Inteiro Teor
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Décima Sétima Câmara Cível
Apelação Cível nº . 0043471-94.2015.8.19.0209
Apelante: Carlos Augusto de Souza Teixeira
Apelado: Associação dos Adquirentes e Proprietários de Unidades do parque
Atlântico Sul
Relator: Des. Flávia Romano de Rezende
A C Ó R D Ã O
INDENIZATÓRIA. CONDOMÍNIO DE FATO. AUTOR QUE ASSUMIU A POSIÇÃO DE SÍNDICO EM 2011/2012 E AFIRMA TER DESPENDIDO VALORES PESSOAIS NA REALIZAÇÂO DE OBRAS QUE BENEFICIARIAM À COLETIVIDADE. ATAS DE ASSEMBLEIAS REALIZADAS COMPROVANDO QUE AS CONTAS APRESENTADAS FORAM REJEITADAS SEM TEREM SIDO EXAMINADAS. POSSIBILIDADE DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO QUE LEVA À ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA QUE SEJA REALIZADA PROVA PERICIAL DE ENGENHARIA.
– No exame dos autos, três questões foram determinantes para a anulação da sentença: (i) o fato de ainda não estar constituído o condomínio em 2011/2012; (ii) a assembleia nunca ter deliberado de forma definitiva sobre as contas prestadas e (iii) a possibilidade de enriquecimento sem causa do condomínio.
– Nos termos do artigo 370 do CPC, a efetivação da prova necessária ao julgamento do feito demonstra sobretudo a preocupação com a verdade real e a imparcialidade do julgamento, já que não se sabe, de antemão, a quem aproveitará o resultado da prova a ser realizada.
– Necessária a realização de prova pericial de engenharia, a ser custeada por ambas as partes, onde o perito irá identificar as obras realizadas em 2011/2012, o valor das mesmas naqueles anos, assim como o valor que foi supostamente retirado do fundo de reserva para sua concretização.
RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº
0043471-94.2015.8.19.0209 , de que são partes as acima mencionadas – ACORDAM
os Desembargadores da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, para anular a
sentença, nos termos do voto do Relator.
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Apelação Cível nº . 0043471-94.2015.8.19.0209
Cuida-se de ação indenizatória ajuizada por Carlos Augusto de Souza Teixeira em face da Associação dos Adquirentes e Proprietários de Unidades do Parque Atlântico Sul.
Sustenta o autor que foi morador de uma unidade da associação ré e, em 2011, quando a mesma sequer possuía personalidade jurídica, atuou como síndico, assumindo, momentaneamente, as dívidas oriundas da formação e manutenção, no total de R$ 60.009,37.
Com o passar dos anos, o condomínio tomou forma e se constituiu como pessoa jurídica, mas os pedidos para ressarcimento das referidas despesas não foram atendidos, sendo o mesmo notificado extrajudicialmente para tanto.
Postula o pagamento dos danos materiais, no valor de R$ 60.009,37, além de danos morais.
A ré apresentou contestação no indexador 114, argumentando, em resumo, que: (i) o autor não é hipossuficiente e, portanto, não faz jus à gratuidade deferida, uma vez que é dono da empresa denominada “El Shadai Laticínios”, possuindo um bom padrão de vida; (iii) somente em 06.04.2013 foi criada a associação de moradores; (iv) ainda se encontra em curso inquérito civil que investiga a criação de loteamento irregular e clandestino; (v) no local existem 95 residências, sendo que apenas 05 moradores não forneceram a documentação necessária para legalização do loteamento; (vi) para que o condomínio possa de fato ser criado é necessária a legalização mencionada; (vii) o autor atuou como síndico de 30.04.2011 a 26.05.2012; (viii) no momento da destituição ficou consignado em ata que as obras realizadas sem o conhecimento do conselho, por livre e espontânea vontade do autor; (ix) as contas apresentadas pelo autor não foram aprovadas; (x) o autor nunca foi autorizado a realizar serviços para posterior ressarcimento; (xi) o prazo prescricional para cobrança de dívidas é de 03 anos.
Réplica no indexador 318.
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Decisão saneadora no indexador 385.
A sentença presente no indexador 432 julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor aos honorários de 10% sobre o valor da causa.
Apelação do autor no indexador 448.
Contrarrazões no indexador 480.
No indexador 505 esta Relatora determinou que o condomínio esclarecesse se foi realizada assembleia para análise das contas apresentadas pelo autor apelante.
Em resposta, o Condomínio informou que: (i) as contas foram abordadas na assembleia de outubro de 2012, a qual o autor não compareceu; (ii) no ano de 2013 o assunto não foi tratado; (iii) em janeiro de 2015 foi convocada assembleia para deliberação sobre medidas a serem adotadas em relação às contas de 2011/2012, no entanto, o autor também não compareceu; (iv) na assembleia realizada em 04.07.2015 o assunto foi abordado pela última vez, tendo o autor enviado um procurador, sendo as contas reprovadas pela maioria.
É o relatório.
V O T O
Presentes os requisitos de conhecimento e admissibilidade recursais.
Nos termos da ata da assembleia de condôminos anexada aos autos no indexador 149 há notícias de que foram realizadas obras, com utilização do fundo de reserva da associação, que teriam comprometido a situação financeira da mesma.
