da vítima, uma criança de 11 anos, informou que a agressora era convidada de um morador do prédio. Neste caso, Zaim explica que tanto ela quanto o condômino que autorizou a sua entrada poderão responder no âmbito cível, ao passo que na esfera penal somente a autora da agressão poderá arcar com as consequências legais.

“No direito condominial, o morador responde por eventuais atos de seu convidado, podendo ser responsabilizado em eventuais indenizações e sanções que o condomínio poderá aplicar aos condôminos, contudo, no direito criminal as responsabilizações são limitadas ao infrator, sendo assim, não alcançando o proprietário da unidade”, informa o advogado.

VIOLÊNCIA QUE ATRAVESSA AS RELAÇÕES

VIOLÊNCIA QUE ATRAVESSA AS RELAÇÕES

Para os psicólogos, os episódios citados nesta matéria são sintomáticos de uma sociedade na qual muitas das relações cotidianas, não só entre moradores de condomínios, são atravessadas pela violência.

“A gente tem fomentado um discurso que é extremamente violento e que vai desumanizando as outras pessoas, vai tratando as outras pessoas como objeto. E isso vai moldando também a nossa visão de mundo, a nossa forma de nos relacionarmos com o outro e vai produzindo essas situações cotidianas onde as pessoas acreditam que o certo é recorrer a situações violentas para resolver as diferenças”, aponta a psicóloga Gislayne Cristina Figueiredo.

Apesar de todo estresse gerado pela rotina, a também docente da UFMT ressalta que ele não pode ser usado como desculpa para naturalizar estas reações violentas.

“É muito cômodo e muito infantil, por partes dos adultos, tomar como justificativa para uma ação violenta e dizer ‘eu bati na criança porque eu estava tenso’. Sim, a tensão cotidiana vai nos fazendo sermos violentos, mas isso não justifica a ação em si”, registra.

A profissional comenta ainda sobre a predominância de uma percepção individualista de sociedade, usando como exemplo a recusa das pessoas em se vacinarem contra a covid-19, sob o pretexto de que a visão particular do que é certo ou não está acima dos processos coletivos. “Vivemos em um tempo que há a ideia de que a minha visão de mundo individual ela é a realidade última e que tudo que se contrapõe à minha visão de mundo está errado. Os meus valores são absolutos. Isso leva a uma intolerância com o diferente”, considera.

A psicóloga Marli Pegorini recomenda que, em casos nos quais as vítimas são crianças ou adolescentes, elas não se intimidem diante de uma possível ameaça do agressor e contem para os responsáveis o que ocorreu. Por parte dos adultos, a profissional afirma que é preciso que eles estejam atentos a mudanças físicas ou emocionais e psicológicas das crianças e adolescentes.

“O reconhecimento das dores emocionais é uma das formas de cuidado psíquico que deve ser ofertado às crianças e adolescentes como uma medida de prevenção. Trata-se de oferecer um olhar atencioso sobre sua saúde mental e as inúmeras possibilidades de sofrimento psíquico que pode estar vivendo, reconhecendo essa dor e acolhendo-a”, diz.

 

Fonte: Hnt

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