Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
ACÓRDÃO
0068900-04.2009.5.04.0351 RO Fl. 1
EMENTA: GARANTIA PROVISÓRIA NO EMPREGO. MEMBRO DO CONSELHO FISCAL. DESPEDIDA ATENTATÓRIA AO DIREITO FUNDAMENTAL DE LIBERDADE SINDICAL. Caso em que o empregado com vários anos de trabalho na empresa é despedido sem justa causa um mês após tomar posse como membro titular do Conselho Fiscal do sindicato da sua categoria profissional. Despedida flagrantemente discriminatória e que atenta contra as garantias do livre exercício da atividade sindical, consagradas no direito internacional, na própria Constituição da República e na legislação infraconstitucional. Não bastassem as peculiaridades do caso concreto, é imperiosa a lembrança de que antes do advento da Constituição Federal de 1988 sequer era questionado o direito de estabilidade provisória ao membro do Conselho Fiscal dos sindicatos, já que se tratava de inegável cargo eletivo de representação sindical, previsto em lei (CLT, art. 522). É inconcebível, assim, que o legislador constituinte de 1988 tenha alçado a garantia do dirigente sindical ao patamar dos direitos fundamentais e, em verdadeiro retrocesso, prevaleça na jurisprudência interpretação restritiva que sequer existia à época em que a garantia estava prevista só na legislação ordinária. De qualquer modo, consoante se infere da interpretação sistemática dos art. 8º, VIII, da CF e 522 e 543, §§ 3º e 4º, da CLT e da própria finalidade do direito assegurado, o cargo de membro do Conselho Fiscal é considerado de representação sindical e está abarcado pela garantia provisória no emprego, revestindo-se de extrema importância o controle quanto à utilização dos recursos econômicos de que dispõe o sindicato. Recurso do reclamante ao qual se dá provimento para determinar a sua reintegração no emprego, garantindo-se os direitos trabalhistas relativos ao período compreendido desde a despedida até a efetiva reintegração.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Gramado, sendo recorrente JOÃO SCHMITT e recorrido HOTEL LAJE DE PEDRA S.A..
Inconformado com a sentença das fls. 86-87, prolatada pela Juíza do Trabalho Iris Lima de Moraes, o reclamante interpõe recurso ordinário, fls. 89-92. Busca a reforma daquela quanto ao não reconhecimento da estabilidade provisória e ao indeferimento da reintegração no emprego e dos direitos decorrentes.
Com contrarrazões tempestivas às fls. 95-99 (Lei 11.419/06, art. 10, §§ 1º e 2º), os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
ISSO POSTO:
Garantia provisória no emprego. Membro do Conselho Fiscal
O reclamante não se conforma com o julgamento de improcedência da demanda, na qual busca o reconhecimento da estabilidade provisória no emprego em decorrência da ocupação do cargo de membro do Conselho Fiscal do sindicato da sua categoria profissional. Expende o recorrente argumentos relativos à expressividade da categoria e da abrangência territorial do sindicato e à importância do Conselho Fiscal, invocando, ainda, a observância do princípio da razoabilidade e possível afronta ao princípio de liberdade sindical, consagrado no art. 8º da Constituição Federal, ou mesmo à Convenção 98 da OIT, art. 1º, a qual visa a assegurar a proteção contra atos de não discriminação.
A julgadora de origem indeferiu as pretensões ao fundamento de que o direito previsto nos art. 543, § 3º, da CLT e 8º, inciso VIII, da Constituição Federal somente é assegurado ao ocupante de cargo de direção ou de representação, não se estendendo ao membro do Conselho Fiscal, cuja atuação está limitada à fiscalização financeira, em conformidade com a OJ 365 da SDI-I do TST.
Examina-se.
Vê-se dos autos que o reclamante integrou a chapa eleita nas eleições sindicais do dia 04.05.2009, tendo a sua empregadora sido devidamente intimada do registro da candidatura, fl. 15, bem como do resultado das eleições, fl. 20, dando conta de que o reclamante havia tomado posse como membro efetivo do Conselho Fiscal da entidade. A comunicação foi recebida pela reclamada no dia 05.05.2009. Exatamente um mês depois, no dia 06.06.2009, fl. 61, o reclamante, não obstante fosse empregado da empresa desde 01.07.1993, foi despedido sem justa causa e sem qualquer outro motivo aparente, quer de ordem técnica, econômica ou disciplinar.
Há presunção de que a despedida foi discriminatória, decorrente única e exclusivamente da eleição e posse para cumprimento do mandato sindical, atitude da empregadora que atenta contra a liberdade sindical, direito humano fundamental reconhecido internacionalmente.
