Inteiro Teor
JLLC
Nº 70078361805 (Nº CNJ: 0201392-54.2018.8.21.7000)
2018/Cível
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. MODIFICAÇÃO DO CONTRATO PELA ESTIPULANTE. NÃO CUMPRIMENTO DO QUÓRUM PREVISTO EM LEI. RESPONSABILIDADE PERANTE O GRUPO SEGURADO.
Da lei processual aplicável ao presente feito
1. No caso em exame a decisão recorrida foi publicada após 17/03/2016. Assim, em se tratando de norma processual, há a incidência da legislação atual, na forma do art. 1.046 do Código de Processo Civil de 2015.
Da legitimidade passiva da estipulante
2. A estipulante é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, tendo em vista que se trata de ação de indenização pelos danos materiais provocados pela alteração contratual promovida por aquela, e não o pagamento do capital segurado decorrente de contrato de seguro.
Mérito do recurso em exame
3. A estipulante do contrato de seguro define, juntamente com a seguradora, as cláusulas que irão reger o pacto, sendo responsável pela administração e integral cumprimento do contrato. Inteligência do art. 801, § 1º, do Código Civil.
4. Por outro lado, o art. 801, § 2º, da legislação precitada determina que nos seguros de pessoas em grupo, o estipulante só poderá modificar a apólice contratada se houver anuência expressa de 3/4 do grupo segurado. No mesmo sentido é o Enunciado 375 do CEJ e o art. 4º, inciso II, da Resolução CNSP 107/2004. Regulação aplicável no seguro de vida em grupo contributário, ou seja, aquele em que a parte segurada contribui para o pagamento do prêmio.
5. No caso em exame, tratando-se de seguro de vida contributário, bem como não comprovado que a estipulante realizou a alteração contratual segundo o quórum definido em lei, ônus que lhe cabia e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil, deve ser responsabilizada pelas modificações levadas a efeito.
6. Desse modo, é jurídica e perfeitamente possível a pretensão deduzida contra a estipulante, que deverá suportar o valor do capital segurado se demonstrada a existência de cobertura para o evento danoso descrito na inicial.
7. No caso em tela, os elementos de prova colacionados ao presente feito levam à conclusão da ocorrência de invalidez total e permanente por doença, em especial pela análise da perícia realizada na Justiça do Trabalho. Indenização devida de acordo com o valor correspondente ao capital segurado.
8. Correção monetária. Termo inicial. 01/04/2015. Matéria de ordem pública, podendo ser fixada independentemente do pedido e do objeto do recurso. Precedentes do STJ.
Dos honorários recursais
9. Honorários recursais devidos a parte que obteve êxito neste grau de jurisdição, independente de pedido a esse respeito, devido ao trabalho adicional nesta instância, de acordo com os limites fixados em lei. Inteligência do art. 85 e seus parágrafos do novel Código de Processo Civil.
Negado provimento ao apelo e, de ofício, alterado o termo inicial da correção monetária.
Apelação Cível
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Quinta Câmara Cível |
Nº 70078361805 (Nº CNJ: 0201392-54.2018.8.21.7000)
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Comarca de Marau |
BRF S.A.
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APELANTE |
GECIMINA KRANZ LORENZATO
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APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo e, de ofício, alterar o termo inicial da correção monetária.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Jorge André Pereira Gailhard (Presidente) e Des.ª Lusmary Fatima Turelly da Silva.
Porto Alegre, 29 de agosto de 2018.
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO,
Relator.
I- RELATÓRIO
Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (RELATOR)
BRF S/A interpôs recurso de apelação contra a decisão que julgou procedente o pedido formulado nos autos da ação de indenização por dano material movida por GECIMINA KRANZ LORENZATO.
Na decisão atacada (fls. 313/316) a demandada foi condenada ao pagamento de R$ 41.429,77 (quarenta e um mil quatrocentos e vinte e nove reais e setenta e sete centavos), corrigido monetariamente pelo IGP-M desde a contratação e acrescido de juros de mora a contar da citação.
Em suas razões recursais às fls. 319/328 dos autos, a demandada alegou a preliminar de ilegitimidade passiva.
No mérito, sustentou a ausência de prova da invalidez total e permanente por doença. Asseverou a ocorrência de enfermidade parcial. Aduziu a inexistência de cobertura para o evento descrito na inicial.
Postulou o provimento do recurso, com a reforma da decisão de primeiro grau.
A apelada apresentou contrarrazões às fls. 391/395 do presente feito.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 931 e 934 do novel Código de Processo Civil.
