Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2017.0000645810
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1007504-25.2014.8.26.0010, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CONDOMÍNIO RESIDENCIAL PARQUE IMPERIAL, são apelados JOVANNI GEZZA KIRALY e LAZARA CASSIA GOMES KIRALLY.
ACORDAM, em 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARTUR MARQUES (Presidente) e MELO BUENO.
São Paulo, 28 de agosto de 2017.
SERGIO ALFIERI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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São Paulo
APELAÇÃO nº 1007504-25.2014.8.26.0010
APELANTE: CONDOMÍNIO RESIDENCIAL PARQUE IMPERIAL
APELADOS: JOVANNI GEZZA KIRALY E LAZARA CASSIA GOMES
KIRALLY
COMARCA: SÃO PAULO
JUIZ DE 1º GRAU: CAREN CRISTINA FERNANDES DE OLIVEIRA
VOTO Nº 3718
APELAÇÃO. Condomínio. Ação de cobrança de multas aplicadas a condômino faltoso, julgada improcedente. Pretensão à reversão do julgamento ao fundamento de descumprimento de dois artigos do regulamento interno (utilização de piscina e sauna) pelo réu não mais residente no imóvel. Cabimento. Constatação, pelo zelador, das infrações e advertência verbal ao condômino, sem sucesso, seguindo-se notificações das penalidades. Aplicação das multas com amparo nos arts. 3º, parágrafo único, 46 e 83, todos do regulamento interno. Recurso administrativo interposto pelo condômino, indeferido pelo conselho consultivo e referendado pela assembleia geral. Práticas infracionais reiteradas e não fatos pontuais e esporádicos. Exercício do contraditório e da ampla defesa, devidamente exercido pelo condômino faltoso, ausente questionamento judicial das punições mediante ação direta. Decisão tomada no âmbito interno do condomínio, no interesse da coletividade, que não merece censura, mormente porque não demonstrada abusividade na conduta da síndica, mas efetivo cumprimento do dever imposto pela lei (art. 1.348, V, do CC). Sentença reformada. RECURSO PROVIDO, carreando aos réus os ônus da sucumbência, fixando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.
Trata-se de ação de cobrança de débito
condominial, ajuizada por CONDOMÍNIO RESIDENCIAL PARQUE
IMPERIAL contra JOVANNI GEZZA KIRALY e LAZARA CASSIA
GOMES KIRALY, julgada improcedente pela r. sentença atacada (fls.
183/184), cujo relatório adoto, carreando, ao autor, os ônus da
sucumbência.
Inconformado, o autor interpôs recurso de
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apelação (fls. 186/192), pretendendo a condenação dos réus ao pagamento do valor de R$ 1.553,90, importância que corresponde a somatória de duas multas impostas aos apelados por infrações ao regulamento interno. A primeira notificação enviada em 10/04/2012 comunicando a aplicação da penalidade e, a segunda, em 10/07/2012, com igual finalidade, contendo os valores de R$ 332,99 e de R$ 675,88, respectivamente, ambas ao fundamento de que os réus, no final do ano de 2011, passaram a residir no município vizinho de São Caetano do Sul, tendo cedido sua unidade para um casal de amigos, em janeiro de 2012, mas o corréu Jovanni continuou se utilizando da sauna e das piscinas do condomínio, juntamente com as pessoas a quem cedeu a unidade, infringindo o disposto nos arts. 47 e 83 do Regulamento Interno do condomínio e, por consequência, se sujeitando às penalidades nele previstas.
O recurso foi regularmente processado e preparado (fls. 193/194).
Contrarrazões apresentadas às fls. 197/203.
É o relatório .
A r. sentença recorrida foi publicada após a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, de modo que o presente recurso será examinado sob a égide do Novo Código de Processo Civil.
Por consequência, em fase de juízo de admissibilidade, constata-se que se encontram presentes nos autos os requisitos legais necessários para o processamento do recurso.
A irresignação recursal comporta provimento.
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Segundo se depreende da petição inicial, o autor afirma ser credor dos réus do débito condominial correspondente a duas multas por infrações ao regulamento interno, lançados para cobrança nos meses de abril e julho de 2012, perfazendo o montante de R$ 1.553,90, relativamente ao imóvel designado como sendo a unidade nº 94, do Bloco 09, integrante do condomínio-autor, situado na Estrada das Lágrimas nº 3.621, São João Clímaco, São Paulo, Capital.
Eis os fundamentos externados na r. sentença:
“Com efeito, restou comprovado que os requeridos, à época da aplicação das penalidades, ainda residiam no condomínio, razão pela qual tinham pleno direito ao uso das áreas comuns (sauna e piscina, por exemplo), não tendo ocorrido qualquer infração ao regulamento condominial capaz de ensejar a cobrança das multas.
