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Inteiro Teor
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INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. MEIO AMBIENTE. CONSTITUIÇÃO DE CONSELHO CONSULTIVO DE ESTAÇÃO ECOLÓGICA. POSSIBILIDADE. DESAPROPRIAÇÃO. PRÉVIA INDENIZAÇÃO. DESNECESSÁRIA.
Prestigiar a tese dos autores de que a constituição do Conselho Consultivo e a elaboração do Plano de Manejo só poderiam ocorrer após a efetiva desapropriação da área acabaria eternizando o status quo, pois os proprietários, inviabilizando a penetração e, por meio dela, a avaliação administrativa do valor a ser pago a título de indenização, impediriam a desapropriação, administrativa ou judicial, dos terrenos e benfeitorias, em violação ao art. 7.º do DL 3.365/41, e acabariam – por ato contrário ao Direito vigente – conseguindo impedir a criação fática da Estação Ecológica, cuja criação jurídica não conseguiram evitar na ação anteriormente ajuizada, o que não pode ser admitido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2015.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7324591v2 e, se solicitado, do código CRC E4CA16C0. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em ação ordinária, que discute a possibilidade de Constituição do Conselho Consultivo da Estação Ecológica da Mata Preta e do início de ações em relação ao Plano de Manejo sem que tenha havido prévia indenização das áreas atingidas pelo Decreto que criou a Unidade de Conservação.
A sentença julgou improcedente a ação.
A parte autora apela, pedindo a reforma da sentença e alegando que: permitir a elaboração de um Plano de Manejo sem que os Réus adentrem nas áreas é permitir que se realize um plano falso, porque não amparado na área objeto da Unidade de Conservação, bem como estará desrespeitando a lei por completo a se completar o Plano de Manejo a propriedade atingida sofrerá todas as restrições próprias da Unidade de Conservação sem que seja indenizado na forma da lei.
Foram apresentadas contrarrazões.
Incluído em pauta, é o relatório.
VOTO
Examinados os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de improcedência proferida pelo juiz federal substituto Guilherme Gehlen Walcher, transcrevendo-a e adotando-a como razão de decidir, nestes termos:
a) Preliminares
a.1) Coisa julgada
Alegam as requeridas a existência de coisa julgada em face das ações 2005.72.02.002011-2 e 2005.72.02.002016-1, nas quais teria sido reconhecida a legalidade da instalação da ESEC da Mata Preta.
É sabido que a coisa julgada se concretiza quando, em uma nova demanda, repetem-se as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, presentes em outra ação que já transitou em julgado.
O Código de Processo Civil, em seu art. 467, estabelece:
Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
O instituto da coisa julgada pode ser conceituado como a imutabilidade decorrente da sentença de mérito, impedindo discussão posterior. Uma vez julgado o caso, restará declarada a disciplina que o direito abstrato confere à situação específica. Por isso, prestada a tutela jurisdicional, haverá ela de ser imutável. Com efeito, a coisa julgada material corresponde à imutabilidade da declaração judicial sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurisdicional. Portanto, para que possa ocorrer coisa julgada material, é necessário que a sentença seja capaz de declarar a existência ou não de um direito.
Outrossim, como elemento protetor da decisão judicial, o CPC concebe a chamada eficácia preclusiva da coisa julgada, conforme previsão do art. 474:
Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.
Segundo leciona Luiz Guilherme Marinoni (in Manual de Processo de Conhecimento, 2005, p. 628) a eficácia preclusiva da coisa julgada objetiva proteger a declaração transitada em julgado, de modo que todo o material relacionado com o primeiro julgamento fica precluso, inviabilizando sua reapreciação judicial em ação subseqüente. Todas as alegações deduzidas, bem como aquelas que seriam dedutíveis e que mantêm relação direta com o material da primeira demanda (ainda que não tenham sido apresentadas em juízo ou apreciadas pelo magistrado), presumem-se oferecidas e repelidas pelo órgão jurisdicional.
É importante perceber que não se está afirmando que os motivos da sentença transitem em julgado, mas sim que, uma vez julgada a controvérsia e elaborada a regra concreta do caso, todos os argumentos utilizados ou utilizáveis tornam-se superados, mesmo que, sobre eles, não haja o órgão jurisdicional se manifestado expressamente ou inteiramente.