É o relatório.
II- VOTOS
Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (RELATOR)
Admissibilidade e objeto do recurso
Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de primeiro grau, versando a causa sobre a indenização pelos danos materiais decorrentes da alteração contratual realizada pela estipulante.
Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, é tempestivo e foi devidamente preparado (fl. 330), inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.
Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.
Ademais, a decisão recorrida foi publicada após 17/03/2016. Assim, em se tratando de norma processual, há a incidência da legislação atual, na forma do art. 1.046 do Código de Processo Civil de 2015.
Da legitimidade passiva da estipulante
Preambularmente, conforme reiteradamente decidido pelo Colegiado desta Câmara, a estipulante não tem legitimidade passiva para o pagamento do capital segurado decorrente de contrato de seguro, como se pode observar dos arestos a seguir transcritos:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO RESIDENCIAL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA COOPERATIVA ESTIPULANTE. 1. A Cooperativa estipulante não tem legitimidade passiva para a demanda, porquanto atuou tão somente na condição de intermediária entre o autor e a empresa seguradora, não devendo responder em lide que versa sobre pagamento de indenização securitária. Manutenção da sentença. 2. Honorários recursais. Fixação, na forma do art. 85, § 11, do CPC. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077581023, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 26/06/2018).
AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO PRESTAMISTA. ESTIPULANTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INVALIDEZ PERMANENTE. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DAS COBERTURAS CONTRATADAS. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. I. Preliminar suscitada na apelação do réu Banco do Brasil S.A. Ilegitimidade passiva. No caso concreto, deve ser reconhecida ilegitimidade do estipulante para responder pelo pagamento da indenização securitária. Acontece que a instituição financeira, atuou como intermediário entre o segurado e a seguradora. II. Inaplicabilidade da Teoria da Aparência, pois constou expressamente na proposta de seguro acostada pelo próprio autor na inicial a Companhia de Seguros Aliança do Brasil como seguradora. Ainda, na própria petição inicial o autor relata que o Banco do Brasil figurou como estipulante do seguro. Precedentes do STJ e do 3º Grupo Cível desta Corte. Preliminar acolhida. II. De acordo com o art. 757, caput, do Código Civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Desta forma, os riscos assumidos pelo segurador são exclusivamente os assinalados na apólice, dentro dos limites por ela fixados, não se admitindo a interpretação extensiva, nem analógica. III. De outro lado, o contrato de seguro está submetido as regras do Código de Defesa do Consumidor, devendo incidir o art. 47, o qual determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Da mesma forma, conforme o art. 51, V, do CDC, é nula a cláusula que estabelece obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. Ademais, o artigo 6º, III, do CDC, assegura ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. IV. Assim, é devida indenização securitária por invalidez, tendo em vista que não há qualquer informação da cobertura contratada na proposta de seguros assinada pelo demandante. Aliás, a seguradora não logrou êxito em demonstrar que o segurado foi previamente informado sobre a cobertura apenas para invalidez permanente total, em atenção ao dever de informação preconizado no mencionado art. 6º, III, do CDC. V. Além disso, por se tratar de cláusula limitativa de direitos inserta em contrato de adesão, deveria ser redigida em destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, na forma do art. 54, § 4º, do CDC, o que não ocorreu. VI. O montante indenizatório deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir do evento danoso, uma vez que emitido certificado individual, e acrescido dos juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação. Inteligência da Súmula 38, deste Tribunal. VII. Por sua vez, falta interesse recursal à seguradora quando pretende que o pagamento da indenização ocorra primeiramente à instituição financeira, o que foi determinado na sentença. Apelo da seguradora não conhecido, no ponto. VIII. Redimensionamento da sucumbência, considerando a extinção do processo, em relação à instituição financeira. IX. De acordo com o art. 85, § 11, do CPC, ao julgar recurso, o Tribunal deve majorar os honorários fixados anteriormente ao advogado vencedor, observados os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA NA APELAÇÃO DO RÉU BANCO DO BRASIL ACOLHIDA. APELAÇÃO DA RÉ COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70076336577, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 08/06/2018)
No que diz respeito à matéria em exame, é oportuno trazer à baila o acórdão do STJ a seguir transcrito:
COMPETENCIA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PREQUESTIONAMENTO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. ESTIPULANTE. AÇÃO DE COBRANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
1. O TEMA DA INCOMPETENCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAR O APELO DEVERIA TER SIDO SUBMETIDO A CÂMARA, PARA FICAR CARACTERIZADO O PREQUESTIONAMENTO. MATERIA DE COMPETENCIA REGULADA PELA LEI ESTADUAL.