Apenas para resgate da história deste direito fundamental, registra-se que já na época do final da primeira grande guerra, por ocasião da Conferência de Paz de 1919, a embrionária Conferência Internacional do Trabalho da recém instalada OIT pelo Tratado de Versalhes, já havia relacionado os princípios fundamentais do Direto do Trabalho, entre eles o de associação, reafirmando o princípio de liberdade sindical e o de sindicalização. Estes princípios fundamentais foram reiterados quando, em 1944, a Conferência da OIT, reunida na cidade de Filadélfia, nos Estados Unidos da América, aprovou a “Declaração da Filadélfia”, referente aos fins e objetivos da OIT, estabelecendo que a liberdade de expressão e, frise-se, a liberdade de associação, a de sindicalização, são condições indispensáveis para o progresso da humanidade. KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Das Práticas Anti-sindicais às Práticas Anti-representativas. Editora LTr, São Paulo, setembro de 2005, p. 120. No ano seguinte, os países vitoriosos constituíram a Organização das Nações Unidas (ONU), cuja Assembléia Geral, reunida em Paris, adotou, a 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento considerado como fonte de máxima hierarquia no mundo do Direito SUSSEKIND, Arnaldo. In Direito Sindical Brasileiro, Estudos em homenagem a Arion Sayão Romita – coordenação de Ney Prado. Artigo “Os Direitos Sindicais nos Tratados Internacionais”. Editora LTr, São Paulo, 1998, p. 77., e que consagrou, entre os direitos humanos fundamentais, aquele de sindicalização. No Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, o previsto na alínea 2, in fine, do artigo 22, garantia o direito de livre associação até mesmo aos integrantes dos órgãos encarregados da repressão, como membros das forças armadas e da polícia. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. Editora Saraiva, VI Edição, 2008, p. 319.
Vem de longa data, portanto, a preocupação dos organismos internacionais com o direito à liberdade sindical, do qual deriva todas as demais garantias inerentes à atividade sindical.
MARCOS KAUFMANN leciona que:
é natural que se conceba a liberdade sindical como o fim último e primodial, ou, ainda, como o bem jurídico maior que vincula toda a normatização da atividade sindical, que é aquela em que mais facilmente se processam as expressões da vontade coletiva, respaldada que é pelo art. 5º, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI; bem como pelo paradoxal art. 8º, e incisos, da Constituição Federal, que, em tempos supostamente democráticos, resguarda o principio da unicidade sindical imposto em épocas sombrias outras, autoritárias. KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Ob. cit., p. 117.
A liberdade sindical, assim, engloba duas conotações distintas e interligadas: (1) a liberdade individual de formar e aderir a um sindicato e (2) a liberdade de ação do sindicato. LOBO, Eugenio Haddock. e LEITE, Julio César do Prado. Comentários à Constituição Federal. Coordenação de BOMFIM, B. Calheiros. Edições Trabalhistas, Rio de Janeiro-RJ, 1989, p. 258. É evidente que a liberdade de ação do sindicato pressupõe que seus dirigentes possuam garantia contra a despedida arbitrária e discriminatória, tal como aquela que atingiu o ora recorrente, pois, do contrário, o máximo que haverá será um arremedo de liberdade sindical.
As Convenções 98 e 135 da Organização Internacional do Trabalho, ambas em vigor no Brasil, por sua vez, estabelecem o direito ao exercício da liberdade sindical, quer de filiação, quer do exercício de atividades sindicais, protegendo-o contra quaisquer atos discriminatórios. Dispõe o art. 1º da Convenção 98:
Artigo 1º
1. Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego.
2. Essa proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem:
a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato;
b) causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato ou por sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho.
Já a Convenção 135, no seu art. 1º, dispõe:
Os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento, e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores, sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando.
No caso dos presentes autos, não constitui dúvida sequer razoável de que o reclamante foi dispensado unicamente em razão da participação no sindicato ou em atividades sindicais, evidenciando o caráter discriminatório da sua despedida, atentando contra o exercício da liberdade sindical como direito humano fundamental.
Além das normas de direito internacional já citadas, que integram o ordenamento jurídico nacional, também a legislação pátria dá respaldo à pretensão do reclamante, conforme artigos 8º, VIII, da CF e 543, § 3º, da CLT, os quais assim prescrevem:
CF, art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…) VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. (sublinha-se)
(…)
CLT, art. 543, § 3º Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação. (sublinha-se)
Os art. 522, caput, e 543, § 4º, da CLT, de seu lado, terminam por conferir contornos precisos à garantia:
Art. 522. A administração do sindicato será exercida por uma diretoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três membros e de um conselho fiscal composto de três membros, eleitos esses órgãos pela assembléia geral. (sublinha-se)
(…)
Art. 543, § 4º Considera-se cargo de direção ou de representação sindical aquele cujo exercício ou indicação decorre de eleição prevista em lei. (sublinha-se)
Como se infere a partir de uma interpretação sistemática dessas normas, parece evidente que o cargo de membro do Conselho Fiscal é considerado, sim, de representação sindical, estando o seu exercício atrelado à eleição prevista na própria CLT. Essa conclusão também se extrai da finalidade para a qual foi criada a garantia provisória no emprego do art. 543, § 3º, da CLT, posteriormente erigida à condição de direito fundamental constitucionalmente assegurado (CF, art. 8º, VIII): a proteção do emprego daquele trabalhador que se entrega à defesa dos interesses da sua classe profissional, evitando que forças patronais contrárias a esse objetivo utilizem a despedida imotivada como instrumento de refreamento de possíveis melhorias das condições de trabalho.