O próprio autor declara que as obras foram realizadas com o intuito de beneficiar a associação ré, no entanto, sem o consentimento dos demais associados.
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Os documentos apresentados com a inicial não servem para embasar
pedido de ressarcimento, uma vez que não há a indicação sequer dos profissionais
que realizaram os supostos serviços, assim como indicação precisa do que foi
realizado, tampouco quais os valores foram retirados do fundo de reserva
mencionado na assembleia.
O Juízo de 1º grau utilizou como fundamento para julgar improcedente o
pedido, o que dispõe o artigo 1.341 do Código Civil, acerca da necessidade de
aprovação prévia dos condôminos para realização de obras.
Art. 1.341. A realização de obras no condomínio depende:
I – se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos;
II – se úteis, de voto da maioria dos condôminos.
§ 1 As obras ou reparações necessárias podem ser realizadas, independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino.
§ 2 Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas, determinada sua realização, o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa delas dará ciência à assembléia, que deverá ser convocada imediatamente.
§ 3 Não sendo urgentes, as obras ou reparos necessários, que importarem em despesas excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da assembléia, especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer dos condôminos.
§ 4 O condômino que realizar obras ou reparos necessários será reembolsado das despesas que efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com obras ou reparos de outra natureza, embora de interesse comum.
Art. 1.342. A realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização, depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, não sendo permitidas construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns.
No entanto, três questões devem ser pontuadas com muito critério nesta
ação: (i) o fato de ainda não estar constituído o condomínio em 2011/2012; (ii) a
assembleia nunca ter deliberado de forma definitiva sobre as contas prestadas e (iii) a
possibilidade de enriquecimento sem causa do condomínio.
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Conforme afirmado na inicial e na peça de contestação, nos anos de atuação do autor como síndico – 2011/2012, o condomínio não estava constituído formalmente, havendo ainda uma série de providências a serem tomadas para que se pudesse chegar à sua constituição definitiva.
Desta forma, aplicar o Código Civil na sua literalidade, seria passar uma borracha sobre os fatos apresentados, tratando um condomínio ainda em formação da mesma maneira como um condomínio já totalmente legalizado e instrumentalizado.
A segunda questão refere-se ao fato de o condomínio apelado nunca ter, de fato, examinado as contas apresentadas pelo autor.
Embora não se negue que obras foram realizadas na sua gestão, a assembleia não se debruçou sobre as contas apresentadas para apontar quais as discordâncias que levaram a não aprovação.
A pedido desta Relatora o condomínio apelado apresentou as atas onde teria havido a reprovação das contas, apontando, especificamente, a da assembleia realizada em 04.07.2015.
No entanto, uma leitura atenta da mesma demonstra que não houve análise dos documentos.
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Na assembleia anterior à supramencionada, realizada em 10.01.2015, verifica-se que o conselho nunca examinou a prestação de contas apresentada pelo autor.
A terceira questão está no fato de a falta de análise das contas apresentadas poder vir a gerar enriquecimento sem causa do condomínio.
Isto porque, uma vez realizadas as obras, deve-se verificar qual foi o valor utilizado do fundo de reserva e se houve, de fato, utilização de valores pessoais do autor.
Sem que esta análise seja feita de forma segura, não há como se chegar a uma decisão alicerçada na justiça.
Para tanto, se faz necessária a realização de uma prova pericial de engenharia, a ser custeada por ambas as partes, onde o perito irá identificar as obras realizadas em 2011/2012, no período em que o apelante atuou como síndico, o valor das mesmas naqueles anos, assim como o valor que foi supostamente retirado do fundo de reserva para sua realização.
Sem isso, não há como proferir um julgamento seguro, tendo em vista o que dispõe o artigo 370 do Código de Processo Civil.
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
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Segundo a doutrina 1 , a realização da prova necessária ao julgamento do
feito demonstra sobretudo a preocupação com a verdade real e a imparcialidade do
julgamento, já que não se sabe, de antemão, a quem aproveitará o resultado da prova
a ser realizada.
Ao magistrado também cabe determinar a produção de provas de oficio, mesmo que as partes não as requeiram (art. 370). Esta atribuição visa permitir maiores esclarecimentos destinados a reconstituição dos fatos relevantes para que, calcado na verdade (art. 378), possa alcançar a melhor decisão para o caso. Notoriamente, esta iniciativa não significa parcialidade do julgador em favor de qualquer das partes, afinal, na ordem de produção probatória, não tem condições de saber a qual delas aproveitara. E ainda que se discorde, cabe indagar: o juiz e mais parcial quando deixa de determinar a produção de uma prova que poderia levar a uma decisão mais justa, ou quando deixa de determina-la, relegando para a distribuição do ônus da prova (neste ponto entendida como regra de julgamento) o seu veredicto, pouco importando com o resultado? Perceptível que a isonomia, atrelada as demais garantias que o novo Código estabelece, determina uma concordância com a primeira das indagações.
Diante de todo o exposto, dá-se provimento ao recurso , para anular a
sentença, a fim de que seja realizada prova pericial de engenharia, nos termos da
fundamentação supra.
Rio de Janeiro, 24 de julho de 2019
Desembargador FLÁVIA ROMANO DE REZENDE
Relator
1 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. In Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Ed RT. 2015.