Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL Nº 342739 PE (2002.83.00.009457-0)
APTE : JOSE FERNANDES PAULETTI
ADV/PROC : JOSE HENRIQUE WANDERLEY FILHO E OUTROS
APTE : CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHOA
ADV/PROC : HÉLIO ESTRELLA
APTE : UNIÃO
APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REMTE : JUÍZO FEDERAL DA 10ª VARA DE PERNAMBUCO (RECIFE)
ORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO – PE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI – Segunda Turma
RELATÓRIO
O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (RELATOR): Tratam-se de apelações interpostas pelos litisconsortes passivos, os Srs. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA e JOSÉ FERNANDES PAULETTI, e pela União Federal, em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar nulo o ato de designação dos Srs. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA e JOSÉ FERNANDES PAULETTI para integrar o Conselho Consultivo da ANATEL, e determinar o afastamento definitivo dos mesmos do referido Conselho, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), bem assim para obstar a designação de representantes dos usuários e da sociedade pela Associação Brasileira de Telecomunicações – TELEBRASIL, ou por qualquer outra que congregue em seus quadros empresas operadoras de serviços de telecomunicações. Condenou, ainda, os litisconsortes passivos ao pagamento, pro rata, das custas processuais.
Em razões de apelação, o Sr. JOSÉ FERNANDES PAULETTI alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de ser inadmissível a “interferência do Poder Judiciário quanto ao ato de escolha e nomeação do apelado (sic) como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, diante da força da competência atribuída ao Exmo. Sr. Presidente da República, fulcrada nos arts. 21, XI e art. 84, VI, a da Carta Política de 1988; nos arts. 34 e 37 da Lei Geral de Telecomunicações, de nº 9.472/97 e no art. 37, § 4º do Decreto nº 2.338/97”. Defendeu, outrossim, que “o controle jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários se restringe à análise dos seus requisitos de validade que, in casu, correspondem tão somente à qualificação do conselheiro de acordo com a matéria afeta ao colegiado, qual seja a área de telecomunicações”. Sustentou o não cabimento da ação civil pública, alegando que “o ato de escolha e de nomeação do apelado (sic) pelo Chefe do Poder Executivo atendeu a todos os ditames impostos pelo ordenamento jurídico brasileiro, segundo os critérios de oportunidade, conveniência, justiça e equidade, respeitando-se o preconizado na Carta Constitucional e na legislação infra-constitucional”. Discorreu,
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em seguida, sobre a natureza jurídica da ANATEL e sua composição. Argumentou que a “atuação efetiva da citada agência quanto à imparcialidade de seus atos decorre exclusivamente da escolha dos membros do Conselho Diretor , para o qual é vedada a participação de conselheiros que representem interesse direto, ou indireto, de empresas de telecomunicações”. Realçou, ademais, “pelo caráter de participação institucionalizada da sociedade, o Conselho Consultivo não poderia ter natureza imparcial”. Ressaltou que “a previsão de possibilidade de indicação por entidades representativas da sociedade não significa que o membro irá defender os interesses particulares de quem quer que seja”. Acrescentou que “a nomeação e a escolha do Apelante para o Conselho Consultivo não tolhe, não desfavorece, não cerceia, não invalida, não cria desigualdades de representação, não suplanta interesse e não condiciona decisão, nem demanda imparcialidade em prol do bem comum”, em face de
“sua reputação ilibada, seu amplo conhecimento e larga experiência no âmbito das telecomunicações”. Requereu, por fim, o provimento do recurso, a fim de que seja reformada a sentença recorrida.
O litisconsorte passivo CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA também apelou, aduzindo, em síntese, que “em não havendo indicação das entidades representativas, o Presidente da República escolherá livremente os Conselheiros, sujeitando-se à única condição constante do artigo 37 do Regulamento (Decreto nº 2.338/97): a qualificação dos integrantes do Conselho deverá ser compatível com as matérias afetas ao colegiado”. Discorreu acerca do conceito de usuário e sobre a natureza e objetivo da TELEBRASIL. Defendeu, demais disso, a legalidade da indicação do apelante para o Conselho Consultivo da ANATEL. Asseverou que “o magistrado a quo rejeitou a indicação do apelante para aquele cargo, por presumir que ele, no exercício da Presidência da TELEBRASIL, uma associação de pessoas ligadas a atividades de telecomunicações cujo objetivo seria a defesa dos direitos e interesses de seus membros, esteja na linha de confronto com os interesses dos usuários, por ele ilegalmente representados”.
Acrescentou que o MM. Juiz a quo invocou “um inexistente parágrafo único que constaria do art. 5º do diploma estatutário da associação”. Argumentou que os usuários de telecomunicações estão relacionados no quadro associativo da TELEBRASIL e que as associações de classe dos usuários ABT e a ABRANET, que indicaram o apelante, estão também associadas à TELEBRASIL. Sustentou, ainda, que “o MM. Juiz adentrou no conteúdo da decisão presidencial, numa clara ingerência na esfera da Administração, ultrapassando o limite da possibilidade jurídica”. Ressaltou que a TELEBRASIL foi julgada e condenada à perda de uma prerrogativa inerente a qualquer entidade de classe, qual seja a de indicar associados e pessoas qualificadas de sua especialidade, na área de telecomunicações para o Conselho da ANATEL. Ao final, pleiteou o provimento do recurso e a conseqüente reforma da sentença.
A União interpôs recurso de apelação aduzindo, em suma, “que o Exmo. Sr. Presidente da República quando nomeou os aludidos membros do Conselho
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Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, apenas cumpriu um atribuição que lhe compete, ou seja, inerente ao Poder Executivo, atribuição, essa, decorrente da Lei 9.472/97”. Afirmou que o Sr. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA foi indicado pela ABT – Associação Brasileira de Telemarketing e ABRANET – Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Conteúdo e Informações da Rede Internet, para representante das entidades representativas dos usuários e o Sr. JOSÉ FERNANDES PAULETTI foi indicado pela Associação Brasileira de Telecomunicações, para representante das entidades representativas da sociedade. Ressaltou que a indicação efetuada pela Associação Brasileira dos Consumidores de Telecomunicações foi intempestiva, haja vista que feita em 20 de fevereiro de 2002, quando, segundo alegou, o prazo para apresentação da lista de três nomes, de acordo com o § 2º do art. 37 do Decreto nº 2.338, deve ser de 30 dias contado da publicação, o que se deu em 25 de outubro de 2001. Defendeu, ainda, que “caso não haja indicações no prazo legal, fica o Presidente da República autorizado a escolher livremente os conselheiros que considerar aptos para ocupação de tal função”. Asseverou inexistir prova conclusiva de que os citados “conselheiros da ANATEL legitimamente indicados por entidades ligadas à sociedade e aos usuários de Telecomunicações, na forma da lei, estariam a serviço de interesses contrários à sociedade”. Por fim, pleiteou o conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja julgada improcedente a cautelar.
O Ministério Público Federal apresentou contra-razões às fls. 318/330, defendendo, inicialmente, a possibilidade jurídica do pedido. Aduziu, em seguida, que “a presente ação não visa à substituição pelo Poder Judiciário do poder discricionário do Executivo na nomeação de membros do Conselho Consultivo”. Argumentou, demais disso, o que a ação visa é a correção de uma ilegalidade, sendo que a escolha em si continuará a ser do Poder Executivo. Realçou, outrossim, não proceder o argumento, segundo o qual, o § 4º do art. 37 do Decreto nº 2.338/97 garantiria liberdade irrestrita ao Presidente da República para nomeação dos conselheiros na hipótese de inexistir indicações da entidades representativas. Acrescentou que “a única interpretação possível do § 4º do art. 37 do Decreto nº 2.338/97 que se coadunam com a Lei nº 9.472/92 e como os princípio da administração pública é de que a escolha será livre para o Presidente, desde que respeite a pluralidade de composição do conselho, prevista na lei”. Sustentou, ainda, o cabimento da ação civil pública. Ressaltou que o art. 3º da Lei nº 7.347/85 não restringe o objeto da ação civil pública aos casos ali elencados, apenas afirma que ação civil poderá ter aqueles objetos. Defendeu, outrossim, o cabimento da ação civil sob o prisma do direito do consumidor, considerando ter havido violação ao direito dos consumidores a se verem representados na ANATEL. Invocou, demais disso, a Lei nº 8.625/93, que trata da Lei Orgânica do Ministério Público e explicita a possibilidade de anulação de atos administrativos pela via da ação civil pública. Discorreu, em seguida, sobre a ilegalidade das nomeações e o final, pugnou pelo não provimento do recurso.
