Este artigo explora o conflito entre o direito de propriedade individual e os interesses coletivos no contexto da instalação de carregadores de veículos elétricos em condomínios edilícios. Argumenta-se que o direito de propriedade, embora garantido constitucionalmente e pelo Código Civil, não é absoluto, encontrando seus limites no dever de preservação da convivência harmoniosa e na segurança das áreas comuns. Mesmo quando o condômino se dispõe a arcar com os custos da instalação, o processo deve ser submetido à aprovação em assembleia condominial, a fim de garantir a segurança e equidade para todos os moradores. O artigo baseia-se no princípio da função social da propriedade e na análise técnica das infraestruturas condominiais, abordando ainda a jurisprudência relacionada ao tema.
1. Introdução
O avanço dos veículos elétricos trouxe à tona a necessidade de infraestruturas adequadas para recarga em ambientes residenciais, especialmente nos condomínios edilícios. Diante desse cenário, surge a discussão sobre até que ponto o direito de propriedade pode ser utilizado para justificar a instalação de carregadores em vagas privativas, considerando as limitações impostas pela convivência em espaços coletivos.
Temos observado os entendimentos do judiciários, no sentido de que, mesmo com a assunção dos custos por parte do condômino, a decisão de instalação deve ser tomada coletivamente, em assembleia, respeitando os limites do uso adequado das áreas comuns e os princípios de equidade e segurança.
2. O Direito de Propriedade no Condomínio Edilício
O direito de propriedade, consagrado pelo artigo 1.228 do Código Civil, assegura ao proprietário o uso, fruição e disposição de seu bem. No entanto, esse direito é limitado pela convivência em regime de condomínio, onde as áreas comuns são de uso coletivo, e seu uso deve respeitar a destinação previamente estabelecida.
Por sua vez, o artigo 1.335, III, do Código Civil determina que os condôminos têm o direito de usar as partes comuns, desde que em conformidade com sua destinação e de modo a não prejudicar os demais.
Assim, parece razoável que a instalação de carregadores elétricos, que afeta a infraestrutura comum, deve ser submetida à deliberação coletiva, mesmo que o condômino se ofereça para custear integralmente a obra.
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3. O Princípio da Função Social da Propriedade
O princípio da função social da propriedade, previsto no artigo 5º, XXIII da Constituição Federal e no artigo 1.228, §1º do Código Civil, impõe limites ao uso individual da propriedade em prol do bem-estar coletivo.
No ambiente condominial, isso significa que o direito de propriedade de uma unidade autônoma deve ser exercido em consonância com os interesses da coletividade e com o respeito às normas que regem o uso das áreas comuns.
A instalação de um carregador elétrico, que envolve a rede elétrica e outros componentes do edifício, afeta diretamente os demais moradores, que compartilham a infraestrutura comum.
Nesse sentido, a função social da propriedade impede que um condômino imponha sua vontade individual à coletividade, sem a devida aprovação da assembleia condominial, responsável por analisar os impactos dessa intervenção na infraestrutura comum e garantir que todos os moradores sejam igualmente beneficiados e protegidos.
4. Aspectos Técnicos: A Necessidade de Aprovação em Assembleia Mesmo com Assunção dos Custos
O uso de um carregador de veículo elétrico pode sobrecarregar a rede elétrica do condomínio, que pode não ter sido projetada para suportar a demanda adicional de energia. A ABNT NBR 17019 estabelece normas específicas para a instalação de sistemas de recarga, incluindo requisitos para a adequação da capacidade elétrica e a segurança da instalação. Ainda que o condômino esteja disposto a custear essas adaptações, a obra pode afetar a integridade do sistema elétrico e, consequentemente, comprometer a segurança de todos os moradores.
Por essa razão, é essencial que a instalação seja precedida por uma análise técnica detalhada e aprovada em assembleia, onde todos os condôminos possam deliberar sobre a viabilidade e os riscos envolvidos.
A instalação de carregadores pode implicar na limitação do uso das áreas comuns, como a rede elétrica, para outros condôminos que futuramente possam desejar instalar seus próprios pontos de recarga. Em muitos edifícios, a capacidade de carga elétrica é limitada, o que pode gerar exclusão de outros moradores. Para garantir a equidade no uso dessas áreas comuns, a assembleia condominial deve deliberar sobre a possibilidade de criação de uma infraestrutura coletiva de carregamento, ou estabelecer critérios justos para a instalação de carregadores individuais.
Mesmo que o condômino se responsabilize pelos custos iniciais, questões relacionadas à manutenção e responsabilidade por eventuais danos à infraestrutura comum permanecem em aberto. Se a instalação não for corretamente planejada e mantida, pode haver custos futuros que serão rateados entre todos os condôminos, gerando conflitos e aumentando a responsabilidade coletiva.
A jurisprudência brasileira tem se debruçado sobre o tema, reforçando a importância da deliberação coletiva. Tribunais como o de São Paulo e Ceará têm decidido que a instalação de carregadores de veículos elétricos constitui obra que altera a estrutura comum do edifício, exigindo, portanto, aprovação em assembleia condominial, com quórum qualificado de dois terços dos condôminos. Além disso, decisões têm ressaltado a necessidade de se considerar a segurança e a equidade na utilização das áreas comuns, em especial a rede elétrica.
A tentativa de um condômino de instalar unilateralmente um carregador de veículo elétrico com base apenas no direito de propriedade ignora o impacto que essa decisão pode ter sobre a coletividade. A infraestrutura elétrica é uma área comum, e qualquer alteração deve ser feita com
a anuência dos demais condôminos, especialmente quando envolve questões de segurança e custos adicionais. A deliberação coletiva, prevista pelo Código Civil, assegura que todos os moradores possam participar dessa decisão, garantindo a preservação da harmonia e segurança condominial.
Conclusão:
O direito de propriedade, ainda que fundamental, não pode ser utilizado de forma a prejudicar a coletividade. No contexto condominial, a instalação de carregadores de veículos elétricos deve ser submetida à aprovação da assembleia, mesmo quando o condômino se oferece para custear a obra. Isso é necessário para garantir a segurança da infraestrutura comum, a equidade no uso das áreas coletivas e a responsabilidade por custos futuros.
A deliberação coletiva, portanto, é a melhor forma de assegurar o interesse comum e proteger o condomínio de eventuais prejuízos.
Fontes de Pesquisa: – Código Civil, ABNT NBR 17019 e Julgados dos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e Ceará.
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Autora:
Rebeca da Silva Paula
Advogada e Empresária, CEO e Sócia Fundadora do Escritório Rebeca Medina Soluções Jurídicas que é escritório especializado em Relações Condominiais.
Idealizadora e hostess da Comunidade UMCC (Um mundo Chamado Condomínios @comunidadeumcc), que é uma comunidade que compartilha conceitos e práticas que refletem em qualidade de vida dos Condomínios e Condôminos.
Formada em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Pós-graduada em Direito Empresarial, em Processo do Trabalho, Processo Civil, Advocacia Extrajudicial, Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial.
Possui MBA em Direito Imobiliário e atualmente está cursando Comunicação Institucional e Gestão de Marcas.
Especialista em Proteção Geral de Dados