Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA. ACIDENTE EM PÁTIO INTERNO DE CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO EM OBRAS. FATO DO SERVIÇO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO RESPALDA A PRETENSÃO DA AUTORA. AUSENTE INDICATIVO DE NEGLIGÊNCIA DA CONSTRUTORA OU DO CONDOMÍNIO NO ARMAZENAMENTO OU ACONDICIONAMENTO DE MATERIAIS EM DETERMINADO LOCAL DE USO COMUM OU LIAME CAUSAL ENTRE O ACIDENTE NO PÁTIO E AS LESÕES MAIS EXPRESSIVAS DE OMBRO INDICADAS PELA AUTORA.
– Embora se possa reconhecer a tutela do microssistema do CDC entre a moradora e construtora, forte no art. 17 daquele diploma, e a partir daí de que o ônus da prova acerca da adequação do serviço seja da empreiteira, a consumidora não está isenta de demonstrar minimamente o dano e o nexo de causalidade, não se podendo exigir prova negativa de quem executava serviços do edifício quanto a não ter a moradora machucado seu ombro em virtude da posição que materiais da obra estavam acondicionados em uma área de pátio interno comum.
– Conjunto probatório, dentre os quais documentos médicos que aportaram, perícia judicial, fotos, além da ausência de testemunhas, que não amparam a configuração de uma dinâmica para o acidente que se possa reputar a existência de materiais de obra como causadores de uma queda no pátio interno descoberto do prédio que habitava a autora. Exclusão do dever de indenizar que advém da própria previsão legal do art. 14, § 3º do CDC. Sentença mantida.
APELO DESPROVIDO.
Apelação Cível
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Nona Câmara Cível |
Nº 70077756567 (Nº CNJ: 0140868-91.2018.8.21.7000)
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Comarca de Porto Alegre |
INA CABRAL ARAUJO
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APELANTE |
ARGO SEGUROS BRASIL S.A.
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APELADO |
CONDOMÍNIO EDIFICIO ANTONIO PROVENZANO NETTO
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APELADO |
SOMPO SEGUROS S.A.
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APELADO |
EDIFIER CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA
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APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover a apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Tasso Caubi Soares Delabary (Presidente) e Des. Eugênio Facchini Neto.
Porto Alegre, 12 de julho de 2018.
DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por INÁ CABRAL ARAÚJO contra a sentença das fls. 457/460v que, nos autos da ação indenizatória que moveu contra CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ANTÔNIO PROVENZANO NETTO, SOMPO SEGUROS S/A E ÉDIFIER CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA., concluiu pela improcedência do pedido, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.300,00 ao procurador de cada parte, suspensa a exigibilidade tendo em vista a AJG deferida; bem como igualmente improcedente a denunciação da lide deduzida por uma das corrés à ARGO SEGUROS BRASIL S/A.
Em suas razões, fls. 463/473, em suma, argumenta que é incontroversa a ocorrência do acidente nas circunstâncias narradas na inicial e existe cobertura de sinistros no condomínio, restando o dever de indenizar. Aduz que o conjunto probatório aponta a expressão dos danos causados, sendo notório que muitas lesões se manifestam dias após o episódio, não se prestando o lapso cronológico de atendimento para afastar essa circunstância, pois não houve autolesão, muito menos a idosa teria se chocado voluntariamente contra os materiais da obra do prédio, mal acondicionados em área de seu uso exclusivo. Frisa que se está diante de fato do serviço por danos causados ao consumidor, tal como estabelece o art. 14 do CDC, devendo as rés ser responsabilizadas objetivamente pela negligência no armazenamento de materiais e pela falta de zelo e alerta quanto aos riscos a que estavam expostos os moradores do prédio em reformas. Salienta que o transtorno, desconforto, dor física, desconsideração, ultrapassam a esfera do mero aborrecimento, configurando o dano moral, tanto pelo caráter compensatório quando pedagógico do instituto. Assim, requer o provimento do recurso, com a reforma integral da sentença nos termos da exordial e respectiva inversão dos ônus de sucumbência.
Foram apresentadas contrarrazões pela litisdenunciada às fls. 475/492; pelo Condomínio réu às fls. 493/505; e pela seguradora corré às fls. 506/513; não tendo a construtora Edifier apresentado resposta (certidão fl. 515).
Vieram-me os autos conclusos e aptos a julgamento em 18/05/2018.
É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)
Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos seus requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.
Analisando com atenção todo o conjunto probatório, tenho que é caso de manutenção da sentença de lavra da e. Dra. Maria Thereza Barbieri – fls. 457/460v.
Agrego, no entanto, algumas considerações acerca do ônus da prova e aplicabilidade do CDC.
É que no polo passivo estão: o Condomínio onde reside a autora; a seguradora que o condomínio na época contratava; e a construtora que realizou obras de dimensão estrutural expressiva para a reforma no telhado e forro desse antigo prédio do centro de Porto Alegre, na rua Pinto Bandeira (Ed. Antônio Provenzano Neto) – fls. 44/50.
Com efeito, inexiste relação de caráter consumerista entre condômina e condomínio e tampouco vínculo jurídico-contratual entre a autora e a Sompo (Yasuda Marítima); porém, com relação à construtora Édifier, embora a contratante não seja a própria recorrente, na qualidade de moradora do endereço em reformas e alegando ter sofrido danos em virtude de defeito de segurança do serviço (art. 14, CDC) prestado por esta empresa, pode ser considerada como consumidora em equiparação (”bystander”), na dicção do art. 17 do mesmo diploma: “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
Contudo, embora o ônus da prova acerca da adequação do serviço seja da empreiteira, a consumidora não está isenta de demonstrar minimamente o dano e o nexo de causalidade, não se podendo exigir prova negativa de quem executava serviços do edifício quanto a não ter a moradora machucado seu ombro em virtude da posição que materiais da obra estavam acondicionados em uma área de pátio interno comum.