A tal tempo, de acordo com as provas produzidas (documental e oral) não havia registro de mudança e os réus figuravam como moradores no cadastro mantido pelo próprio autor, condição que persistiu durante certo tempo em que permitiram que amigos compartilhassem do mesmo teto.
Ou seja, o fato de dividirem o mesmo teto por alguns dias na semana, não lhes retirou a condição de moradores, para legitimar as restrições de uso pretendidas.
Desta forma, é possível verificar que o uso, pelos requeridos, das áreas comuns do condomínio se deram, para o período reclamado, de forma regular, não havendo motivo para a imposição das multas questionadas”.
A esse respeito, impende assinalar que é
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predominante o entendimento de que as deliberações tomadas em assembleias, pelos condôminos, não devem ser revistas pelo Poder Judiciário, a quem compete tão somente verificar se foram preenchidos os requisitos formais necessários à regularidade do ato punitivo.
A propósito, o ensinamento de J. Nascimento Franco:
“De fato, predominante é o entendimento segundo o qual o Judiciário, quando chamado a decidir sobre qualquer ato condominial, deve evitar pronunciar-se sobre o mérito e ater-se apenas a verificar se foram obedecidas as formalidades legais e se não foram feridos direitos subjetivos dos condôminos, pois tudo o mais é matéria interna corporis insuscetível de controle ou de censura externa” (Condomínio, ed. RT, ed. 1997, p. 255).
As infrações punidas com a aplicação de multas consistiram no uso das piscinas e da sauna do condomínio pelo corréu Jovanni, em dias alternados, nos meses de janeiro, março, abril e maio do ano de 2012, em violação ao disposto no Regulamento Interno, em especial nos artigos 3º, parágrafo único, 47º e 83º que assim dispõem:
“Art. 3º […].
Parágrafo único. O proprietário que alugar ou ceder seu apartamento, perderá o direito de utilizar-se das áreas comuns, a não ser que seja convidado por outro Condômino. O direito de uso passará ao inquilino ou morador devidamente registrado” (fls. 34).
“Art. 47º. O proprietário que alugar ou ceder o seu
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apartamento, perderá o direito de frequentar as piscinas, benefício que passa a ser do inquilino ou morador devidamente registrado” (fl. 41).
“Art. 83º. A sauna é de uso exclusivo dos moradores do Condomínio, sendo vedada a frequência de visitantes”.
Não há controvérsia de que o corréu Jovanni se utilizou dos equipamentos do condomínio (piscinas e sauna) nas datas indicadas, fato que gerou a emissão de boletos de cobrança por infrações aos citados artigos do Regulamento Interno, após a regular formação dos créditos.
Dessas penalidades, o corréu Jovanni foi regularmente notificado (fls. 31 e 32) e manifestou seu inconformismo consoante correspondência enviada ao síndico (fls. 75), o qual não foi acolhido de acordo com a resposta copiada às fls. 77, sobrevindo notificação extrajudicial promovida pelo condômino faltoso (fls. 78/79), solicitando esclarecimentos e posterior interposição de recurso administrativo (fls. 81/82). Aludido recurso, submetido à assembleia geral dos condôminos, após a manutenção da penalidade pelo conselho consultivo que contou com a presença e participação efetiva do condômino, indeferiu , por maioria de votos, a pretensão recursal, mantendo a penalidade aplicada (fls. 50/53). Na ocasião estavam presentes 123 (cento e vinte e três) condôminos.
Portanto, o quadro processual revela que ao condômino foi assegurado – e por ele exercido – o direito ao contraditório e a ampla defesa, não sendo impugnada por ação direta a deliberação assemblear de ratificação das multas, ou seja, a ação encontra-se suficientemente instruída com a prova documental hábil a
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demonstrar a regularidade do procedimento adotado pelo condomínio e, consequentemente, a higidez da cobrança, ônus processual do apelante a teor do disposto no art. 373, II, do NCPC.
Sobre a formação do crédito condominial em cobrança, as penalidades aplicadas consubstanciam resultado de apuração de infrações cometidas pelo condômino Jovanni e constatadas pelo zelador do condomínio, e estão materializadas nos documentos juntados autos, de modo que não partiram de mera presunção ou ilação desarrazoada, como sugerido pelos demandados na contestação.
A propósito, o Regulamento Interno, norma acessória de regência do condomínio, atribui ao zelador ou funcionários responsáveis pela segurança, em seu art. 95 1 , a responsabilidade de advertir verbalmente o condômino que violar suas disposições, objetivando a abstenção da prática das infrações.