Duplo grau obrigatório.
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Vieram os autos conclusos por distribuição.
É o relatório.
Dispensada a revisão. Peço dia para julgamento.
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Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 342739 PE (2002.83.00.009457-0)
APTE : JOSE FERNANDES PAULETTI
ADV/PROC : JOSE HENRIQUE WANDERLEY FILHO E OUTROS
APTE : CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHOA
ADV/PROC : HÉLIO ESTRELLA
APTE : UNIÃO
APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REMTE : JUÍZO FEDERAL DA 10ª VARA DE PERNAMBUCO (RECIFE)
ORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO – PE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI – Segunda Turma
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NOMEAÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DA ANATEL. CABIMENTO. ILEGALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. DISCRICIONARIEDADE. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGALIDADE DA NOMEAÇÃO. ART. 34 DA LEI Nº 9.472/97. ART. 37 DO DECRETO Nº 2.338/97. REPRESENTANTES DA SOCIEDADE E DOS USUÁRIOS. NULIDADE DOS ATOS DE DESIGNAÇÃO. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal a fim de que seja declarado nulo ato de designação dos apelantes para integrar o Conselho Consultivo da ANATEL na qualidade de representantes dos usuários e da sociedade, haja vista os cargos ocupados por eles, Presidência da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A e Presidência da TELEBRASIL.
2. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido afastada, tendo em conta a possibilidade de controle juridicial dos atos administrativos discricionários.
3. Todos os elementos dos atos administrativos, inclusive os discricionários são passíveis de revisão pelo Judiciário, para fins de avaliação de observância aos princípios constitucionais da Administração Pública explícitos e implícitos e de respeito
os direitos fundamentais.
4. Em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais, unilaterais
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ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da legalidade e da moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da Carta Magna.
5. A competência discricionária da Administração “é relativa no sentido de que, em todo e qualquer caso, o administrador estará sempre cingido – não importa se mais ou menos estritamente – ao que haja sido disposto em lei, já que discrição supõe comportamento ‘intra legem’ e não ‘extra legem’. Neste sentido pode-se dizer que o administrador se encontra sempre e sempre ‘vinculado’ aos ditames legais”.
6. “A necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias não pode imunizar a agência reguladora de submeter-se à sistemática constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites, perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem comum. Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão dos administradores das agências, mas também sobre o desempenho de suas atribuições”.
7. “Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível”. STF, RE 131661 / ES- Relator (a): Min. MARÇO AURÉLIO.
8. No caso concreto, é de se realçar que se pretende seja reconhecida a ilegalidade da nomeação dos apelantes, como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, não se objetiva, destarte, que o Poder Judiciário se imiscua na competência discricionária do Poder Executivo, tanto que a escolha, e isso não se discute, é do Poder Executivo.
9. Prejudicial de não cabimento da ação civil pública rechaçada.
10. No caso em apreço é cabível a ação civil pública, essa conclusão é concebida a partir da observação da legislação, sobretudo quando considerados os escopos que norteiam a ação civil pública cujo objeto consiste na defesa do interesse público, cotejando os com o caso concreto em apreciação, que envolve uma categoria de pessoas, os usuários de serviços de telecomunicações, e mais, toda a sociedade. O arcabouço desse posicionamento consubstancia-se, fundamentalmente, no regramento constitucional (art. 129, III, da Constituição Federal), no art. 1º, incisos II e V da Lei nº 7.347/85, na alínea b, inciso V, do art. 5º e na alínea c, inciso V, do art. 6º ambos da Lei Complementar nº 75/93, atinente ao Ministério Público
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da União, bem como no art. 25, IV, b da Lei nº 8.625, de 12.02.1993, a qual instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
11. O objeto da presente ação civil pública está absolutamente em consonância com os limites objetivos delineados nos preceitos normativos a ela referentes, porquanto visa à proteção dos consumidores – usuários de serviço de telecomunicações – os quais, por força do art. 34 da Lei nº 9.472/97, devem ser representados no Conselho Consultivo da ANATEL, além dos interesses da sociedade como um todo, que em face do citado dispositivo legal também deve estar representada no aludido Conselho. Ademais, não é de se olvidar que dentre as funções institucionais do Ministério Público da União, se inclui o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública no que tange à observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, inteligência do art. 5º, V, b, da Lei Complementar nº 75/93.
12. O Conselho Consultivo é órgão superior da ANATEL, o qual representa a participação institucionalizada da sociedade na atuação da agência, sendo integrado por doze conselheiros designados por decreto do Presidente da República, sendo dois indicados pelo Senado Federal, dois pela Câmara dos Deputados, dois pelo Poder Executivo, dois conselheiros das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações, dois das entidades representativas dos usuários e dois representantes da sociedade. Essa estruturação do Conselho Consultivo, certamente, possibilita aos usuários e à sociedade como um todo acompanhar a gestão da agência e a regularidade da atuação da mesma na consecução de seus fins. É, assim, imprescindível a nomeação de conselhos de usuários e da sociedade, compostos por representantes apontados por entidades de classe e associações civis, para se assegurar à satisfação do interesse público.
13. No que tange à atividade do Conselho Consultivo, verifica-se que ao mesmo se atribui a cooperação e colaboração na definição da política do setor de telecomunicações, opinando sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações, além de aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público. Demais disso, é dada ao Conselho Consultivo atribuição fiscalizadora, ao qual cabe apreciar os relatórios anuais do
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Conselho Diretor e requerer informação e fazer proposição atinentes a sua atuação. É, assim, de se concluir pela relevância e importância das incumbências do Conselho Consultivo dentro da agência.
14. Na hipótese dos autos, foi nomeado como representante da sociedade o Presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A, empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Ora, a indicação do Presidente de grandes empresas de telecomunicações para representar a sociedade civil perante o Conselho Consultivo da ANATEL, rompe a toda evidência a pluralidade representativa ou mesmo a representação democrática inerente à estrutura do referido Conselho. Com efeito, o legislador claramente estabeleceu que o Conselho Consultivo deveria possuir composição híbrida, isto é, integrado por conselheiros indicados pela Casas Parlamentares, pelo Poder Executivo, pelas entidades de classe das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, e também, pelos usuários e pela sociedade. Sem dúvida, o cargo ocupado pelo apelante é absolutamente incompatível com a representação da sociedade perante o Conselho Consultivo. Por certo, além de membro da sociedade o referido apelante é, mormente, Presidente de grandes empresas de telecomunicações, com interesses na definição da política do setor de telecomunicações e, portanto, voltado para a defesa de seu interesse como presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A e assim,
“diante de um conflito de envolvendo interesses contrapostos da sociedade e das prestadoras de serviço de telecomunicações, a sua atuação estaria comprometida com os interesses deste último segmento. Necessário, pois, para que alguém represente a sociedade, não esteja comprometido com um segmento específico desta, a fim de que possa ter uma atuação imparcial em prol do bem comum”.