Analisando as ações 2005.72.02.002011-2 e 2005.72.02.002016-1, verifica-se a existência de sentença, transitada em julgado, que julgou improcedentes os pedidos dos autores (consoante consulta à página http://www.jfsc.jus.br). Em face da ausência de preparo no momento da interposição da apelação de ambas as sentenças, o TRF-4 declarou a deserção dos recursos.
Da sentença proferida na demanda distribuída sob o 2005.72.02.002016-1 extrai-se que os autores pretendiam, “a suspensão da realização do ato de consulta pública prevista para a o mês de ajuizamento da ação, bem como a determinação ao réu de apresentação dos estudos técnicos efetivados para a criação da Unidade de Conservação Estação Ecológica da Mata Preta no município de Abelardo Luz e que o réu se abstenha de remeter as conclusões e processos ao Poder Executivo como subsídio para embasar eventual decreto”.
Já nos autos nº 2005.72.02.002011-2 (fls. 198-206) os autores pleitearam “a suspensão do procedimento de criação das unidades de Santa Catarina, suspendendo-se a edição do decreto […], bem como seja determinada a juntada de todo o procedimento administrativo”. Sustentavam “que não poderiam ser realizadas reuniões, com o intuito de satisfazer o requisito da lei, com relação à consulta pública, sem haver sido fornecido, previamente, cópia dos estudos técnicos realizados, pois a população participaria da reunião desprovida de qualquer informação acerca da unidade de conservação”, bem como que “não poderiam estar pré-determinados dados como o local e a dimensão da área atingida, em virtude de, no seu entender, a consulta pública possuir o condão de definir tais parâmetros para a criação da estação ecológica”.
Verifica-se, portanto, que a causa de pedir e o pedido das demandas anteriormente ajuizadas são diversos dos mencionados na presente ação, na qual se pretende a cessação das atividades de constituição do Conselho Consultivo da Estação Ecológica da Mata Preta, bem como eventuais ações em relação ao Plano de Manejo da Unidade, até a regularização fundiária da área, com a conclusão do processo de desapropriação. Não se discute, portanto, o procedimento de criação ou de expedição do decreto para criação da Estação Ecológica, mas uma das etapas posteriores à sua criação, qual seja, a necessidade de prévia desapropriação da área.
Não havendo, portanto, identidade das causas de pedir e dos pedidos, a alegação de coisa julgada não merece ser acolhida.
a.2) Ausência de Interesse Processual
Sustenta o ICMBIO a ausência de interesse de agir dos autores, porquanto, embora a Instrução Normativa IBAMA nº 09/2003 faculte aos interessados a iniciativa do processo administrativo de regularização fundiária, os autores não comprovaram ter adotado qualquer providência nesse sentido.
Não merece ser acolhida a pretensão da requerida, porquanto, como ela mesma destacou, é faculdade dos interessados requerer o início do processo administrativo de regularização da área para o pagamento da respectiva indenização. A ausência do exercício dessa opção não pode, todavia, servir como óbice ao ajuizamento de ação visando à cessação de eventuais irregularidades por ele constatadas. Segundo o alegado direito dos autores (in statu assertionis), o ICMBio só poderia constituir o Conselho Consultivo após desapropriar a área. Como o Conselho estava sendo constituído, haveria no ponto uma ilegalidade a ser combatida, sendo irrelevante o pedido de pagamento de indenização na via administrativa, já que, segundo o autor, deveria o ICMBio, de ofício, ter desapropriado os imóveis, o que não foi feito.
b) Mérito
A questão discutida nos autos versa sobre a possibilidade de Constituição do Conselho Consultivo da Estação Ecológica da Mata Preta e do início de ações em relação ao Plano de Manejo sem que tenha havido prévia indenização das áreas atingidas pelo Decreto que criou a Unidade de Conservação.
A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, prevê:
Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;
[…]
VI – proteção integral: manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais;
[…]
IX – uso indireto: aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais;
[…]
XVII – plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade;
Art. 8o O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:
I – Estação Ecológica; […]
Art. 9o A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.
§ 1o A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. […]
Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público. […]
Art. 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo.
§ 1o O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.
§ 2o Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente.
§ 3o O Plano de Manejo de uma unidade de conservação deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação. […]
Art. 28. São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.
Parágrafo único. Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais.
