Inteiro Teor
A C Ó R D Ã O
(SDC)
GMMEA/mab
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. GREVE NA EMPRESA. ABUSIVIDADE. ASSEMBLEIA DELIBERATIVA. QUORUM. ART. 4º DA LEI DE GREVE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA. Para a deflagração de greve, o art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº 7.783/89, determina que se observe, quanto ao quorum, o estatuto da entidade. É dizer que a lei de greve não exige quorum qualificado para a deliberação sobre a realização da greve e não se aplica o art. 612 da CLT, que dispõe sobre o quorum necessário para a celebração de convenção coletiva e acordo coletivos de trabalho. No tocante ao desrespeito ao art. 3º, da Lei nº 7.783/89, a greve decorreu de recusa da Empresa em cumprir com reajuste salarial deferido em sentença normativa, situação que conduz à presunção de que já fracassada a negociação coletiva, fato que ensejou o ajuizamento do dissídio coletivo anterior, de modo que não ostenta sentido lógico exigir nova negociação coletiva como requisito para a deflagração da greve com essa motivação. NULIDADE DAS DISPENSAS OCORRIDAS DURANTE A GREVE. A Lei nº 7.783/89, art. 7º, parágrafo único, veda a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14. Se a Suscitada atribui à greve dos empregados a rescisão do contrato com a Transpetro, a quem prestava serviços, certo é que os arts. 7º e 9º da Lei de Greve facultam a contratação dos serviços necessários a que se refere o art. 9º. Logo, não constitui motivo para que se considere autorizada a rescisão do contrato de trabalho dos empregados durante a greve cuja abusividade não se configurou, e, por conseguinte, não procede o pleito de declaração de que as dispensas ocorreram por culpa exclusiva dos empregados. DIAS DE PARALISAÇÃO. DESCONTO. Conquanto não abusiva, a greve suspende o contrato de trabalho, conforme o art. 7º da Lei nº 7.783/89. Em virtude da suspensão do contrato de trabalho, a Seção de Dissídios Coletivos firmou entendimento no sentido da possibilidade dos descontos dos dias de paralisação, ressalvadas as hipóteses de o empregador contribuir decisivamente, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorra, como, por exemplo, no caso de atraso no pagamento de salários; no caso de lockout; e por acordo entre as partes.
No caso, ocorreu o acordo entre as partes haja vista que em audiência ajustou-se a compensação dos dias parados à razão de duas horas diárias limitadas a dez horas semanais. Recurso a que se dá provimento para excluir a determinação de pagamento dos dias de paralisação, observada a compensação ajustada entre as partes.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário nº TST-RO-2011500-04.2010.5.02.0000 , em que é Recorrente ACF – ENGENHARIA E MANUTENÇÃO INDUSTRIAL LTDA. e Recorrido SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DE SANTOS .
Em 23/06/2010, SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DE SANTOS ajuizou Dissídio Coletivo de Greve em face de ACF – ENGENHARIA E MANUTENÇÃO INDUSTRIAL LTDA. . Noticiou que os empregados encontravam-se em greve desde 7/6/2010, pois a Empresa Suscitada recusou-se a repassar o reajuste salarial concedido por sentença normativa, o que configura mora salarial. Requer a declaração de não abusividade da greve, o cumprimento da sentença normativa, sob pena de multa diária, desde a citação até o efetivo cumprimento da sentença normativa, por empregado , a ele revertida, o não desconto dos dias parados e a concessão de garantia de emprego e salários aos empregados por cento e oitenta dias (fls. 2/5).
O TRT da 15ª Região rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa, declarou não abusiva a greve e declarou nulas as dispensas realizadas pela Suscitada no curso do movimento (fls. 122/125).
A Suscitada, ACF – ENGENHARIA E MANUTENÇÃO INDUSTRIAL LTDA. , interpôs Recurso Ordinário (fls. 129/136).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 145/146).
O Ministério Público do Trabalho opina pelo não provimento do recurso (sequencial 5).
É o relatório.
V O T O
1 – CONHECIMENTO
Preenchidos os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do Recurso Ordinário.
2 – MÉRITO
2.1 – ILEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM”. INEXISTÊNCIA DE QUORUM MÍNIMO
Argumenta a Recorrente carência de ação por ilegitimidade ativa “ad causam”, porquanto não comprovado o quorum em assembleia para deflagração da greve. Requer a extinção do processo, sem resolução do mérito, com fulcro nos arts. 267, IV e VI, do CPC, e 769 da CLT.
Sem razão.
A análise da observância dos requisitos da Lei de Greve insere-se na apreciação da abusividade do movimento, matéria afeta ao mérito da demanda que não se refere às condições da ação do dissídio coletivo de greve.