15. Quanto ao segundo apelante, fora o mesmo nomeado membro do Conselho Consultivo da ANATEL, como representante dos usuários, quando era Presidente da TELEBRASIL, associação composta por pessoas físicas e jurídicas exercentes de atividades em telecomunicações e em tecnologia afins, a qual congrega grandes empresas do setor de telecomunicações, tais como, a Ericsson Telecomunicações S.A., Siemens Ltda., Tele Norte Leste Participações S/A, Telecom Itália do Brasil S/C Ltda., Telecomunicações de São Paulo S/A, Telesp Celular Participações S/A, Intelig Telecomunicações Ltda., Vésper S/A, Portugal Telecom Brasil
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S/A, Nokia do Brasil Ltda., entre outras. Manifesta, destarte, a ilegalidade de sua nomeação para representar os usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
16. Não há que se alegar ser o bastante a indicação do segundo apelante por entidades representantes dos usuários. A uma, porque se vislumbra ser a ABRANET – Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Conteúdo e Informações da Rede Internet, entidade representativa dos usuários dos serviços de telecomunicações, pois seu objetivo social, consoante se colhe do site www.abranet.org.br, “é dar apoio ao esforço brasileiro na implantação de empresas provedoras de acesso, serviços e informações e buscar o desenvolvimento da Internet – Brasil”. A duas, porquanto “não basta que o candidato ao cargo seja indicado por uma entidade representativa dos usuários e da sociedade, mas também que o mesmo seja um legítimo representante deste segmento, de forma que os seus interesses coincidam com aqueles cuja defesa lhe foi outorgada, sob pena de não haver uma efetiva participação de todos os segmentos da sociedade naquele Conselho e, por conseguinte, de descumprimento do artigo 33 da Lei 9.427/97”. In casu, flagrante é o conflito entre os interesse dos usuários dos serviços de telecomunicações e os interesses da associação que o segundo apelante representa, implicando, pois, em se reconhecer a impossibilidade de sua indicação como representante dos usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
17. A nomeação dos apelantes como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, representa o que a doutrina estrangeira e alguns doutrinadores brasileiros tem denominado de captura da agência pelos interesses regulados.
18. Ocorre a captura do ente regulador quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, levando assim a agência a atender mais
os interesses das empresas (de onde vieram seus membros) do que os dos usuários do serviço, isto é, do que os interesses públicos. “É a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresarias regulados”.
19. No respeitante ao § 4º do art. 37 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 2.338 de 07 de outubro de 1997, é salutar destacar, que em não havendo indicações, a escolha do Presidente da República será livre, desde que em obediência à lei, fulcrado nela e visando o fiel cumprimento das finalidades previstas na lei e na Constituição. Deveras, outra interpretação não pode
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sobressair do aludido § 4º do art. art. 37 do Regulamento da ANATEL.
20. Não havendo indicação das entidades de classe dos usuários e das entidades representativas da sociedade dentro do prazo fixado, fica ao alvedrio do Presidente da República a indicação dos membros do Conselho Consultivo, respeitada, evidentemente, a representação democrática, ou melhor, a pluralidade representativa, assegurada pela Lei nº 9.472/97 e ainda, obedecidos aos princípios constitucionais norteadores da administração pública, sobretudo, da moralidade e da legalidade e considerada a qualificação do indicado, isto é, a compatibilidade da sua qualificação com as matérias afetas ao colegiado.
21. É de se ressaltar, outrossim, ser prescindível prova conclusiva de que os apelantes estariam a serviços de interesses contrários a sociedade a fim de caracterizar a ilegalidade, visto que como demonstrado, houve descumprimento do art. 34 da Lei nº 9.427/97, além de inobservância dos princípios constitucionais da Administração Pública, a exemplo, do princípio da moralidade, legalidade e razoabilidade.
22. Recursos de apelação e remessa oficial improvidos.
VOTO
O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (RELATOR): Como ensaiado no relatório, cuida-se de remessa oficial obrigatória e de apelações interpostas pelos litisconsortes passivos, os Srs. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA e JOSÉ FERNANDES PAULETTI, e pela União Federal, em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar nulo o ato de designação dos Srs. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA e JOSÉ FERNANDES PAULETTI para integrar o Conselho Consultivo da ANATEL, e determinar o afastamento definitivo dos mesmos do referido Conselho, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), bem assim para obstar a designação de representantes dos usuários e da sociedade pela Associação Brasileira de Telecomunicações – TELEBRASIL, ou por qualquer outra que congregue em seus quadros empresas operadoras de serviços de telecomunicações. Condenou, ainda, os litisconsortes passivos ao pagamento, pro rata, das custas processuais.
Inicialmente, quanto à competência deste Juízo, consoante decidido no AGTR nº 46221/PE, a União Federal possui representação em todas as seções judiciárias, estando devidamente estruturada para se defender em qualquer uma delas.
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Além disso, o § 2º do art. 109 da CF/88 faculta o ajuizamento em qualquer dos foros ali referidos de ação em que a União figure como parte ré. Ademais, sendo a ANATEL uma agência reguladora de âmbito nacional, suas decisões têm efeitos nacionais e, portanto, eventuais danos delas decorrentes serão sentidos em todo o país. Daí a possibilidade de ajuizamento da ação em tela em qualquer seção judiciária.
Passa-se a apreciar a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido suscitada pelos apelantes.
Aduziu-se a impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de ser inadmissível a “interferência do Poder Judiciário quanto ao ato de escolha e nomeação do Apelado (sic) como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, diante da força da competência atribuída ao Exmo. Sr. Presidente da República, fulcrada nos arts. 21, XI e art. 84, VI, a da Carta Política de 1988; nos arts. 34 e 37 da Lei Geral de Telecomunicações, de nº 9.472/97 e no art. 37, § 4º do Decreto nº 2.338/97” e que “o controle jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários se restringe à análise dos seus requisitos de validade que, in casu, correspondem tão somente à qualificação do conselheiro de acordo com a matéria afeta ao colegiado, qual seja a área de telecomunicações”.
Razão não assiste aos apelantes.
O controle jurisdicional dos atos administrativos constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos do Estado de Direito. De fato, como observa Maria Sylvia Zanella de Pietro, “de nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos
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por ela praticados”. Por isso, com razão assegura Celso Antônio Bandeira de Mello que “de nada valeria proclamar-se o assujeitamento da Administração à Constituição e às leis, se não fosse possível, perante um órgão imparcial e independente, contestar seus atos com as exigências delas decorrentes, obter-lhes a fulminação quando inválidos, e as
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reparações patrimoniais cabíveis” . Destarte, todo e qualquer ato ou comportamento da Administração Pública atentatório ao Direito pode e deve ser revisto pelo Poder Judiciário a fim de retirá-lo do ordenamento jurídico se desconforme com os princípios constitucionais.
Ademais, em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da legalidade e da
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PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001 p. 603.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 650.
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moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da Carta Magna. O objetivo do controle jurisdicional é assegurar que a Administração Pública atue nos padrões fixados na lei e em consonância com os princípios que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico, cumprindo ao Poder Judiciário na apreciação de legalidade e moralidade do ato
“examinar o ato administrativo sob todos os aspectos, a partir do nascimento, passando depois por todos os elementos integrantes, sem descuidar, entretanto, de aprofundar a
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investigação e perscruta-lhe as entranhas, ou seja, a finalidade visada”.
Destarte, todos os elementos dos atos administrativos, inclusive os discricionários são passíveis de revisão pelo Judiciário, para fins de avaliação de observância aos princípios constitucionais da Administração Pública explícitos e implícitos e de respeito aos direitos fundamentais.
Decerto, a competência discricionária da Administração “é relativa no sentido de que, em todo e qualquer caso, o administrador estará sempre cingido – não importa se mais ou menos estritamente – ao que haja sido disposto em lei, já que discrição supõe comportamento ‘intra legem’ e não ‘extra legem’. Neste sentido pode-se
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dizer que o administrador se encontra sempre e sempre ‘vinculado’ aos ditames legais”
Assim, ao Judiciário caberá “verificar se a intelecção administrativa se manteve ou não dentro dos limites do razoável perante o caso concreto e fulminá-la sempre que se vislumbre ter havido uma imprópria qualificação dos motivos face à lei, uma abusiva dilação no sentido da norma, uma desproporcional
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extensão do sentido extraível do conceito legal ante os fatos a que se quer aplicá-lo”.
Nesta contextura, bastante elucidativa a lição de Marçal Justen Filho:
“A necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias não pode imunizar a agência reguladora de submeterse à sistemática constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites, perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem comum.
Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão dos administradores das agências, mas também sobre o
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CRETELLA JÚNIOR, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 336.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Relatividade da Competência Discricionária. Revista Diálogo Jurídico. vol. I. nº 3. junho/2001
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Relatividade da Competência Discricionária. Revista Diálogo Jurídico. vol. I. nº 3. junho/2001
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desempenho de suas atribuições. Deverá submeter-se à fiscalização a atuação das agências relativamente à adoção de políticas públicas, de edição de normas tantos gerais e abstratas como individuais e
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concretas”.