2. A ESTIPULANTE E PARTE PASSIVA ILEGITIMA NA AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRECEDENTES.
RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 121.011/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 05.08.1997, DJ 22.09.1997 p. 46483)
No entanto, o caso em exame trata-se da responsabilidade da estipulante pelas alterações contratuais levadas a efeito, que resultaram na ausência de cobertura para o evento danoso descrito na inicial, qual seja, invalidez por doença.
A respeito da ilegitimidade passiva, é oportuno trazer à baila a lição dos insignes juristas WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI , a qual se transcreve a seguir:
Autor e réu devem ser parte legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor.
Para que se compreenda a legitimidade das partes, é preciso estabelecer-se um vínculo entre o autor da ação, a pretensão trazida a juízo e o réu. Terá de ser examinada a situação conflituosa apresentada pelo autor. Em princípio, estará cumprido o requisito da legitimidade das partes, na medida em que aqueles que figuram nos pólos opostos do conflito apresentado pelo autor correspondam aos que figuram no processo na posição de autor (es) e réus (s). Note-se que, para aferição da legitimidade, não importa saber se procede ou não a pretensão do autor; não importa saber se é verdadeira ou não a descrição do conflito por ele apresentada. Isso constituirá o próprio julgamento de mérito. A aferição da legitimidade processual antecede logicamente o julgamento do mérito.
Assim, como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima, para figurar no pólo passivo, aquele a quem caiba a observância do dever correlato àquele hipotético direito. (grifei)
Dessa forma, como na presente demanda a parte autora busca a responsabilização da estipulante pelos danos materiais ocasionados pela alteração contratual, e não o pagamento do capital segurado, este é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda.
Mérito do recurso em exame
É fato incontroverso da lide, na forma do art. 374, inciso III, do novo Código de Processo Civil, a contratação de seguro para os funcionários da estipulante, bem como a posterior alteração contratual, com modificação das coberturas contratadas.
Note-se que a estipulante do contrato de seguro define, juntamente com a seguradora, as cláusulas que irão reger o pacto, sendo responsável pela administração e integral cumprimento do contrato, não representado o segurador perante o grupo segurado, nos termos do art. 801, § 1º, do Código Civil.
Por outro lado, o art. 801, § 2º, do Código Civil determina que nos seguros de pessoas em grupo, o estipulante só poderá modificar a apólice contratada se houver anuência expressa de 3/4 do grupo segurado, in vebis:
Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§ 2o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.
Ademais, segundo o disposto no Enunciado 375 do CEJ, no seguro em grupo de pessoas, exige-se o quórum qualificado de 3/4 do grupo, previsto no § 2º do art. 801 do Código Civil, apenas quando as modificações impuserem novos ônus aos participantes ou restringirem seus direitos na apólice em vigor.
No mesmo sentido é o art. 4º, inciso II, da Resolução CNSP 107/2004:
Art. 4º. É expressamente vedado ao estipulante e ao sub-estipulante, nos seguros contributários:
II – rescindir o contrato sem anuência prévia e expressa de um número de segurados que represente, no mínimo, três quartos do grupo segurado;
Dessa forma, em se tratando de seguro de vida em grupo contributário, como se pode observar à fls. 172 dos autos, ou seja, aquele em que a parte segurada contribui para o pagamento do prêmio, a sua alteração só poderia ser levada a efeito pelo estipulante com a anuência de 3/4 do grupo segurado.
Desse modo, é jurídica e perfeitamente possível a pretensão deduzida na inicial contra a estipulante, no que diz respeito a responsabilidade desta pela ausência do dever de informar a alteração do contrato de seguro, bem como por não comprovar que a deliberação modificativa teve o quórum definido em lei, ônus que lhe cabia e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 373, inciso II, do novo Código de Processo Civil.
Com relação ao evento danoso, a perícia realizada na Justiça do Trabalho concluiu que a invalidez da parte autora é parcial e permanente, no montante de 37,5%, mas a incapacitando para a atividade que desenvolvia na estipulante, estando “inapta para os trabalhos que exijam esforços, sobrecargas estáticas ou dinâmicas, flexo-extensões ou elevações expressivas, bem como uso sistematizado das articulações de ambos os ombros e punhos” (fl. 301).
Frise-se que o sistema da persuasão racional constitui um dos fundamentos do direito processual civil. Cabe tão-somente ao Julgador, analisando o conjunto probatório colacionado nos autos, valorar os elementos de convicção trazidos pelas partes.