Nego provimento.
2.2 – GREVE NA EMPRESA. ABUSIVIDADE. ASSEMBLEIA DELIBERATIVA. QUORUM. ART. 4º DA LEI DE GREVE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA PRÉVIA
O Regional julgou não abusiva a greve deflagrada pelos empregados da Suscitada e declarou nulas as dispensas levadas a efeito durante a greve, sob os seguintes fundamentos:
“Conforme explanado na peça exordial, os empregados da suscitada paralisaram as atividades em 07/06/2010, tendo em vista a não integração do reajuste salarial determinado no dissídio coletivo econômico nº 20090201000002004 (fls. 63), em face da mora salarial.
Não se verifica abusividade no exercício do direito em questão.
Em que pese a ausência de comprovação de algumas formalidades no tocante à existência de convocação de assembleia, na forma do estatuto, contatam-se legítimas as reivindicações da categoria.
Conforme já mencionado, o movimento paredista se iniciou em 07/06/2010 em razão do não cumprimento pela empresa do reajuste salarial convencionado.
Constata-se, também, a postura refratária da empresa no cumprimento da obrigação bem como em relação à possibilidade de negociação, o que fere os princípios básicos do direito coletivo.
Com efeito, o mérito da reivindicação, em seu âmago, constitui-se como mora salarial, diante da incontroversa inaplicabilidade dos reajustes, ficando evidente a fruição regular do direito de greve como meio de pressão, não se evidenciado o abuso mencionado pela suscitada, nos termos do parágrafo único do art. 14 da Lei 7.783/89.
Outro motivo que também influencia na presente questão é o fato de que a empresa demitiu os funcionários grevistas o que fere o comando do art. 7º da lei de greve, que menciona a suspensão dos contratos, sendo nulas as dispensas.
Assim, julgo não abusiva a greve e declaro a nulidade das dispensas feitas pelo suscitado no curso do movimento, tendo em vista a suspensão dos contratos.” (fls. 122/124)
Nas razões de Recurso Ordinário, a Empresa Suscitada insiste na declaração de abusividade da greve, pois o Sindicato Suscitado teria deflagrado a greve sem a observância da comprovação do quorum em assembleia, bem como que o movimento fundou-se em descumprimento de sentença normativa cujo teor ainda não era conhecido pela Suscitada, mas, que, de qualquer sorte, já havia concedido aos empregados o reajuste salarial de 9% (nove por cento), exatamente o percentual concedido na sentença normativa. Entende não esgotada a negociação coletiva nos termos do art. 3º da Lei nº 7.783/89. Requer a declaração de abusividade da greve .
Não lhe assiste razão.
A ordem jurídica evoluiu, no que tange à greve, da atitude autoritária, própria do contexto político-econômico em que instituída, para a concepção mais compatível com o Estado Democrático de Direito.
O art. 9º da Constituição Federal, reproduzido no art. 1º da Lei de Greve, bem demonstra a evolução realizada:
É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender.
Logo, apenas se demonstrado o efetivo descumprimento da lei, pode-se cogitar de abusividade da greve.
Insere-se nos interesses passíveis de defesa pelo direito de greve a pretensão de ver cumprida sentença normativa, de cuja certidão de julgamento a Empresa não nega conhecer antes da deflagração da greve, apenas que não se via obrigada a cumprir com seus termos por não haver participado da audiência de conciliação, embora constasse do polo passivo da ação, de modo que não a greve não se torna abusiva do ponto de vista da motivação.
Ademais, não há previsão legal específica de quorum qualificado para a deliberação sobre a realização da greve e não se aplica o art. 612 da CLT, que dispõe sobre o quorum necessário para a celebração de convenção coletiva e acordo coletivos de trabalho. A propósito, o art. 4º, caput e § 1º, da Lei de Greve, determina que se observe o estatuto da entidade, senão vejamos:
Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente provocar, na forma do seu estatuto, assembléia-geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços .
§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
Nesse ponto , portanto, a greve não se revela abusiva.
Por fim, a propósito da vigência de norma coletiva, eis o teor do art. 14 da Lei nº 7.783/89:
“Art. 14 ….
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento da cláusula ou condição;
II – seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.”
Extrai-se da lei que, em princípio, a greve deflagrada na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa constitui abuso do exercício do direito de greve.
Todavia, a própria lei contempla duas exceções: greve deflagrada com o objetivo de cumprimento de cláusula ou condição e greve motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho. Nessas duas hipóteses, a greve não se revela abusiva.