A seguir, acrescenta o autor, “Insista-se em que o ato produzido pela agência reguladora, ainda quando apto a produzir efeitos abstratos e gerais, continua a se qualificar como ato administrativo. Trata-se de uma manifestação de discricionariedade, que demanda exame e fiscalização pelo Judiciário segundo os princípios gerais vigentes”. Por conseguinte, como já referido, ainda no que concerne à discricionariedade é passível, o ato administrativo do controle jurisdicional. É possível, portanto, se invalidar ato que não seja praticado de acordo com a sua finalidade, ou ainda que tenha sido produzido sem se levar em conta os objetivos da agência e os princípios norteadores de sua atuação, sem que importe em violação ao princípio da separação dos poderes.
Controvérsias, conseguintemente, não há na jurisprudência e na doutrina, no sentido de que existe sempre a possibilidade de invalidação de todo ato administrativo, inclusive os resultantes da ação discricionária da Administração, pelo Poder Judiciário sob o aspecto da legalidade e da moralidade.
Confiram-se, no pertinente, os seguintes julgados, com negritos acrescidos:
“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RE 131661 / ES – ESPÍRITO SANTO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator (a): Min. MARÇO AURÉLIO Julgamento: 26/09/1995 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Publicação: DJ DATA-17-11-95 PP-39209 EMENT VOL-01809-06 PP01393
Ementa
RECURSO EXTRAORDINARIO – PRESSUPOSTO ESPECIFICO DE RECORRIBILIDADE. A parte sequiosa de ver o recurso extraordinario admitido e conhecido deve atentar nao so para a observancia aos pressupostos gerais de recorribilidade como tambem para um dos especificos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o artigo 6., parágrafo único, da Constituição de 1969 acordao em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remocao de funcionario sem a indicacao dos motivos que estariam a respalda-la. Na diccao sempre oportuna de Celso Antonio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionarios nao ha margem para que a administracao atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciario a glosa cabivel (Discricionariedade e Controle judicial).
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JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 584-585.
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Observação
VOTACAO: UNANIME.
RESULTADO: NAO CONHECIDO.
N.PP.:(5). ANALISE:(LMS). REVISAO:(NCS).
INCLUSAO : 21.11.95, (ARV).::
ALTERACAO: 29.02.96, (SMK)”
“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MS 6166 / DF ; MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0008087-4 Relator (a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096) Órgão Julgador S1 – PRIMEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento 13/10/1999
Data da Publicação/Fonte DJ 06.12.1999 p.00062 RSTJ VOL.:00133 p.00078
Ementa
ADMINISTRATIVO – ATO DISCRICIONÁRIO – CONTROLE JURISDICIONAL – PORTARIA QUE OBRIGA A VENDA DE COMBUSTÍVEIS A PREÇOS MENORES QUE OS RESPECTIVOS CUSTOS – INCOMPETÊNCIA – DESVIO DE FINALIDADE. I – Em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V. Lei 4.717/65, Art. 2º). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários, absolutamente imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram observados. II – A Portaria 324/98, em estabelecendo preços insuficientes à correta remuneração dos comerciantes varejistas de combustíveis sediados na Amazônia, inviabilizou a atividade econômica de tais negociantes, atingindo fim diverso daquele previsto na Lei 8.175/95.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros José Delgado, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Garcia Vieira e Francisco Peçanha Martins”.
“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ROMS 15018 / GO ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2002/0075502-5
Relator (a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096)
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Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA
Data do Julgamento 22/10/2002
Data da Publicação/Fonte DJ 10.03.2003 p.00089 RSTJ VOL.:00171 p.00071
Ementa
ADMINISTRATIVO – ATO DISCRICIONÁRIO – CONTROLE JUDICIAL – LEI 4.717/65 – AGENTE DE PROTEÇÃO VOLUNTÁRIO DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – NATUREZA DA FUNÇÃO – PARTICULAR EM COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO – EXCLUSÃO – PENALIDADE – DEVIDO PROCESSO LEGAL.
– “Em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V. Lei 4.717/65, Art. 2º). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários, absolutamente imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram observados.” (MS 6166/Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros)
– O agente voluntário de Proteção do Juizado da Infância e Juventude insere-se na categoria dos particulares que colaboram com a Administração. Eles exercem múnus público, sem vínculo permanente com o Estado. Eles não gozam de estabilidade, mas sua investidura não pode ser desconstituída ad nutum.
– Se o Regimento Interno, define como penalidade a exclusão dos Agentes de Proteção Voluntários do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, não é lícito aplicar-se tal sanção, sem observar-se o contencioso previsto no próprio Regimento (Art. 20, § 2º).
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros José Delgado e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux. Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão”.
No caso concreto, é de se realçar que se pretende é seja reconhecida a ilegalidade da nomeação dos apelantes, os Srs. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA e JOSÉ FERNANDES PAULETTI, como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, não se objetiva, destarte, que o Poder Judiciário se imiscua na competência discricionária do Poder Executivo, tanto que a escolha, e isso não se discute, é do Poder Executivo.
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Em face dessas razões, é de se reconhecer a possibilidade jurídica do pedido e rejeitar a preliminar suscitada.
Cabe analisar, nesse passo, a prefacial de não cabimento da ação civil pública argüida pelos apelantes.
Defendeu-se o não cabimento da ação civil pública, sob a alegação de que “o ato de escolha e de nomeação do apelado (sic) pelo Chefe do Poder Executivo atendeu a todos os ditames impostos pelo ordenamento jurídico brasileiro, segundo os critérios de oportunidade, conveniência, justiça e equidade, respeitando-se o preconizado na Carta Constitucional e na legislação infra-constitucional”. Sustentou-se, ademais, que “neste caso, far-se-ia necessário e imprescindível desconstituir o próprio ato, para tão somente assim afastar qualquer efeito dele decorrente, o que não é permitido através da ação civil pública”, aduziu-se, outrossim, que o objeto em uma ação civil pública se restringe à condenação à obrigação em dinheiro ou obrigação de fazer. Acrescentou-se que “caso tivesse havido ilegalidade ou inconstitucionalidade no ato administrativo de nomeação dos membros do Conselho Consultivo, o que não houve, caberia tão somente a intervenção judicial para desconstituí-lo se restasse caracterizado ato de improbidade (ação de improbidade) nos termos dos Arts. 1º, 9º e 11 da Lei nº 8.429/92, lesão ao patrimônio público nos moldes do Art. 1º da Lei nº 4.717/65 (ação popular) ou inconstitucionalidade da Lei nº 9.427/97 (LGT) e do Decreto nº 2.338/97 (ADIN)”.
A despeito dos argumentos defendidos pelos apelantes, penso, diferentemente, que no caso em apreço é cabível a ação civil pública. Essa conclusão, concebo a a partir da observação da legislação, sobretudo quando considerados os escopos que norteiam a ação civil pública, cujo objeto consiste na defesa do interesse público, cotejando os com o caso concreto em apreciação, que envolve uma categoria de pessoas, os usuários de serviços de telecomunicações, e mais, toda a sociedade. Eis as balizas da tese que ora se sustenta.
O arcabouço do posicionamento desse Relator consubstancia-se, fundamentalmente, no regramento constitucional (art. 129, III, da Constituição Federal), no art. 1º, incisos II e V da Lei nº 7.347/85, na alínea b, inciso V, do art. 5º e na alínea c, inciso V, do art. 6º ambos da Lei Complementar nº 75/93, atinente ao Ministério Público da União, bem como no art. 25, IV, b da Lei nº 8.625, de 12.02.1993, a qual instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Eis o teor do aludido preceito constitucional, litteris:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(…)
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III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
(…)”(grifos que não constam do original)
A Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, de seu turno, preconiza:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
(…)
ll – ao consumidor;
(…) V – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 11.9.1990) (Inciso renumerado pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)”.