Art. 29. Cada unidade de conservação do grupo de Proteção Integral disporá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em Refúgio de Vida Silvestre ou Monumento Natural, quando for o caso, e, na hipótese prevista no § 2o do art. 42, das populações tradicionais residentes, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.
Dos dispositivos mencionados extrai-se que a Estação Ecológica é uma das categorias de Unidade de Conservação Integral que, a partir da criação por ato do Poder Público, passa a estabelecer restrições ao espaço territorial por ela abrangido, visando especialmente à sua conservação e proteção. No caso de unidade de proteção integral, é admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais, ou seja, uso que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição de recursos naturais.
A partir da criação de uma Estação Ecológica, há diversos atos que devem ser realizados pelo Poder Público, dentre os quais estão a desapropriação das áreas particulares incluídas dentro de seus limites, a elaboração do Plano de Manejo e a criação do Conselho Consultivo, os quais são objeto da presente demanda.
Como foi possível perceber, nem a Lei mencionada, tampouco o Decreto regulamentador nº 4.340/2002, estabelecem uma ordem das atividades a serem exercidas, podendo estas ocorrer concomitantemente. Aliás, considerando que os atos a serem praticados envolvem estudos, pesquisas, levantamento de dados, etc., é razoável que diversas etapas se desenvolvam simultaneamente. No caso da elaboração do Plano de Manejo, a lei estabelece o prazo de 5 (cinco) anos para sua elaboração. Para a desapropriação, a lei determinada seja observada a legislação a ela pertinente.
Nota-se, assim, que não há como exigir que o Poder Público realize, antes de tudo, a desapropriação, para só posteriormente iniciar os demais trabalhos previstos na lei, até porque o processo de desapropriação pode se estender no tempo, dificultando o cumprimento das demais etapas previstas. Evidente, no entanto, que o Poder Público deve obedecer também ao prazo destinado à desapropriação dos imóveis particulares e, se isso não está sendo observado, cabe ao (s) proprietário (s) prejudicado (s) a busca da sua correção. No entanto, no caso presente, só se discute a necessidade de desapropriação antes da realização de qualquer outro ato tendente à constituição do Conselho Consultivo e a elaboração do Plano de Manejo, o que, todavia não encontra amparo legal.
Ao analisar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, a magistrada condutora do feito valeu-se da seguinte fundamentação, que ora transcrevo para evitar tautologia (fl. 267-270):
[…]
No caso em tela, pretendem os autores sejam cessadas todas as atividades de constituição do Conselho Consultivo da Estação Ecológica da Mata Preta, bem como eventuais ações em relação ao Plano de Manejo da Unidade, até a regularização fundiária da área, com a conclusão do processo de desapropriação.
Não comprovaram os autores, contudo, que referidas ações estejam, de qualquer forma, trazendo prejuízos ou limitações em suas propriedades – que não aquelas já existentes em face da expedição do Decreto s/nº, de 19 de outubro de 2005, que declarou de utilidade pública os imóveis particulares objeto da presente demanda -, tampouco que esses procedimentos estejam retardando ou impedindo os atos tendentes à desapropriação da área.
Isso, aliado à inexistência de norma estabelecendo uma ordem cronológica para realização dos atos tendentes à criação e integral instalação de uma Unidade de Conservação, conduz à conclusão de que não há, no caso, elementos suficientes para o deferimento do pedido de antecipação de tutela.
Em face da clara manifestação exarada pelo Ministério Público Federal, peço vênia para transcrevê-la a fim de fundamentar a presente decisão:
A problemática versa sobre a ordem cronológica dos procedimentos a serem adotados quando da Criação da Estação Mata Preta, já que os autores afirmam que a desapropriação dos proprietários de terra deve preceder à constituição do Conselho Consultivo e formulação do Plano de Manejo.
Nesse vértice, dispõe o a Lei 9.985/2000:
Art. 9o A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.
§ 1o A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
Atendendo o comando legal, o poder executivo editou o Decreto s/nº, de 19 de outubro de 2005, para declarar de utilidade pública, para fins de desapropriação, os imóveis particulares constituídos de terras e benfeitorias existentes nos limites descritos no art. 2º, dentre eles os imóveis dos réus. O parágrafo segundo do aludido artigo autoriza o IBAMA a promover e executar as desapropriações, podendo, para o efeito de imissão de posse, alegar a urgência a que se refere do art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41.