Acerca do valor probante da prova pericial, é oportuno trazer à baila os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior , conforme segue:
O perito é apenas um auxiliar da Justiça e não um substituto do juiz na apreciação do evento probando. “Deve apenas apurar a existência de fatos cuja certificação dependa de conhecimento técnico.” Seu parecer não é uma sentença, mas apenas fonte de informação para o juiz, que não fica adstrito ao laudo e pode formar sua convicção de modo contrário a base de outros elementos ou fatos provados no processo (art. 436).
E, realmente, deve ser assim, pois do contrário, o laudo pericial deixaria de ser simples meio de prova para assumir o feitio de decisão arbitral e o perito se colocaria numa posição superior à do próprio juiz, tornando dispensável até mesmo o pronunciamento jurisdicional.
Assim, “o parecer do perito é meramente opinativo e vale pela força dos argumentos em que repousa”.
Assim, no caso em tela, cumpre destacar que a situação da parte autora posta em exame é de incapacidade total e definitiva por doença, condição esta que foi implementada e é suficiente para percepção da indenização, ainda mais considerando a impossibilidade de realização da atividade que sempre desempenho, qual seja, “trabalho braçal”.
Portanto, os elementos probatórios juntados aos autos induzem à conclusão de que o caso da parte autora é de invalidez permanente total, situação esta que autoriza a percepção integral da indenização postulada na inicial.
No que concerne ao termo inicial da correção monetária, releva ponderar que a manutenção do poder aquisitivo da verba indenizatória, consubstanciada na atualização do débito, corolário legal este da própria decisão condenatória, pois se trata de matéria de ordem pública, podendo ser fixado de ofício, independentemente do pedido e do objeto do recurso.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp 1112524/DF a seguir transcrito, que ressaltou as lições dos ilustres juristas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DO AUTOR DA DEMANDA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. TRIBUTÁRIO. ARTIGO 3º, DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO. JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP 1.002.932/SP).
1. A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial (Precedentes do STJ: AgRg no REsp 895.102/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 23.10.2009; REsp 1.023.763/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 09.06.2009, DJe 23.06.2009; AgRg no REsp 841.942/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 16.06.2008; AgRg no Ag 958.978/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 06.05.2008, DJe 16.06.2008; EDcl no REsp 1.004.556/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 05.05.2009, DJe 15.05.2009; AgRg no Ag 1.089.985/BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19.03.2009, DJe 13.04.2009; AgRg na MC 14.046/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24.06.2008, DJe 05.08.2008; REsp 724.602/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.08.2007, DJ 31.08.2007; REsp 726.903/CE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 10.04.2007, DJ 25.04.2007; e AgRg no REsp 729.068/RS, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 02.08.2005, DJ 05.09.2005).
2. É que: “A regra da congruência (ou correlação) entre pedido e sentença (CPC, 128 e 460)é decorrência do princípio dispositivo. Quando o juiz tiver de decidir independentemente de pedido da parte ou interessado, o que ocorre, por exemplo, com as matérias de ordem pública, não incide a regra da congruência. Isso quer significar que não haverá julgamento extra, infra ou ultra petita quando o juiz ou tribunal pronunciar-se de ofício sobre referidas matérias de ordem pública. Alguns exemplos de matérias de ordem pública: a) substanciais: cláusulas contratuais abusivas (CDC, 1º e 51); cláusulas gerais (CC 2035 par. ún) da função social do contrato (CC 421), da função social da propriedade (CF art. 5º XXIII e 170 III e CC 1228, § 1º), da função social da empresa (CF 170; CC 421 e 981) e da boa-fé objetiva (CC 422); simulação de ato ou negócio jurídico (CC 166, VII e 167); b) processuais: condições da ação e pressupostos processuais (CPC 3º, 267, IV e V; 267, § 3º; 301, X; 30, § 4º); incompetência absoluta (CPC 113, § 2º); impedimento do juiz (CPC 134 e 136); preliminares alegáveis na contestação (CPC 301 e § 4º); pedido implícito de juros legais (CPC 293), juros de mora (CPC 219) e de correção monetária (L 6899/81; TRF-4ª 53); juízo de admissibilidade dos recursos (CPC 518, § 1º (…)” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 10ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 669).
3. A correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita.
(…)
(REsp 1112524/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/09/2010, DJe 30/09/2010).