Dispõe, outrossim, a Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993:
“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
(…)
V – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:
(…)
b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade;
(…)
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
(…)
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
(…)
c ) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;” .(destaques acrescidos)
É de se atentar, ainda, para a Lei nº 8.6255, de 12.02.1993, a qual estabelece (negritos que não estão no original):
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
(…) IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública , na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético,
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histórico, artístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
Apreende-se, portanto, que ao Ministério Público se confere o dever de salvaguarda, não apenas dos direitos ditos indisponíveis, mas também dos interesses socialmente relevantes, independentemente da indisponibilidade que os grave ou não, ou seja, das pretensões que se reconheçam com repercussão ou reflexão na coletividade considerada em conjunto, para cujo mister entre outros remédios processuais se insere a ação civil pública.
In casu, frise-se que o Órgão Ministerial se insurge contra a nomeação do apelante JOSÉ FERNANDES PAULETTI como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, como representante da sociedade civil, por ser o mesmo Presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A e contra a nomeação do apelante CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA, Presidente da TELEBRASIL, ao menos quando da nomeação, como membro do Conselho Consultivo da ANATEL, na qualidade de representante dos usuários.
Verifica-se, destarte, que o objeto da presente ação civil pública está absolutamente em consonância com os limites objetivos delineados nos preceitos normativos a ela referentes, porquanto visa à proteção dos consumidores – usuários de serviço de telecomunicações – os quais, por força do art. 34 da Lei nº 9.472/97, devem ser representados no Conselho Consultivo da ANATEL, além dos interesses da sociedade como um todo, que em face do citado dispositivo legal também deve estar representada no aludido Conselho. Ademais, não é de se olvidar que dentre as funções institucionais do Ministério Público da União, se inclui o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública no que tange à observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, inteligência do art. 5º, V, b, da Lei Complementar nº 75/93.
Acerca do objeto da ação civil, assevera Rodolfo de Camargo Mancuso:
“Pode-se dizer que a ação civil pública, de natureza cominatória, tem por objeto uma pretensão visando uma obrigação de fazer ou de não fazer, que recomponha in specie a lesão ao interesse metaindividual violado, sob pena de execução por terceiro, às suas expensas, ou de cominação de multa diária pelo retardamento no cumprimento do julgado. O interesse objetivado pode referir-se ao meio ambiente, aos consumidores ou ao patrimônio público do
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País, lato sensu”.
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MANCUSO, Rogério de Camargo. Ação civil pública, em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 9ª ed. p. 46
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Nesse ponto, leciona Hugo Nigro Mazzilli:
“Sensível à necessidade de conferir à coletividade um instrumento para defesa global dos interesses difusos ou coletivos de categorias de pessoas, e superando o veto lançado quando da sanção da Lei nº 7.347/85, a legislação mais recente alargou o campo de tutela dos interesses metaindividuais. Antes de mais nada, a própria ordem constitucional ampliou a legitimação ativa de sindicatos, associações de classe e do próprio Ministério Público, para alcançar justamente a proteção de interesses globais da coletividade. Depois, diversas leis esparsas ampliaram o objeto da ação civil pública, e em 1990 o Código do Consumidor devolveu à Lei da Ação Civil Pública a amplitude que lhe fora inicialmente destinada, permitindo-se a defesa por meio da ação coletiva de qualquer interesse difuso ou coletivo. (…) Atualmente inexiste, portanto taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindividuais. Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolecentes, pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados nos mercados de valores mobiliários, ordem econômica, economia popular, ordem urbanística), quaisquer outros interesse difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio de tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público com pelos demais co-legitimados do art. 5º da LACP – Lei de Ação Civil
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Pública e art. 82 do CDC”.
Quanto ao art. 3º da Lei nº 7.347/85, o qual segundo os apelantes, restringiria o objeto da ação civil pública à condenação à obrigação em dinheiro ou obrigação de fazer, bem deslindou a questão o MM. Juiz a quo na sentença:
“(…) A presente ação tem por objeto o cumprimento de uma obrigação de fazer – destituição dos Srs. Cleofas e José Fernandes do Conselho Consultivo da ANATEL, e de não fazer – “obstar que a União designe representante das entidades representativas dos usuários e sociedade, tomando por indicação nomes apresentados pela ABT e pela TELEBRASIL”, estando, portanto, alcançada pelo disposto no artigo 3º da Lei 7347/85”.
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MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 1996. 8ª ed. rev. ampl. e atual. p. 92-93.
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Ademais, caracteriza-se a hipótese dos autos de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, na medida que os apelantes usurparam o cargo de conselheiro do Conselho Consultivo da ANATEL dos representantes dos usuários e da sociedade civil.
Impõe-se, portanto, rechaçar a preliminar de não cabimento da ação civil pública.
Passa-se à análise do mérito.
No que atine ao Conselho Consultivo da ANATEL, dispõe a Lei nº 9.472/1997, verbis:
“Art. 33. O Conselho Consultivo é o órgão de participação institucionalizada da sociedade na Agência.
Art. 34. O Conselho será integrado por representantes indicados pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados, pelo Poder Executivo, pelas entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações, por entidades representativas dos usuários e por entidades representativas da sociedade, nos termos do regulamento.
Parágrafo único. O Presidente do Conselho Consultivo será eleito pelos seus membros e terá mandato de um ano.
Art. 35. Cabe ao Conselho Consultivo:
I – opinar, antes de seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações;
II – aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público;
III – apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor; IV – requerer informação e fazer proposição a respeito das ações referidas no art. 22.
Art. 36. Os membros do Conselho Consultivo, que não serão remunerados, terão mandato de três anos, vedada a recondução.
§ 1º Os mandatos dos primeiros membros do Conselho serão de um, dois e três anos, na proporção de um terço para cada período.
§ 2º O Conselho será renovado anualmente em um terço.
Art. 37. O regulamento disporá sobre o funcionamento do Conselho Consultivo”. (grifos acrescidos)
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Por sua vez, o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 2.338 de 07 de outubro de 1997, estabelece:
“Art. 36. O Conselho Consultivo, órgão de participação institucionalizada da sociedade na Agência, será integrado por doze conselheiros e decidirá por maioria simples, cabendo ao seu Presidente o voto de desempate.
§ 1º Cabe ao Conselho Consultivo:
a) opinar, antes do seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização dos serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações;
b) aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público;
c) apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor;
d) requerer informação e fazer proposição a respeito das ações referidas no art. 35. § 2º Será publicado no Diário Oficial da União o extrato das decisões do Conselho Consultivo, as quais serão também inscritas na Biblioteca.
Art. 37. Os integrantes do Conselho Consultivo, cuja qualificação deverá ser compatível com as matérias afetas ao colegiado, serão designados por decreto do Presidente da República, mediante indicação :
I – do Senado Federal: dois conselheiros;
II – da Câmara dos Deputados: dois conselheiros;
III – do Poder Executivo: dois conselheiros;
IV – das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações: dois conselheiros;
V – das entidades representativas dos usuários: dois conselheiros;
VI – das entidades representativas da sociedade: dois conselheiros.
§ 1º No caso dos incisos I e II, as indicações serão remetidas ao Presidente da República trinta dias antes do vencimento dos mandatos dos respectivos representantes.
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Página 21 § 2º As entidades que, enquadrando-se nas categorias a que se referem os incisos IV a VI, pretendam indicar representantes, poderão fazê-lo livremente, em trinta dias contados da publicação do edital convocatório no Diário Oficial da União, remetendo ao Ministério das Comunicações lista de três nomes para cada vaga, acompanhada de demonstração das características da entidade e da qualificação dos indicados.
§ 3º A designação para cada uma das vagas referidas nos incisos IV a VI será feita por escolha do Presidente da República, dentre os indicados pela respectiva categoria. § 4º Na ausência de indicações, o Presidente da República escolherá livremente os conselheiros. § 5º Para a escolha dos primeiros integrantes do Conselho Consultivo, as entidades terão o prazo de dez dias, a contar da instalação da Agência, para formular suas indicações, dispensada a publicação de edital convocatório.
§ 6º A posse dos novos integrantes do Conselho Consultivo ocorrerá na primeira reunião que este realizar após a nomeação.
Art. 38. Os integrantes do Conselho Consultivo, que não serão remunerados, terão mandato de três anos, vedada a recondução.
§ 1º A Agência arcará com custeio de deslocamento e estada dos Conselheiros quando no exercício das atribuições a eles conferidas.