Nessa linha, Dejailto Martins Pinheiro, à época dos acontecimentos sub-zelador do condomínio, informou em seu depoimento que, embora não tivesse ocorrido a mudança da mobília do apartamento, os componentes da família mudaram-se, não tendo havido alteração no cadastro por ausência de comunicação formal. Prossegue o depoente informando que chegou a comparecer ao apartamento, recebendo dos moradores a informação de que o corréu Jovanni não morava mais ali e que a comunicação formal acerca do casal que passou a morar no endereço somente ocorreu após as penalidades. O depoente, 1
Art. 95º. DAS ADVERTÊNCIAS
O Condômino (ou quem for responsável) que violar as disposições legais, bem como as contidas na Convenção e no presente Regulamento Interno, será advertido por escrito ou ainda que verbalmente pelo Zelador ou funcionários responsáveis pela segurança da área de lazer, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se do ato praticado, ou ainda, a reparar os danos que causar. Caso não surta efeito a advertência escrita ou verbal, será emitida a multa. Com relação aos menores, seus pais ou responsáveis serão contatados para que intervenham visando cessar a irregularidade cometida, e, caso não compareçam para intervir, será lavrada a multa respectiva.
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inclusive, foi quem pessoalmente advertiu o corréu Jovanni, proprietário do apartamento, de que não poderia fazer mais o uso das piscinas e da sauna, porque não era mais morador do condomínio (fls. 162).
Ora, se o insuspeito depoimento do zelador, funcionário do condomínio, a quem o Regulamento Interno incumbe o dever de advertir os condôminos faltosos, confirmou a constatação da infração, não é crível que esse depoimento tenha sido desprezado no julgamento da causa, a ponto de afastar as multas aplicadas, ao fundamento de que os réus ainda residiam no imóvel juntamente com dois amigos e, como consequência, também poderiam utilizar os equipamentos do condomínio sem infringir as regras condominiais.
O entendimento manifestado na r. sentença amparou-se tão somente em parte da prova oral e desconsiderou a grandiosidade do condomínio em análise (572 apartamentos, distribuídos em 11 blocos), fato que, por si só, justifica a rigidez no controle das regras condominiais, não cabendo a interferência estatal externa em deliberações que digam respeito a questões interna corporis do condomínio, exceto se restasse demonstrado terem sido vilipendiados direitos e garantias constitucionais dos condôminos, hipóteses não configuradas nos autos.
E, como bem sabiam os réus, eventual acréscimo de moradores ao apartamento deveria ter sido comunicado ao condomínio, com a brevidade necessária para a devida alteração dos cadastros da unidade, providência que somente foi tomada após a aplicação das penalidades.
Dessa forma, não impugnadas judicialmente as penalidades impostas e nem comprovado o pagamento do débito,
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restringindo-se a contestação à ausência de comprovação, pelo autor, de cessão do imóvel, forçoso reconhecer que os réus não se desvencilharam do ônus de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte contrária (art. 373, II, do NCPC).
Assinale-se, por oportuno, que as notificações enviadas ao condômino demonstram o reiterado descumprimento ao Regulamento Interno, pois a missiva datada de 16/02/2012 noticia a indevida utilização da sauna ou das piscinas do condomínio nos dias 07/01, 11/01 e 13/01, todas no ano de 2012, enquanto que a de fls. 32, a ocorrência das infrações nos dias 18 e 31 de março, 06, 07, 08, 21, 27, 29 e 30 de abril, bem assim, os dias 01, 02, 05, 06 e 07 de maio, também do ano de 2012. E os valores consignados estão em consonância com o Regulamento Interno (arts. 96º, III – fls. 46 e 100º, II, letras d e e -fls. 47), posto que o condômino reincidiu no cometimento das infrações dentro do período de 30 dias.
Assim, as notificações referidas demonstram, à saciedade, o reiterado descumprimento das regras estabelecidas pelo condômino, ou seja, não foram fatos isolados e pontuais, daí porque não houve abusividade na conduta do síndico, a quem a legislação estabelece o dever de impor e cobrar as multas devidas (art. 1.348, VII, do Código Civil), mas efetivo cumprimento de suas funções no exercício do mandato.
Destarte, comprovado que está nos autos a prática, pelos réus, de fatos considerados violadores do Regulamento Interno do Condomínio e, sendo-lhes assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa, legítima a aplicação das multas ao condômino reiteradamente faltoso.
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Em corolário, o recurso deve ser provido para condenar os réus ao pagamento das multas condominiais no valor de 1.553,90, a ser corrigido monetariamente desde a data do vencimento de cada uma das multas pela Tabela Prática de Cálculos Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, também desde a data do vencimento, nos termos do art. 397 do Código Civil, bem assim a multa de 2% (art. 1.336, § 1º, do Código Civil).
Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO , carreando aos réus os ônus sucumbenciais, arbitrando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.
SERGIO ALFIERI
Relator