Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
ACÓRDÃO
0000486-03.2010.5.04.0000 MS Fl. 1
EMENTA:
MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DA CIPA E DO CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. Não há ilegalidade a ser escoimada pela ação mandamental no ato que, em antecipação dos efeitos da tutela de mérito, determina a reintegração da empregada despedida no curso da estabilidade decorrente de sua eleição como representante dos empregados em comissão interna de prevenção de acidentes do trabalho e como membro do Conselho Fiscal de sua entidade sindical. Inexistência de direito líquido e certo do empregador converter o período de estabilidade em indenização correspondente.
VISTOS e relatados estes autos de MANDADO DE SEGURANÇA, em que é impetrante ENGENHARIA DE TELECOMUNICAÇÕES E ELETRICIDADE S.A., impetrado ATO DO JUIZ-TITULAR DA 13ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE e litisconsorte márcia maria silva dos santos.
ENGENHARIA DE TELECOMUNICAÇÕES E ELETRICIDADE S.A. impetra mandado de segurança contra ato que, nos autos do processo 0131900-22.2009.5.04.0013, em antecipação de tutela, determinou a reintegração da litisconsorte no emprego. Afirma a impetrante, em síntese, que ao ser despedida a litisconsorte não se encontrava no exercício do mandato junto à CIPA, encerrado em 08.01.09, e, sim, no período de estabilidade provisória, tendo sido indenizada pelo período remanescente. E quanto à estabilidade sindical, argumenta que o SINTRATEL/RS, para a qual a litisconsorte foi eleita como Presidente do Conselho Fiscal não representa a categoria profissional dos empregados da reclamada, que são representados pelo SINTTEL/RS, considerando sua atividade preponderante na área de engenharia de telecomunicações e eletricidade e não na de equipamento de telecomunicações e serviços de telemarketing. Defende, assim, que deve ser considerada nula a candidatura, a eleição e a posse. Diz que os membros do conselho fiscal não gozam de estabilidade, consoante artigo 522 da CLT e OJ n. 365 do TST. Aponta uma série de irregularidades em relação à entidade sindical para a qual foi eleita a litisconsorte, no processo eleitoral que culminou com a eleição desta, e na documentação que comunica à impetrante o registro de sua candidatura (ausência de CNPJ, de registro no Ministério do Trabalho, de endereço, de livro de atas, e de registro da ata de eleição da litisconsorte na Delegacia Regional do Trabalho, além da não observância do quórum necessário para a eleição). Pretende ver cassado o ato que determinou a reintegração da litisconsorte até a decisão final a ser proferida na reclamatória trabalhista. Atribui à causa o valor de R$ 5.000,00. Junta documentos.
O pedido liminar foi indeferido (fls. 358-9).
O litisconsorte manifesta-se às fls. 367-81.
A autoridade presta esclarecimentos à fl. 431.
O Ministério Público do Trabalho, em parecer às fls. 435-7, opina pela concessão da segurança.
É o relatório.
ISTO POSTO:
PRELIMINARMENTE.
CABIMENTO DA AÇÃO MANDAMENTAL.
Em sua manifestação, às fls. 367-381, a litisconsorte afirma não ser cabível a ação mandamental porque trata de matéria que demanda dilação probatória, especialmente prova oral, quanto ao desempenho ou não de funções cuja representatividade incumbe ao SINTRATEL/RS.
Rejeita-se a arguição.
A presente ação mandamental ataca antecipação de tutela concedida antes da sentença. Logo, aplica-se à espécie o entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 414, I, do TST, verbis: “MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OU LIMINAR) CO N CEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA. II – No caso de a tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.”
De outra parte, a existência ou não de prova a amparar o alegado direito líquido e certo impõe um juízo de mérito da ação mandamental e não sua extinção na forma proposta pela litisconsorte.
MÉRITO.
MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DA CIPA E DO CONSELHO FISCAL DE SINDICATO.
Pelas razões já acima relatadas busca a impetrante escoimar suposta ilegalidade no ato que, nos autos do processo 0131900-22.2009.5.04.0013, em antecipação de tutela, determinou a reintegração da litisconsorte no emprego.
Diversamente do sustentado na petição inicial, não há qualquer ilegalidade ou abusividade no ato que determina a reintegração da litisconsorte no emprego, haja vista que a despedida desta ocorreu quando ainda em curso a estabilidade provisória decorrente de sua eleição para a CIPA, consoante admite a própria impetrante. Não muda tal conclusão o fato de ter a despedida ocorrido no período de estabilidade que sobejava ao término do mandato e tê-lo indenizado à litisconsorte. O inciso II da alínea a do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veda a despedida arbitrária ou sem justa causa até um ano após o término do mandado. De resto, o caput do referido dispositivo remete expressamente ao disposto no artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal que assegura, não a indenização pelo período e, sim, a própria relação de emprego e, por conseguinte toda a gama de direitos que lhe são inerentes.
A relação jurídica de emprego não obriga as partes apenas ao cumprimento de seus deveres principais de prestar trabalho (o empregado) e pagar salário (o empregador). Há toda uma gama de obrigações e direitos acessórios que deve ser igualmente observada.
Assim é que, mais do que apenas uma obrigação de prestar trabalho, o empregado tem o direito a trabalhar. A propósito, o artigo 1º, IV, da Constituição Federal inclui o valor social do trabalho como fundamento da República, e o artigo 6º, também da Constituição, eleva o trabalho ao nível de direito social. Não poderia ser diferente, considerando sua importância na formação da personalidade.