§ 2º. Os mandatos dos primeiros conselheiros serão de um, dois e três anos, definidos pelo Presidente da República quando da designação, na proporção de um terço para cada período.
Art. 39. O Presidente do Conselho Consultivo será eleito pelos seus integrantes e terá mandato de um ano.
§ 1º Será eleito Presidente aquele que obtiver o maior número de votos, em único escrutínio secreto, independentemente de candidatura, sendo o desempate feito em favor do conselheiro mais idoso.
§ 2º O mandato do primeiro Presidente terá início, quando de sua eleição, na reunião de instalação do Conselho.
Art. 40. Os integrantes do Conselho Consultivo perderão o mandato, por decisão do Presidente da República, a ser tomada de ofício ou mediante provocação do Conselho Diretor da Agência, nos casos de:
I – conduta incompatível com a dignidade exigida pela função;
II – mais de três faltas não justificadas consecutivas a reuniões do Conselho;
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III – mais de cinco faltas não justificadas alternadas a reuniões do Conselho.
Art. 41. O Presidente do Conselho Diretor convocará o Conselho Consultivo a reunir-se ordinariamente, uma vez por ano, no mês de abril, para eleição do seu Presidente e apreciação dos relatórios anuais do Conselho Diretor.
Art. 42. Haverá reunião extraordinária do Conselho Consultivo toda vez que este for convocado pelo Presidente do Conselho Diretor para apreciar as proposições relativas ao art. 35, incisos I e II, da Lei nº. 9.472, de 1997.
Parágrafo único. As proposições do Conselho Diretor referidas no caput serão consideradas aprovadas caso o Conselho Consultivo não delibere a respeito em até quinze dias contados da data marcada para a reunião.
Art. 43. Por convocação do seu Presidente ou de um terço de seus integrantes, o Conselho Consultivo reunir-se-á extraordinariamente para opinar sobre assunto de sua competência.
Art. 44. Os requerimentos formulados pelo Conselho Consultivo na forma do art. 35, inciso IV da Lei nº. 9.472, de 1997, serão dirigidos ao Presidente do Conselho Diretor, devendo ser atendidos no prazo máximo de sessenta dias.
Art. 45. O Secretário do Conselho Diretor será também o Secretário do Conselho Consultivo”.(negritos nossos)
Dos dispositivos supracitados, verifica-se que o Conselho Consultivo é órgão superior da ANATEL, o qual representa a participação institucionalizada da sociedade na atuação da agência. Assim, o anunciado Conselho é integrado por doze conselheiros designados por decreto do Presidente da República, sendo dois indicados pelo Senado Federal, dois pela Câmara dos Deputados, dois pelo Poder Executivo, dois conselheiros das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações, dois das entidades representativas dos usuários e dois representantes da sociedade.
Essa estruturação do Conselho Consultivo, certamente, possibilita os usuários e à sociedade como um todo acompanhar a gestão da agência e a regularidade da atuação da mesma na consecução de seus fins. É, assim, imprescindível a nomeação de conselhos de usuários e da sociedade, compostos por representantes apontados por entidades de classe e associações civis, para se assegurar à satisfação do interesse público. Destarte, com muita razão afirma Marçal Justen Filho, “o sucesso do modelo de agências depende dessa estruturação democrática, em que haja permanente
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acompanhamento da sua atuação por parte da sociedade civil”. Afinal, “a comunidade
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arcará com os efeitos das escolhas das agências, sejam eles positivos ou negativos” .
No que tange à atividade do Conselho Consultivo, verifica-se que o mesmo se atribui a cooperação e colaboração na definição da política do setor de telecomunicações, opinando sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações, além de aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público. Demais disso, é dada ao Conselho Consultivo atribuição fiscalizadora, ao qual cabe apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor e requerer informação e fazer proposição atinentes a sua atuação. É, assim, de se concluir pela relevância e importância das incumbências do Conselho Consultivo dentro da agência.
Na hipótese dos autos, foi nomeado como representante da sociedade o Sr. JOSÉ FERNANDES PAULETTI, Presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A, empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Ora, a indicação do Presidente de grandes empresas de telecomunicações para representar a sociedade civil perante o Conselho Consultivo da ANATEL, rompe a toda evidência a pluralidade representativa ou mesmo a representação democrática inerente à estrutura do referido Conselho. Com efeito, o legislador claramente estabeleceu que o Conselho Consultivo deveria possuir composição híbrida, isto é, integrado por conselheiros indicados pela Casas Parlamentares, pelo Poder Executivo, pelas entidades de classe das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, e também, pelos usuários e pela sociedade. Sem dúvida, o cargo ocupado pelo apelante JOSÉ FERNANDES PAULETTI é absolutamente incompatível com a representação da sociedade perante o Conselho Consultivo.
Por certo, além de membro da sociedade e de incontestável experiência na área de telecomunicações, o referido apelante é, mormente, Presidente de grandes empresas de telecomunicações, com interesses na definição da política do setor de telecomunicações e, portanto, voltado para a defesa de seu interesse como presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A. Como bem realçou o MM. Juiz a quo, “diante de um conflito de envolvendo interesses contrapostos da sociedade e das prestadoras de serviço de telecomunicações, a sua atuação estaria comprometida com os interesses deste último segmento. Necessário, pois, para que alguém represente a sociedade, não esteja comprometido com um segmento específico desta, a fim de que possa ter uma atuação imparcial em prol do bem comum”.
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Ademais, é de se realçar que já havia sido indicado e nomeado membro representante dos prestadores de serviço, assim, a sociedade restou prejudicada, pois desfalcada de um dos seus representantes no Conselho Consultivo da ANATEL. Não é de se olvidar, ainda, que a indicação do referido apelante se deu pela TELEBRASIL, cujo Presidente à época era o Sr. CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA, demonstrando, destarte, uma estreita relação entre a TELEBRASIL e as empresas de telefonia.
Acrescente-se que o fato de a sociedade estar representada na agência por outros órgãos, em nada afasta ou minora a imoralidade da indicação JOSÉ FERNANDES PAULETTI para membro do Conselho Consultivo da ANATEL como representante da sociedade, nem arreda a violação ao disposto no art. 37 da Lei nº 9.472/97.
Quanto ao apelante CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA, fora o mesmo nomeado membro do Conselho Consultivo da ANATEL, como representante dos usuários. Ocorre que, consoante se observa dos autos, o mesmo era, o menos quando de sua nomeação, Presidente da TELEBRASIL, associação composta por pessoas físicas e jurídicas exercentes de atividades em telecomunicações e em tecnologia afins, consoante se observa de seu estatuto às fls. 138/139, que, por certo, conforme se verifica de sua composição (vide fls. 55/57) congrega grandes empresas do setor de telecomunicações, tais como, a Ericsson Telecomunicações S.A., Siemens Ltda., Tele Norte Lesta Participações S/A, Telecom Itália do Brasil S/C Ltda., Telecomunicações de São Paulo S/A, Telesp Celular Participações S/A, Intelig Telecomunicações Ltda., Vésper S/A, Portugal Telecom Brasil S/A, Nokia do Brasil Ltda., entre outras. Manifesta, destarte, a ilegalidade de sua nomeação para representar os usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
Ademais, não há que se alegar ser o bastante a indicação do apelante por entidades representantes dos usuários. A uma, porque não vislumbro ser a a ABRANET – Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Conteúdo e Informações da Rede Internet, entidade representativa dos usuários dos serviços de telecomunicações, pois seu objetivo social, consoante se colhe do site www.abranet.org.br, “é dar apoio ao esforço brasileiro na implantação de empresas provedoras de acesso, serviços e informações e buscar o desenvolvimento da Internet – Brasil”. A duas, como afirmou o MM. Juiz sentenciante, porquanto “não basta que o candidato ao cargo seja indicado por uma entidade representativa dos usuários e da sociedade, mas também que o mesmo seja um legítimo representante deste segmento, de forma que os seus interesses coincidam com aqueles cuja defesa lhe foi outorgada, sob pena de não haver uma efetiva participação de todos os segmentos da sociedade naquele Conselho e, por conseguinte, de descumprimento do artigo 33 da Lei 9.427/97”. In casu, flagrante é o conflito entre os interesse dos usuários dos serviços de telecomunicações e os interesses da associação que o apelante CLEOFAS ISMAEL DE
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MEDEIROS UCHÔA representa, implicando, pois, em se reconhecer a impossibilidade de sua indicação como representante dos usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
No que tange ao alegado “inexistente” parágrafo único do art. 5º do Estatuto Social da TELEBRASIL, com certeza o apelante CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA equivocou-se, porquanto o aludido parágrafo único não só existe, como trata (vide fls. 137) do objetivo da associação, segundo o qual “A TELEBRASIL deverá, mediante consulta a seus associados, ou por sua solicitação, defender os direitos e os interesses de seus membros, em conformidade com o art. 5º, XXI e art. 103, IX da Constituição Federal”.
A nomeação dos apelantes JOSÉ FERNANDES PAULETTI e CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHÔA como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, representa o que a doutrina estrangeira tem denominado de captura da agência pelos interesses regulados. Acorrem à mente as lições dos doutrinadores europeus e americanos, tais como, Maria Salvador Martínez, Gaspar Ariño Ortiz, Maria Rosaria Ferrarese e de doutrinadores brasileiros, a exemplo de Marçal Justen Filho, Fabio Nusdeo e Alexandre dos Santos Aragão.
Ocorre a captura do ente regulador quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, levando assim a agência a atender mais aos interesses das empresas (de onde vieram seus membros) do que os dos usuários do serviço, isto é, do que os interesses públicos. Discorrendo sobre o processo de captura pelo setor regulado, aduz Maria Salvador Martinez, a agência começa a funcionar com um espírito agressivo, interpretando amplamente suas competências e mostrando-se atrevida na solução dos seus problemas com o fim de demonstrar ser capaz de fazer frente aos problemas e defender os interesses públicos. Assim, uma vez consolidada sua posição, a agência se identifica cada vez mais com as empresas e indústrias reguladas. Chegado esse ponto, suas decisões refletem os desejos dos operadores do setor e a regulação dificilmente vai além dos limites que estes (empresas e indústrias reguladas) considerem aceitáveis (tradução
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livre).
No pertinente, em substanciosa ensinança, diz-nos Marçal Justen Filho:
“A doutrina cunhou a expressão ‘captura’ para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresarias regulados. A captura configura quando a agência perde a condição de autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou
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MARTÍNEZ, Maria Salvador. Autoridades independientes. Barcelona: Editora Ariel, 2002. p. 387.
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todos os segmentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais uma faceta do fenômeno de
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distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais”.
Destarte, é premente uma completa separação entre os órgãos reguladores e as empresas reguladas. Neste contexto, o escritor espanhol Gaspar Ariño Ortiz, assevera ser essa separação um dos princípios básicos da ordenação das telecomunicações, além de constituir ponto essencial dos acordos da Organização Mundial do Comércio – OMC e do GATT de 1997 e ponto central da política de
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telecomunicações da União Européia.
Por fim, no respeitante ao § 4º do art. 37 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 2.338 de 07 de outubro de 1997, é salutar destacar, a despeito do defendido pela União e pelos apelantes, que em não havendo indicações, a escolha do Presidente da República será livre, desde que em obediência à lei, fulcrado nela e visando o fiel cumprimento das finalidades previstas na lei e na Constituição. Deveras, outra interpretação não pode sobressair do aludido § 4º do art. art. 37 do Regulamento da ANATEL. Nesse sentido, advertiu a sabendas Celso Antônio Bandeira de Mello, “os motivos e a finalidade indicados na lei, bem como a causa do ato, fornecem as limitações ao exercício da
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discrição administrativa”.
Assim, não havendo indicação das entidades de classe dos usuários e das entidades representativas da sociedade dentro do prazo fixado, fica ao alvedrio do Presidente da República a indicação dos membros do Conselho Consultivo, respeitada, evidentemente, a representação democrática, ou melhor, a pluralidade representativa, assegurada pela Lei nº 9.472/97 e ainda, obedecidos aos princípios constitucionais norteadores da administração pública, sobretudo, da moralidade e da legalidade e considerada a qualificação do indicado, isto é, a compatibilidade da sua qualificação com as matérias afetas ao colegiado.
É de se ressaltar, outrossim, ser prescindível prova conclusiva de que os apelantes estariam a serviços de interesses contrários a sociedade a fim de caracterizar a ilegalidade, visto que como demonstrado as ensanchas, houve descumprimento do art. 34 da Lei nº 9.427/97, além de inobservância dos princípios constitucionais da Administração Pública, a exemplo, do princípio da moralidade, legalidade e razoabilidade.
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JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. pp. 369-370.
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ORTIZ, Gaspar Ariño. Principios de derecho público económico. Granada: Editora Comares, 2001. p. 747.
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MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 651.
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Quanto à condenação da TELEBRASIL a fim de obstar a designação de representantes dos usuários e da sociedade pela Associação Brasileira de Telecomunicações – TELEBRASIL, ou por qualquer outra que congregue em seus quadros empresas operadoras de serviços de telecomunicações, não merece reproche, outrossim, a sentença vergastada. É que, à vista do já esposado, inexiste compatibilidade entre os interesses da referida associação com os anseios quer seja dos usuários dos serviços de telecomunicações, quer seja da sociedade.
Em face do exposto, nego provimento à remessa oficial e às apelações, mantendo a sentença por seus judiciosos termos.
É o meu voto.
JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 342739 PE (2002.83.00.009457-0)
APTE : JOSE FERNANDES PAULETTI
ADV/PROC : JOSE HENRIQUE WANDERLEY FILHO E OUTROS
APTE : CLEOFAS ISMAEL DE MEDEIROS UCHOA
ADV/PROC : HÉLIO ESTRELLA
APTE : UNIÃO
APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REMTE : JUÍZO FEDERAL DA 10ª VARA DE PERNAMBUCO (RECIFE)
ORIGEM : 10ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO – PE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI – Segunda Turma
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NOMEAÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DA ANATEL. CABIMENTO. ILEGALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. DISCRICIONARIEDADE. APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGALIDADE DA NOMEAÇÃO. ART. 34 DA LEI Nº 9.472/97. ART. 37 DO DECRETO Nº 2.338/97. REPRESENTANTES DA SOCIEDADE E DOS USUÁRIOS. NULIDADE DOS ATOS DE DESIGNAÇÃO. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal a fim de que seja declarado nulo ato de designação dos apelantes para integrar o Conselho Consultivo da ANATEL na qualidade de representantes dos usuários e da sociedade, haja vista os cargos ocupados por eles, Presidência da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A e Presidência da TELEBRASIL.
2. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido afastada, tendo em conta a possibilidade de controle juridicial dos atos administrativos discricionários.
3. Todos os elementos dos atos administrativos, inclusive os discricionários são passíveis de revisão pelo Judiciário, para fins de avaliação de observância aos princípios constitucionais da Administração Pública explícitos e implícitos e de respeito aos direitos fundamentais.
4. Em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da legalidade e da moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da Carta Magna.
5. A competência discricionária da Administração “é relativa no sentido de que, em todo e qualquer caso, o administrador estará sempre cingido – não importa se mais ou menos estritamente – ao que haja sido disposto em lei, já que discrição supõe comportamento ‘intra legem’ e não ‘extra legem’. Neste sentido pode-se dizer que o administrador se encontra sempre e sempre ‘vinculado’ aos ditames legais”.
6. “A necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias não pode imunizar a agência reguladora de submeter-se à sistemática constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites, perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem comum. Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão dos administradores das agências, mas também sobre o desempenho de suas atribuições”.
7. “Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível”. STF, RE 131661 / ES- Relator (a): Min. MARÇO AURÉLIO.
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8. No caso concreto, é de se realçar que se pretende seja reconhecida a ilegalidade da nomeação dos apelantes, como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, não se objetiva, destarte, que o Poder Judiciário se imiscua na competência discricionária do Poder Executivo, tanto que a escolha, e isso não se discute, é do Poder Executivo.