O membro do Conselho Fiscal, ainda que este tenha a sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato (CLT, art. 522, § 2º), insere-se nesse contexto de representatividade, porquanto no seu ambiente de trabalho é reconhecido, entre os colegas, como dirigente sindical, tendo participação decisiva na vida da entidade, pois é quem fiscaliza e controla a utilização de todos os recursos econômicos da entidade e que advêm do bolso dos próprios trabalhadores.
Por essas razões, aliás, não se partilha do entendimento firmado na OJ 365 da SDI-1 do TST, no qual se promove hermenêutica contrária à própria história da garantia assegurada ao dirigente sindical no Brasil, como também ao rol de garantias internacionalmente concebidas para assegurar o livre exercício da atividade sindical.
A propósito, não bastasse as peculiaridades do caso concreto, é imperiosa a lembrança de que antes do advento da Constituição Federal de 1988 sequer era questionado o direito de estabilidade provisória ao membro do Conselho Fiscal dos sindicatos, já que se tratava de inegável cargo eletivo de representação sindical, previsto em lei (CLT, art. 522). É inconcebível, assim, que o legislador constituinte de 1988 tenha alçado a garantia do dirigente sindical ao patamar dos direitos fundamentais e, em verdadeiro retrocesso, prevaleça na jurisprudência interpretação restritiva que sequer existia à época em que a garantia estava prevista só na legislação ordinária.
A prevalecer o entendimento constante da OJ 365 da SDI-I do TST, pergunta-se, então, qual trabalhador terá a necessária coragem de integrar uma chapa para concorrer ao Conselho Fiscal dos sindicatos, sabendo-se que ainda é comum, no Brasil, atitudes de discriminação ao trabalhador que participa de atividades sindicais? Como ficam as eleições e a entidade sindical que tiver os membros titulares e suplentes do Conselho Fiscal despedidos arbitrariamente?
Por fim, no caso, cumpre reconhecer que a administração eleita do sindicato, conforme comunicados, editais e ata das fls. 15-21 (cinco membros da Diretoria e três membros do Conselho Fiscal, além dos respectivos suplentes) observou o limite estabelecido no art. 522 da CLT.
Entende-se, assim, que a despedida do reclamante em 05.06.2009, é nula, assistindo razão ao empregado ao buscar a sua reintegração no emprego e o direito aos salários e às demais vantagens do período.
Diante desse quadro, dá-se provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada a reintegrá-lo no emprego e a pagar indenização compreendendo os salários do período que foi desde a despedida até a efetiva reintegração, como se trabalhando estivesse, computando-se o tempo de serviço para todos os fins legais, assim como a recolher o FGTS incidente sobre essas parcelas. O cômputo do tempo de serviço e as parcelas salariais deferidas já compreendem o direito às gratificações natalinas e férias. Evitando-se o enriquecimento sem causa por parte do empregado, é autorizada, unicamente, a dedução dos valores pagos pela reclamada a título de aviso-prévio, férias com um terço e gratificação natalina (inclusive média de remuneração variável), conforme termo de resilição contratual da fl. 74, comprovante de depósito da fl. 78 e ata de audiência da fl. 79, além da indenização compensatória de 40% do FGTS.
Não há incidência previdenciárias e fiscais, uma vez que o montante devido ao reclamante será pago a título indenizatório.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: Por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário do reclamante para condenar a reclamada a reintegrá-lo no emprego, a pagar indenização compreendendo os salários da despedida até a efetiva reintegração, como se trabalhando estivesse, computando-se o período de afastamento como de tempo de serviço para todos os fins legais, assim como a recolher o FGTS incidente sobre essas parcelas, autorizando-se a dedução dos valores pagos a título de aviso-prévio, de férias com um terço, de gratificação natalina e de indenização compensatória do FGTS. Os valores devidos serão apurados em liquidação de sentença com acréscimo de juros de mora e de correção monetária na forma legal. Custas de R$ 300,00 (trezentos reais), calculadas sobre o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), ora arbitrado à condenação, pela reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 15 de abril de 2010 (quinta-feira).
JUIZ CONVOCADO WILSON CARVALHO DIAS
Relator