Em atenção ao art. 225, III da Constituição da República, cabe ao Poder Público definir territórios a serem especialmente protegidos, sendo vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a sua proteção.
A declaração de utilidade pública, por si só, produz os seguintes efeitos: submete o bem à força expropriatória do Estado; levanta as condições do bem; confere ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder.
Nesse compasso, tem-se que desde a declaração de utilidade pública surtem os efeitos limitadores da propriedade, que serão absolutos somente após concluído o processo de desapropriação com a indenização os proprietários. A instalação do Conselho Consultivo e a elaboração do Plano de Manejo em nada interferem no processo de desapropriação iniciado com o decreto expropriatório.
Por sua vez, o Decreto 4.340/2005, que regulamenta a Lei 9.985/2000, aponta os procedimentos a serem adotados para criação de Unidade de Conservação, mas não indica a ordem cronológica da efetiva realização, o que pode ser presumida pela descrição da função de cada um deles.
Assim, da leitura da citada norma, verifica-se que a instituição do Conselho deve preceder o Plano de Manejo, visto que compete àquele acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação. Cabe ao Conselho, ainda, propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso, do que se pode afirmar que deve anteceder também aos processos de desapropriações.
Ao contrário do que afirmam os autores, a teor do que preconiza o art. 28 da Lei 9.985/2000, enquanto não tiver sido elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas da área delimitada devem estar restritas àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, visto que o Plano de Manejo condiciona as alterações, atividades ou modalidades de utilização possíveis no interior de uma área protegida.
Ademais, após a declaração de utilidade pública por meio de decreto do poder executivo, cabe a administração no prazo de caducidade de cinco anos dar efetividade a desapropriação seja administrativa ou judicial, o que independente do andamento dos procedimentos de implementação da Estação Ecológica.
Vale transcrever a decisão proferida na ação ordinária nº 2005.72.02.002011-2, em que se buscou a suspensão dos trabalhos de criação da Estação Ecológica Mata Preta:
“É mister destacar que todos os estudos elaborados foram feitos tendo em mira a importante missão do Poder Público em cumprir o mandamento constitucional de preservação da natureza (Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações), especialmente dos ecossistemas ameaçados, e que notoriamente a região oeste de Santa Catarina foi extremamente prejudicada pela intensa exploração dos recursos naturais existentes, restando apenas pequenas faixas de terra onde a natureza ainda sobrevive.
Diante disso, ao deflagrar e levar o processo de implantação da unidade de conservação em questão, nada mais fez o Poder Público, por meio do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente, que dar cumprimento ao mandamento constitucional acima transcrito. As restrições ou limitações ao direito de propriedade daí decorrentes, desde que atendam aos requisitos legais, não ofendem, assim, o direito dos proprietários, que deverão ser adequadamente indenizados.
Demais disso, vigora em matéria ambiental o princípio da precaução, razão pela qual o risco milita a favor da proteção do meio ambiente, em detrimento do direito dos proprietários atingidos pela criação da unidade de conservação.”
A função social da propriedade representa o dever de que a propriedade atenda não apenas aos interesses individuais do proprietário, mas também sirva de instrumento para alcançar o bem da coletividade, no caso, o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.
O processo de instalação da Estação Ecológica atende preceito constitucional e representa importante conscientização da sociedade da necessidade de se proteger a fauna e a flora diariamente ameaçadas pelo desenvolvimento global desenfreado.
A pretensão dos autores em sustar o processo de implementação da Unidade de Conservação esbarra na ausência de dispositivo legal que obste o andamento do processo até que as áreas declaradas de utilidade pública sejam indenizadas.
Longe disso, o que busca a Lei 9.985/2000 é garantir um processo de instalação célere e eficiente, fulminando, assim, com a prática da criação textual de unidades de conservação, com projetos que nunca saíram do papel diante da inércia do Poder Público.
Cabe aos autores, querendo, buscar a tutela judicial caso discordem dos valores indicados pelo Poder Público para fins indenizatórios, mas isso, em nada implica no andamento do processo de implementação da unidade de conservação.