Sobre o assunto, são os ensinamentos do ilustre jurista José de Aguiar Dias , ao asseverar que:
A fórmula de atualização mais indicada, portanto, é a correção monetária, que é uma compensação à desvalorização da moeda. Constitui elemento integrante da condenação, desde que, no intervalo entre a data em que ocorre o débito e aquela em que é satisfeito, tenha ocorrido desvalorização. Se o devedor tem que pagar 100 reais e os 100 reais que ele ficou a dever não são mais, 100 reais, mas 100 reais menos a desvalorização sofrida pela moeda, é evidente que só se exonerará do débito e o credor só receberá o que lhe é devida, se o valor real, desencontrado do valor nominal, for reintegrado, mediante o acréscimo da diferença verificada.
Ainda, é oportuno trazer à baila as lições de Arnoldo Wald quanto à atualização monetária, transcritas a seguir:
Cabe agora verificar de que forma se deverá calcular a correção monetária da indenização, de forma a assegurar que o valor real do dano seja o mais rigorosamente preservado. Trata-se de um imperativo de ordem ética e jurídica, de forma a se obter a integral reparação do dano sem privilegiar ou punir qualquer das partes envolvidas.
Como já dissemos acima, a correção monetária da condenação não pode servir de benefício ao devedor, mas tampouco pode constituir em prêmio ao credor. Ela deve ser aplicada de forma a preservar e manter a essência da indenização, ajustando os números à realidade inflacionária e, consequentemente, mantendo o poder aquisitivo do dinheiro desvalorizado.
(…)
Sendo assim, sempre que houver depreciação monetária entre o momento da fixação do montante pecuniário da indenização e o instante do pagamento, a expressão nominal do dinheiro deve ser reajustada para que continue a traduzir o valor intrínseco do dano a reparar.
Portando, no caso em exame, como não foi colacionado ao presente feito o valor indenizatório devido na data do evento danoso, o montante condenatório deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde 01/04/2015, data de início de vigência do certificado individual que serviu de base para a condenação (fl. 15).
Dos honorários recursais
No que diz respeito aos honorários recursais, cumpre destacar que o artigo 85, § 11, do novel Código de Processo Civil estabelece que, independentemente da existência de pedido das partes, o Colegiado desta Corte de Justiça arbitrará honorários advocatícios pelo trabalho adicional prestado pelo causídico neste grau de jurisdição, sendo vedado ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento, in verbis:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(…)
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2o a 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos os §§ 2o e 3o para a fase de conhecimento.
Sobre o tema em análise é oportuno trazer à baila a lição do culto jurista Daniel Amorim Assumpção Neves , que a seguir se transcreve:
Entendo que a previsão legal faz com que a readequação do valor dos honorários advocatícios passe a fazer parte da profundidade do efeito devolutivo dos recursos, de forma que, mesmo não havendo qualquer pedido das partes quanto a essa matéria, o tribunal poderá analisá-la para readequar os honorários conforme o trabalho desempenhado em grau recursal.
Desta forma, a parte recorrente deve arcar com pagamento de honorários recursais ao advogado da parte vencedora, os quais vão fixados em 5% sobre valor estabelecido na sentença, tendo em vista o trabalho realizado neste grau de jurisdição, que deverão ser acrescidos ao percentual de 10% já fixado na sentença.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo e, de ofício, alterar o termo inicial da correção monetária para 01/04/2015, mantendo a sentença de primeiro grau nos demais provimentos emanados daquela e razões de decidir.
A parte recorrente deverá arcar com honorários recursais de 5% sobre o valor estabelecido na sentença, em atenção ao disposto no artigo 85, § 11 do novel Código de Processo Civil, o qual deverá ser acrescida à verba honorária fixada em primeiro grau.
Des. Jorge André Pereira Gailhard (PRESIDENTE) – De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Lusmary Fatima Turelly da Silva – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD – Presidente – Apelação Cível nº 70078361805, Comarca de Marau: ““NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E, DE OFÍCIO, ALTERARAM O TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. UNÂNIME.””
Julgador (a) de 1º Grau: MARCEL ANDREATA DE MIRANDA
� |WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo, Curso avançado de processo civil, vol. 1, 9ª ed., São Paulo: RT, p.138/139.
� |THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 540
� |DIAS, José de Aguiar, Da Responsabilidade Civil, XIª ed., revis., atual e amp., de acordo com ódigo Civil de 2002 por Rui Berford dias SP, RJ, PE: Renovar, 2006 p. 988.
� |WALD, Arnoldo. Correção monetária de condenação judicial em ação de responsabilidade civil. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v 104, n. 26, p. 133-149, out.- dez 2001.
� |NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Rio e Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 88.
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