9. Prejudicial de não cabimento da ação civil pública rechaçada.
10. No caso em apreço é cabível a ação civil pública, essa conclusão é concebida a partir da observação da legislação, sobretudo quando considerados os escopos que norteiam a ação civil pública cujo objeto consiste na defesa do interesse público, cotejando os com o caso concreto em apreciação, que envolve uma categoria de pessoas, os usuários de serviços de telecomunicações, e mais, toda a sociedade. O arcabouço desse posicionamento consubstancia-se, fundamentalmente, no regramento constitucional (art. 129, III, da Constituição Federal), no art. 1º, incisos II e V da Lei nº 7.347/85, na alínea b, inciso V, do art. 5º e na alínea c, inciso V, do art. 6º ambos da Lei Complementar nº 75/93, atinente ao Ministério Público da União, bem como no art. 25, IV, b da Lei nº 8.625, de 12.02.1993, a qual instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
11. O objeto da presente ação civil pública está absolutamente em consonância com os limites objetivos delineados nos preceitos normativos a ela referentes, porquanto visa à proteção dos consumidores – usuários de serviço de telecomunicações – os quais, por força do art. 34 da Lei nº 9.472/97, devem ser representados no Conselho Consultivo da ANATEL, além dos interesses da sociedade como um todo, que em face do citado dispositivo legal também deve estar representada no aludido Conselho. Ademais, não é de se olvidar que dentre as funções institucionais do Ministério Público da União, se inclui o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública no que tange à observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, inteligência do art. 5º, V, b, da Lei Complementar nº 75/93.
12. O Conselho Consultivo é órgão superior da ANATEL, o qual representa a participação institucionalizada da sociedade na atuação da agência, sendo integrado por doze conselheiros designados por decreto do Presidente da República, sendo dois indicados pelo Senado Federal, dois pela Câmara dos Deputados, dois pelo Poder Executivo, dois conselheiros das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações, dois das entidades representativas dos usuários e dois representantes da sociedade. Essa estruturação do Conselho Consultivo, certamente, possibilita aos usuários e à sociedade como um todo acompanhar a gestão da agência e a regularidade da atuação da mesma na consecução de seus fins. É, assim, imprescindível a nomeação de conselhos de usuários e da sociedade, compostos por representantes apontados por entidades de classe e associações civis, para se assegurar à satisfação do interesse público.
13. No que tange à atividade do Conselho Consultivo, verifica-se que ao mesmo se atribui a cooperação e colaboração na definição da política do setor de telecomunicações, opinando sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações, além de aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público. Demais disso, é dada ao Conselho Consultivo atribuição fiscalizadora, ao qual cabe apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor e requerer informação e fazer proposição atinentes a sua atuação. É, assim, de se concluir pela relevância e importância das incumbências do Conselho Consultivo dentro da agência.
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14. Na hipótese dos autos, foi nomeado como representante da sociedade o Presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A, empresas prestadoras de serviços de telecomunicações. Ora, a indicação do Presidente de grandes empresas de telecomunicações para representar a sociedade civil perante o Conselho Consultivo da ANATEL, rompe a toda evidência a pluralidade representativa ou mesmo a representação democrática inerente à estrutura do referido Conselho. Com efeito, o legislador claramente estabeleceu que o Conselho Consultivo deveria possuir composição híbrida, isto é, integrado por conselheiros indicados pela Casas Parlamentares, pelo Poder Executivo, pelas entidades de classe das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, e também, pelos usuários e pela sociedade. Sem dúvida, o cargo ocupado pelo apelante é absolutamente incompatível com a representação da sociedade perante o Conselho Consultivo. Por certo, além de membro da sociedade o referido apelante é, mormente, Presidente de grandes empresas de telecomunicações, com interesses na definição da política do setor de telecomunicações e, portanto, voltado para a defesa de seu interesse como presidente da Tele Norte Leste Participações S/A e da TELEMAR Norte Leste S/A e assim, “diante de um conflito de envolvendo interesses contrapostos da sociedade e das prestadoras de serviço de telecomunicações, a sua atuação estaria comprometida com os interesses deste último segmento. Necessário, pois, para que alguém represente a sociedade, não esteja comprometido com um segmento específico desta, a fim de que possa ter uma atuação imparcial em prol do bem comum”.
15. Quanto ao segundo apelante, fora o mesmo nomeado membro do Conselho Consultivo da ANATEL, como representante dos usuários, quando era Presidente da TELEBRASIL, associação composta por pessoas físicas e jurídicas exercentes de atividades em telecomunicações e em tecnologia afins, a qual congrega grandes empresas do setor de telecomunicações, tais como, a Ericsson Telecomunicações S.A., Siemens Ltda., Tele Norte Leste Participações S/A, Telecom Itália do Brasil S/C Ltda., Telecomunicações de São Paulo S/A, Telesp Celular Participações S/A, Intelig Telecomunicações Ltda., Vésper S/A, Portugal Telecom Brasil S/A, Nokia do Brasil Ltda., entre outras. Manifesta, destarte, a ilegalidade de sua nomeação para representar os usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
16. Não há que se alegar ser o bastante a indicação do segundo apelante por entidades representantes dos usuários. A uma, porque se vislumbra ser a ABRANET – Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Conteúdo e Informações da Rede Internet, entidade representativa dos usuários dos serviços de telecomunicações, pois seu objetivo social, consoante se colhe do site www.abranet.org.br, “é dar apoio ao esforço brasileiro na implantação de empresas provedoras de acesso, serviços e informações e buscar o desenvolvimento da Internet – Brasil”. A duas, porquanto “não basta que o candidato ao cargo seja indicado por uma entidade representativa dos usuários e da sociedade, mas também que o mesmo seja um legítimo representante deste segmento, de forma que os seus interesses coincidam com aqueles cuja defesa lhe foi outorgada, sob pena de não haver uma efetiva participação de todos os segmentos da sociedade naquele Conselho e, por conseguinte, de descumprimento do artigo 33 da Lei 9.427/97”. In casu, flagrante é o conflito entre os interesse dos usuários dos serviços de telecomunicações e os interesses da associação que o segundo apelante representa, implicando, pois, em se reconhecer a impossibilidade de sua indicação como representante dos usuários perante o Conselho Consultivo da ANATEL.
17. A nomeação dos apelantes como membros do Conselho Consultivo da ANATEL, representa o que a doutrina estrangeira e alguns doutrinadores brasileiros tem denominado de captura da agência pelos interesses regulados.
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18. Ocorre a captura do ente regulador quando grandes grupos de interesses ou empresas passam a influenciar as decisões e atuação do regulador, levando assim a agência a atender mais aos interesses das empresas (de onde vieram seus membros) do que os dos usuários do serviço, isto é, do que os interesses públicos. “É a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para setores empresarias regulados”.
19. No respeitante ao § 4º do art. 37 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 2.338 de 07 de outubro de 1997, é salutar destacar, que em não havendo indicações, a escolha do Presidente da República será livre, desde que em obediência à lei, fulcrado nela e visando o fiel cumprimento das finalidades previstas na lei e na Constituição. Deveras, outra interpretação não pode sobressair do aludido § 4º do art. art. 37 do Regulamento da ANATEL.
20. Não havendo indicação das entidades de classe dos usuários e das entidades representativas da sociedade dentro do prazo fixado, fica ao alvedrio do Presidente da República a indicação dos membros do Conselho Consultivo, respeitada, evidentemente, a representação democrática, ou melhor, a pluralidade representativa, assegurada pela Lei nº 9.472/97 e ainda, obedecidos aos princípios constitucionais norteadores da administração pública, sobretudo, da moralidade e da legalidade e considerada a qualificação do indicado, isto é, a compatibilidade da sua qualificação com as matérias afetas ao colegiado.
21. É de se ressaltar, outrossim, ser prescindível prova conclusiva de que os apelantes estariam a serviços de interesses contrários a sociedade a fim de caracterizar a ilegalidade, visto que como demonstrado, houve descumprimento do art. 34 da Lei nº 9.427/97, além de inobservância dos princípios constitucionais da Administração Pública, a exemplo, do princípio da moralidade, legalidade e razoabilidade.
22. Recursos de apelação e remessa oficial improvidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.
Recife, 30 de novembro de 2004. (Data do julgamento)
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Relator
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