Deve ser destacado ainda que no caso presente os autores não lograram êxito em comprovar que tenha havido esbulho ou turbação em suas propriedades em decorrência das ações visando constituir o Conselho Consultivo e ações ligadas ao Plano de Manejo. Da prova testemunhal colhida extrai-se que as ações realizadas ocorreram com autorização dos proprietários e, quando estes não autorizavam a entrada dos responsáveis pelos estudos, esta decisão foi respeitada. Não há notícias de invasão de propriedade ou de que os donos das terras tenham sido impedidos de exercer suas atividades produtivas, por exemplo. Além disso, deve ser destacado que há nos autos documentos comprovando o início dos atos tendentes à desapropriação (fls. 454-480), inexistindo evidências de omissão do Poder Público nesse sentido.
Saliente-se, ainda, quanto à atuação da ONG APREMAVI, que esta foi selecionada, após a apresentação de projeto, para elaborar o plano de manejo (fls. 254-5) podendo, portanto, atuar visando a consecução tal intento.
Assim, como não há uma cronologia das atividades estabelecidas pela Lei, nada impede que a Constituição do Conselho Consultivo e a elaboração do Plano de Manejo ocorram antes de findo o procedimento de desapropriação, podendo estes ser realizados concomitantemente, ainda mais quando, como no caso presente, há notícias do andamento das atividades tendentes à desapropriação dos imóveis.
As informações constantes dos autos demonstram que os proprietários dos imóveis não permitem o ingresso de autoridades em suas propriedades o argumento de que ainda não foram indenizados. Dessa forma, inviabilizam a avaliação administrativa do valor a ser pago a título de indenização, bloqueando temporariamente a desapropriação, administrativa ou judicial, dos terrenos e benfeitorias.
Vale ressaltar que o Decreto presidencial que criou a Estação Ecológica (fl. 50) declarou de utilidade pública as áreas nele delimitadas:
Art. 4º Ficam declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação, na forma prevista no Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, os imóveis particulares constituídos de terras e benfeitorias existentes nos limites descritos no art. 2º deste Decreto […].
Este fato jurídico que autoriza a penetração das autoridades públicas nos imóveis a serem desapropriados, conforme prevê o art. 7.º do Decreto-Lei n.º 3.365/41:
Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial.
Neste contexto, prestigiar a tese dos autores de que a constituição do Conselho Consultivo e a elaboração do Plano de Manejo só poderiam ocorrer após a efetiva desapropriação da área acabaria eternizando o status quo, pois os proprietários, inviabilizando a penetração e, por meio dela, a avaliação administrativa do valor a ser pago a título de indenização, impediriam a desapropriação, administrativa ou judicial, dos terrenos e benfeitorias, em violação ao art. 7.º do DL 3.365/41, e acabariam – por ato contrário ao Direito vigente – conseguindo impedir a criação fática da Estação Ecológica, cuja criação jurídica não conseguiram evitar na ação anteriormente ajuizada, o que não pode ser admitido.
O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido, mantendo-se o resultado do processo e não havendo motivos para reforma da sentença, inclusive com relação aos honorários advocatícios sucumbenciais.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7324590v2 e, se solicitado, do código CRC CD8F6D1B. | |
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Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
Data e Hora: | 26/02/2015 19:29 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/02/2015
ORIGEM: SC 50027288220124047202
RELATOR
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:
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Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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PRESIDENTE
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:
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CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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PROCURADOR
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Dr. Jorge Luiz Gasparni da Silva
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APELANTE
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DISSENHA S.A INDUSTRIA E COMERCIO
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:
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JOSÉ NELSON DISSENHA
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JUAREZ MARTINS
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REGIA PRATA MARTINS VIEIRA SEVERO (Inventariante)
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ESPÓLIO DE ALAOR PRATA MARTINS (Espólio)
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ESPÓLIO DE MARIA DE MORAIS PRATA MARTINS
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ADVOGADO
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MARTIM FRANCISCO RIBAS
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APELADO
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ASSOCIACAO DE PRESERVACAO DO MEIO AMBIENTE E DA VIDA
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ADVOGADO
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:
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ODAIR LUIZ ANDREANI
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APELADO
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INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
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MPF
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:
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/02/2015, na seqüência 46, disponibilizada no DE de 12/02/2015, da qual foi intimado (a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o (a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO
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:
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Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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VOTANTE (S)
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:
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Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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:
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Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
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Juiz Federal LORACI FLORES DE LIMA
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Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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Signatário (a): | Luiz Felipe Oliveira dos Santos |
Data e Hora: | 24/02/2015 14:24 |