Logo, ao vedar a despedida do empregado eleito para comissão interna de prevenção de acidentes (artigo 10, II,a do ADCT), assegurando a relação de emprego (artigo 7ª, I, da CF), a Constituição Federal garante, igualmente, o direito deste a prestar trabalho. Conclui-se, pois, que a impetrante não detém o direito líquido e certo de converter tal período em indenização ainda que a praxe trabalhista a admita (observadas as peculiaridades de cada caso).
Soma-se a isso o fato demonstrado pelos documentos das fls. 382-407 de que a litisconsorte foi eleita novamente, em 11.01.2010, como representante titular dos empregados na CIPA, representação que teria sido inviabilizada acaso admitida a mera conversão do período estabilitário que remanescia, na oportunidade, pela indenização correspondente.
Melhor sorte não assiste à impetrante no que diz respeito à reintegração da litisconsorte decorrente de sua condição de dirigente sindical.
Refoge aos estreitos limites da ação mandamental, registra-se inicialmente, a análise das circunstâncias que culminaram na eleição da litisconsorte como Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing e Rádio Chamada. Assim, não socorre a impetrante as supostas irregularidades na existência da entidade sindical e no processo eleitoral. De qualquer sorte, quanto à alegada ausência de registro da Entidade Sindical, considerando os termos do artigo 8º, inciso I, da Constituição Federal, que veda a interferência do Estado na organização sindical, tal registro se presta exclusivamente para fins de controle da unicidade sindical, não sendo ele o marco a conferir personalidade jurídica aos sindicatos.
Tampouco há espaço para discussão acerca do que sejam as atividades preponderantes da impetrante e consequente conclusão acerca de a quem incumbe representar os interesses dos integrantes da categoria profissional dos seus empregados.
Os documentos das fls. 48-9 e 62 demonstram que o mandato da litisconsorte como Presidente do Conselho Fiscal finda apenas em 21 de junho de 2013.
Não há, pois, qualquer ilegalidade no ato que conclui ser ela detentora da estabilidade prevista no artigo 543, 3º, da CLT. Isso porque a antecipação da tutela exige tão somente um juízo de verossimilhança do direito e não a certeza absoluta do direito. Logo, não constitui óbice ao reconhecimento do direito à estabilidade sindical a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca de o artigo 522 da CLT, alcançar ou não os integrantes do conselho fiscal.
A ser considerado, ainda, que não haverá prejuízos à impetrante, que nesse ínterim seguirá dispondo da força de trabalho da empregada, em retribuição aos salários que contraprestará.
Em contraposição, haverá prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação não apenas para a empregada, em decorrência da supressão dos salários, fonte presumível de sua subsistência, mas, igualmente, para os integrantes da categoria profissional que, à espera de uma cognição exauriente, verão se esvair o mandato que a ela outorgaram.
Em reforço, a jurisprudência desta Seção Especializada sintetizada nas ementas que ora se transcreve:
“MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO DE EMPREGADOS TITULARES DO CONSELHO FISCAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTES. Viola direito líquido e certo dos impetrantes o não-acolhimento do pedido de tutela antecipada de reintegração no emprego quando demonstrada a condição incontroversa de conselheiros fiscais titulares do sindicato. Segurança concedida.” (Processo n. 0069600-34.2007.5.04.0000 MS, 1º Seção de Dissídios Individuais, Rel. Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse. Ac. publ. em 22.8.2007)
“MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. DIRIGENTE SINDICAL. MEMBRO DO CONSELHO FISCAL. Verificadas a existência de prova inequívoca do direito e a verossimilhança da alegação, consistentes na demonstração do exercício de mandato de dirigente sindical, como membro do conselho fiscal (nos termos dos arts. 543 da CLT e 8º, VIII, da Constituição Federal, observados os limites previstos no art. 522 da CLT), somadas, ou a fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou a abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273), é cabível a antecipação dos efeitos da tutela, sempre que não haja perigo de irreversibilidade do provimento. Segurança concedida.” (Processo n. 0087000-90.2009.5.04.0000 MS, 1º Seção de Dissídios Individuais, Rel. Desembargador Milton Varela Dutra. Ac. publ. em 07.7.2009)
“MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO DE MEMBRO SUPLENTE DO CONSELHO FISCAL . É abusiva e ilegal a ruptura contratual operada em plena vigência do mandato sindical, ainda que outorgue ao trabalhador poderes de representação como suplente de conselho fiscal. Mesmo como membro suplente, o empregado eleito para o Conselho Fiscal do sindicato, tem direito à garantia no emprego, nos termos do artigo 543, parágrafo 3º, da CLT, visto que faz parte da administração da entidade sindical, como dispõe o artigo 522, caput, da CLT, tratando-se de órgão imprescindível ao funcionamento desta. De outra parte, é viável a determinação de reintegração imediata do reclamante, pois, nos termos da lei, permite-se a antecipação dos efeitos da tutela quando o juiz se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como no parágrafo 3º do artigo 461 do CPC. Imperativo considerar que o possível dano irreparável ou de difícil reparação atinge o impetrante, visto necessitar do emprego para sua subsistência. Segurança concedida.” (Processo n. 0050900-39.2009.5.04.0000 MS, 1º Seção de Dissídios Individuais, Rel. Desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa. Ac. publ. em 30.6.2009)
Denega-se, pois, a segurança.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade de votos, rejeitar a arguição de não cabimento da ação mandamental, formulada na manifestação da litisconsorte. No mérito, por unanimidade de votos, denegar a segurança. Custas de R$ 100,00 (cem reais), calculadas sobre o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) atribuído à causa, pela impetrante.
Intimem-se.
Porto Alegre, 16 de abril de 2010 (sexta-feira).
DES.ª MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA
RELATORA
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO