Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO |
PROCESSO nº 0011126-90.2017.5.03.0083 (RO)
RECORRENTE: DÉBORA NEVES DE OLIVEIRA PASSOS
RECORRIDO: SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MONTALVÂNIA
RELATORA: DESEMBARGADORA DENISE ALVES HORTA
EMENTA: SINDICATO – ASSEMBLEIA GERAL DESTINADA À ELEIÇÃO DE COMISSÃO ELEITORAL – INOBSERVÂNCIA DO QUORUM PREVISTO NO ESTATUTO DO SINDICATO – NULIDADE RECONHECIDA. O art. 8º, I, da CR/88 assegura a liberdade e autonomia sindicais e impede que o Poder Público interfira na organização e no funcionamento dos Sindicatos. Por outro lado, compete ao Judiciário garantir o cumprimento das normas constitucionais, legais e estatutárias, inclusive aquelas pertinentes às eleições sindicais, que devem ater-se, dentre outras normas, ao devido processo legal (art. 5º, LV, da CR/88), com supedâneo no art. 5º, XXXV, da CR/88. No caso, verificado o descumprimento do quorum previsto no Estatuto do Sindicato Réu, na Assembleia Geral realizada com a finalidade de escolha da Comissão Eleitoral, impõe-se o reconhecimento da nulidade do ato, bem como daqueles que o sucederam.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário, oriundos da Vara do Trabalho de Januária/MG, em que figuram, como Recorrente, DéBORA NEVES DE OLIVEIRA PASSOS, e, como Recorrido, SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MONTALVÂNIA.
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso Ordinário interposto pela Reclamante (f. 261/268) contra a sentença de f. 237/242, exarada pelo Exmo. Juiz Neurisvan Alves Lacerda, em exercício na Vara do Trabalho de Januária/MG, que julgou improcedentes os pedidos articulados na inicial.
Contrarrazões, do Réu, f. 271/274.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE – ARGUIÇÃO EM CONTRARRAZÕES
Em que pesem as alegações do Reclamado, em contrarrazões, não vislumbro a possibilidade de não conhecimento do apelo aviado pela Autora, sendo inaplicável, à espécie, o previsto no art. 932 do NCPC.
A apreciação e julgamento das matérias devolvidas a esta instância revisora envolve a reanálise do acervo probatório, o que afasta a incidência do dispositivo legal em comento.
Rejeito.
Assim, satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso Ordinário da Reclamante.
JUÍZO DE MÉRITO
NULIDADE DA ASSEMBLEIA GERAL REALIZADA PARA ESCOLHA DA COMISSÃO ELEITORAL DO SINDICATO RÉU E DOS ATOS POSTERIORES
Trata-se de ação ajuizada por Débora Neves de Oliveira Passos em face do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Montalvânia, buscando a anulação da assembleia geral realizada em 06/09/2017, com a finalidade de eleger a Comissão Eleitoral Sindical.
Sustenta que a deliberação ocorreu de forma irregular, pois não foi cumprida a formalidade do quorum mínimo de associados presentes e com direito a voto, conforme preceitua o Estatuto da entidade sindical.
O Réu, na defesa, afirmou que o Secretário do Sindicato é marido da Autora e, para se beneficiar de sua própria torpeza, colheu assinatura no ato da assembleia geral realizada em 06/09/2017, apenas dos presentes que estavam quites com as mensalidades sindicais, o que levou ao não preenchimento do quorum estatutário.
Asseverou que o Sindicato tem, aproximadamente, 8.200 associados, dos quais 1950 pagam mensalidade por meio de desconto em folha, e, cerca de 208, pagam diretamente ao Sindicato (f. 132).
Pois bem.
O art. 8º, I, da CR/88 assegura a liberdade e autonomia sindicais e impede que o Poder Público interfira na organização e no funcionamento dos Sindicatos.
Por outro lado, não se olvida de que cabe ao Poder Judiciário garantir o cumprimento das normas constitucionais, legais e estatutárias, sempre que proposta ação por trabalhador da categoria profissional questionando a regularidade de determinado procedimento adotado pelo ente sindical, consoante inteligência do art. 5º, XXXV, da CR/88.
Tal constatação decorre da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, da sua aplicação às relações envolvendo particulares, pelo que se autoriza, ao Judiciário, apreciar se os processos administrativos internos do ente sindical observaram, por exemplo, o devido processo legal (art. 5º, LV, da CR/88), isto é, se o procedimento transcorreu em observância às normas constitucionais, legais e estatutárias, sem que isso implique ingerência desmedida e violação ao princípio da autonomia e liberdade sindicais.
No caso, o art. 13 do Estatuto do Sindical, f. 20, dispõe ser condição indispensável para que o associado ter direito a voto estar em dia com o pagamento das contribuições social e sindical, o que é suficiente para afastar a alegação do Réu de que o procedimento adotado pelo Secretário, marido da Autora, na assembleia geral realizada em 06/09/2017, foi equivocado, pois, ao colher apenas a assinatura dos presentes que estavam quites com as mensalidades, agiu em total observância às normas estatuárias.
No que diz respeito ao quorum exigido para realização das assembleias gerais, o art. 28 do Estatuto do Sindicato é expresso em fixá-lo da seguinte forma:
“Art. 28. A realização das Assembleias Gerais em primeira convocação importara na presença mínima de 50% (cinquenta por cento) e mais 01 (um) dos associados quites e com direito a voto.
Parágrafo Primeiro. Não se realizando em primeira convocação, a Assembleia será levada a efeito 02 (duas) horas após, no mesmo local, em e última segunda convocação, com presença de 20% (vinte por cento) daqueles associados. (…)”(f. 28).
O Edital de convocação para a assembleia geral de 06/09/2017, conforme cópia de f. 37, também prevê o mesmo quorum estatutário.
Examinando a ata da assembleia geral de 06/09/2017 e a respectiva lista de presença, f. 38/41, verifico que estavam presentes, naquela deliberação, apenas 30 associados com direito a voto, número muito inferior ao quorum exigido pelo Estatuto do Sindicato, sobretudo se considerada a informação prestada pelo próprio Réu, na defesa, de que possui 2.158 associados com direito a voto (filiados que estão em dia com o pagamento das contribuições sindicais).
Houve, pois, nítida violação de norma estatutária no caso, pois a assembleia destinada à eleição da comissão eleitoral realizou-se sem a observância do quorum mínimo, ressaindo, pois, nula de pleno direito.
As eleições sindicais, mesmo aquelas destinadas à escolha da Comissão Eleitoral, devem reger-se pelo direito de ampla participação de todos os empregados filiados e com direito a voto, de modo que deve haver ampla e efetiva publicidade do processo eleitoral, bem como a efetiva observância das normas estatuárias, sobretudo as relativas ao quorum, com vistas a se atingir a transparência administrativa.
Somente com a ampla observância dos procedimentos relacionados às eleições sindicais é que se pode garantir a sua validade, o que não ocorreu na hipótese. Veja-se que, considerando-se um universo de 2.158 filiados com direito a voto, apenas 30 participaram do processo de eleição da Comissão Eleitoral, demonstrando que não houve participação do mínimo de filiados exigido pelo Estatuto, qual seja, 50% e mais 1 dos associados quites e com direito a voto, em primeira convocação, e, em segunda convocação, 20% daqueles associados.
Não cabe perquirir, na presente demanda, sobre a razoabilidade do quorum fixado no Estatuto sindical, pois a questão sequer foi suscitada nos autos, ou seja, não há pedido de declaração de nulidade da cláusula estatutária que versa sobre o tema.
Com efeito, data vênia do entendimento adotado na origem, deixar de aplicar a norma estatutária, por entendê-la desarrazoada ou desproporcional, é permitir que Judiciário imiscua-se em questões internas do Sindicato, violando a autonomia de que trata o art. 8º, I, da CR/88.
Consigne-se, por oportuno, que o art. 532 da CLT, citado na sentença, sequer foi recepcionada pela Constituição Federal, exatamente porque viola o disposto no seu art. 8º, I.
Consigne-se que o Estatuto foi criado e aprovado pelos membros da entidade sindical, competindo a esta Especializada, tão-somente, garantir que suas normas sejam observadas.
Assim, na hipótese, não havendo, sequer, controvérsia real acerca da inobservância do quorum estatutário, não há como afastar a nulidade da assembleia geral realizada em 06/09/2017 e dos atos que a ela se sucederam, relativos à eleição dos dirigentes sindicais ocorrida em 30/12/2017.
Pelo exposto, dou provimento ao apelo, para declarar nula a assembleia geral realizada em 06/09/2017 e, por decorrência lógica, declarar nulos todos os atos subsequentes, relacionados ao processo eleitoral do Sindicato Réu, inclusive a eleição da diretoria realizada em 30/12/2017.
Inverto os ônus da sucumbência e condeno o Réu ao pagamento das custas processuais de R$20,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa, de R$1.000,00.
Com relação aos honorários advocatícios, esclareço que seriam devidos, na hipótese, pela mera sucumbência, com fundamento no art. 5º da Instrução Normativa n. 27 do TST, in verbis: “Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.”, ainda que não aplicada a novel legislação trabalhista.
Contudo, faz-se necessário esclarecer que a presente ação foi ajuizada em 11/12/2017, quando já se encontrava em vigor a Lei n. 13.467/17, que trouxe o que se denominou de Reforma Trabalhista, de modo que este novo regramento já se aplica ao caso.
A Lei em comento trouxe significativas modificações em matéria de Direito Processual do Trabalho, sendo uma delas a previsão, contida no novel art. 791-A da CLT, de que os honorários advocatícios decorrem meramente da sucumbência.
Diante desse contexto, tendo em conta a sucumbência do Réu, no presente feito, deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, os quais foram fixados, na sentença, em um salário mínimo, com supedâneo no art. 791-A da CLT c/c art. 85, § 8º, do NCPC.
ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua Quarta Turma, na Sessão de Julgamento, Ordinária, realizada no dia 16 de maio de 2018, por unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento do Recurso Ordinário da Reclamante, suscitada em contrarrazões, e conheceu do apelo; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento, para declarar nula a assembleia geral realizada em 06/09/2017 e, por decorrência lógica, declarar nulos todos os atos subsequentes, relacionados ao processo eleitoral do Sindicato Réu, inclusive a eleição da diretoria realizada em 30/12/2017. Inverteu os ônus da sucumbência e condenou o Réu ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em um salário mínimo, nos termos do art. 791-A da CLT c/c art. 85, § 8º, do NCPC, bem como das custas processuais de R$20,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa, de R$1.000,00.
Belo Horizonte, 16 de maio de 2018.
DENISE ALVES HORTA
Desembargadora Relatora
Tomaram parte neste julgamento os Exmos.: Desembargadora Denise Alves Horta (Presidente e Relatora), Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta (substituindo o Exmo. Desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho) e Juiz Convocado Antônio Carlos Rodrigues Filho (substituindo a Exma. Desembargadora Paula Oliveira Cantelli).
Representante do Ministério Público do Trabalho presente à sessão: Dra. Maria Christina Dutra Fernandez.
Composição da Turma em conformidade com o Regimento Interno deste Regional e demais Portarias específicas.
Juízes Convocados: art. 118, § 1º, inciso V da LOMAN.
Válbia Maris Pimenta Pereira
Secretária da Sessão
DAH/fdc