No caso concreto, certo que a greve ocorreu na vigência de sentença normativa prolatada em 2/6/2010 que deferiu reajuste salarial. Contudo, deflagrou-se greve com o objetivo de cumprimento da cláusula de reajuste salarial. Embora a Suscitada alegue que já havia repassado aos salários dos empregados o reajuste de 9% (nove por cento), confessa que apenas em 14/06/2010, ou seja, após o início da greve em 07/06/2010, propôs o repasse em reunião realizada perante a Delegacia Regional do Trabalho do Município de Santos . Nesse quadro, em que já se presume fracassada a negociação coletiva, circunstância que ensejou o ajuizamento do dissídio coletivo anterior, não ostenta sentido lógico exigir nova negociação coletiva como requisito para a deflagração da greve .
Logo, não procedem as alegações de abusividade da greve por afronta aos arts. 3º, 4º e 14 da Lei nº 7.783/89.
Nego provimento.
2.3 – NULIDADE DAS DISPENSAS OCORRIDAS DURANTE A GREVE
Como visto, o Regional declarou nulas as dispensas ocorridas durante a greve.
Requer a Recorrente a declaração de que as dispensas ocorreram por culpa exclusiva dos empregados que, mediante a greve abusiva, levaram a Transpetro a rescindir o contrato de prestação de serviços com a Recorrente.
Não lhe assiste razão.
Para equacionar a controvérsia resultante da declaração de nulidade das dispensas ocorridas durante a greve relembre-se que a Lei nº 7.783/89, art. 7º, parágrafo único, dispõe:
“Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único: é vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.
Veda a lei, portanto, a rescisão de contrato de trabalho durante a greve.
No caso, revela-se incontroverso que a dispensa de todos os empregados da Suscitada ocorreu durante a greve.
A Suscitada alegou que não lhe restou outra alternativa que não a dispensa não apenas dos empregados que aderiram à greve, mas de todos os empregados, ante a rescisão do contrato com a Transpetro, cujo comunicado contém o seguinte teor:
“Prezados Senhores,
Informamos que, tendo em vista a ocorrência de várias irregularidades por parte desta empresa, e de acordo, com a cláusula décima primeira do presente contrato, comunicamos que estamos rescindindo unilateralmente o contrato em referência.
Os efeitos desta rescisão vigorará a partir das 24:00 horas do dia 29/06/2010.
A presente rescisão é resultante da Cláusula Décima Primeira – Rescisão, subitens II I 1 e 11.1.4, do presente Contrato, a saber:
‘11.1.1 – Descumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos.’
‘11.1.4 – Paralisação dos Serviços, sem justa causa e prévia comunicação à TRANSPETRO.”
Se a Suscitada atribui à greve dos empregados a rescisão do contrato com a Transpetro, a quem prestava serviços, certo é que os arts. 7º e 9º da Lei de Greve facultam a contratação dos serviços necessários para assegurar os serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Ainda que não se trate destas hipóteses, a vedação constante de lei encontra razoabilidade, pois o exercício do regular direito de greve compõe o risco do empreendimento de forma que apenas a greve abusiva enseja a legitimidade de dispensas durante o movimento.
Logo, não constitui motivo para que se considere autorizada a rescisão do contrato de trabalho dos empregados durante a greve cuja abusividade não se configurou, e, por conseguinte, não procede o pleito de declaração de que as dispensas ocorreram por culpa exclusiva dos empregados.
Nego provimento.
2.4 – DIAS DE PARALISAÇÃO. DESCONTO
A Recorrente requer não seja condenada ao pagamento dos dias parados.
Assiste-lhe parcial razão.
Com efeito, conquanto não abusiva, a greve suspende o contrato de trabalho, conforme o art. 7º da Lei nº 7.783/89.
Em virtude da suspensão do contrato de trabalho, a Seção de Dissídios Coletivos firmou entendimento no sentido da possibilidade dos descontos dos dias de paralisação, ressalvadas as hipóteses de o empregador contribuir decisivamente, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorra, como, por exemplo, no caso de atraso no pagamento de salários; no caso de lockout ; e por acordo entre as partes.
No caso, embora o Regional não haja expressamente determinado o pagamento dos dias parados, cumpre esclarecer que ocorreu o acordo entre as partes haja vista que em audiência ajustou-se a compensação dos dias parados à razão de duas horas diárias limitadas a dez horas semanais (fls. 53) . Diante dessa circunstância, inviável impor à Suscitada a determinação pura e simples de pagamento dos dias de greve.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para excluir a determinação de pagamento dos dias de paralisação, observada a compensação ajustada entre as partes.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para excluir a determinação de pagamento dos dias de paralisação, observada a compensação ajustada entre as partes.
Brasília, 12 de agosto de 2013.
Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006)
Márcio Eurico Vitral Amaro
Ministro Relator