Veja-se que embora as rés não coloquem em dúvida que tenha havido algum acidente – e efetivamente não há motivo para se pôr em dúvida a palavra da Sra. Iná – o ponto em discussão é se o acidente no pátio interno foi causado por impacto em material disposto de maneira inadequada e se foi capaz de causar os danos indicados na exordial, ou seja, se há liame causal entre o episódio e lesões capazes de geral dano moral e/ou material (embora estes últimos sequer tenham sido objeto de argumentação no apelo).
Pois bem. Chamo atenção em primeiro lugar que a autora afirma que o acidente ocorreu em 11/06/2013, contudo, na época não notificou formalmente o condomínio, não mandou alguma carta ou e-mail para a administração condominial ou para a síndica, ou para algum preposto da empresa que realizava as obras, ou para a seguradora, muito menos tirou alguma foto de suas lesões que incluiriam rosto, ombro e braço, e muito menos tirou foto do local e dos ditos materiais que seriam utilizados na reforma do telhado e que diz não poderem estar onde estavam.
Ora, o ajuizamento da ação ocorreu cerca de 08 meses depois do fato, de modo que se tornara impossível às demandadas, quando citadas, demonstrar que material era esse e qual era a sua disposição no pátio interno, pois evidente que a obra, longa e com várias etapas, já tinha tido andamento e o cenário se modificado.
O que se tem nos autos são fotos posteriores (fls. 148/170) dessa área onde ocorreu o tropeço da autora, não tendo ficado claro em quê – pois nestes registros o pátio está vazio, desobstruído, não há materiais de obra ou caliças.
Mas é possível vislumbrar que, ao contrário do indicado pela autora, não se trata de pátio interno de uso exclusivo, e sim de área aberta interna, nos fundos de um corredor de apartamentos, que serve à várias unidades daquele pavimento, com plantas, varal, etc. Ademais, havia sido divulgado na época que a reforma do telhado temporariamente causaria transtornos em áreas de terraço, como exemplo o aviso da fl. 96. E, tendo a autora inclusive desistido expressamente da ouvida de testemunhas (fl. 454), não há como avaliar se o acidente – que não foi presenciado por ninguém – tenha existido em virtude da posição dos materiais ou se por culpa e descuido exclusivos da autora.
Reitero: não se está negando que a autora se acidentou dentro do prédio, mas não há elementos que permitam saber se o acidente foi por negligência de algum dos réus ou se houve uma queda por descuido ou condição exclusivos da demandante; assim como também não há elementos que permitam vincular que desse acidente tenham surgido as lesões de ombro direito descritas.
A perícia médica trazida nas fls. 425/435 foi realizada em dez/2016, examinando a recorrente mais de três anos e meio depois do fato e, de qualquer modo, não é conclusiva. Indica que a periciada tem quadro clínico compatível com sua idade (71 anos no dia do acidente e 74 no exame) e que embora as lesões reclamadas no ombro sejam compatíveis com um trauma, há exames complementares que mostraram lesões degenerativas articulares preexistentes ao episódio, “sendo o trauma em questão provável concausa de agravamento de lesões prévias” (destaquei).
Logo, não há um indicativo seguro que correlacione a queda com o rompimento de tendão. Na situação particular, há todo um contexto que coloca em mais atenta dúvida esse liame causal porque – como indiquei inicialmente, a moradora não noticiou esse sinistro para nenhum interessado, realizou o boletim de ocorrência policial 29 dias após o fato (fl. 27); e os dados de atendimento médico de emergência que procurou são de 24/06/2013, duas semanas depois do fato, e nenhum dos documentos clínicos das fls. 29 a 39 diagnostica a lesão de ombro como decorrente de uma queda em 11/06/2013.
Em verdade, até pelo contrário, pois o documento de referência com indicativo de recomendação à cirurgia, elaborado pelo atendimento público de saúde em data mais próxima ao fato refere CID M66.5 (fl. 38/38v), o que seria uma ruptura não-traumática. Os únicos documentos médicos que se reportam a uma natureza traumática (fl. 248 e 275, já são do ano seguinte, mas o da fl. 362, daí de aproximadamente dois anos após o fato, volta a indicar CID que não relaciona os problemas em ombro direito com a queda, diagnosticando o CID M 75.1 – síndrome do manguito rotador – que não necessariamente tem origem em um trauma agudo. Veja-se :
M66.5 Ruptura espontânea de tendões não especificados
Ruptura na junção músculo-tendínea, não-traumática
M75.1 Síndrome do manguito rotador
Laceração ou ruptura do manguito rotator ou supra-espinhosa (completa) (incompleta) não especificada como traumática
Síndrome supra-espinhosa
Portanto, tenho que a prova produzida não se presta a corroborar um nexo de causalidade ou de agravamento entre danos relacionados à perda/redução de funcionalidade ou capacidade laborativa da idosa e algum tipo de acidente ocorrido em 11/06/2013. Muito menos ficou evidenciado que havia materiais mal acondicionados no local do tropeço, não se podendo atribuir a responsabilidade pela queda à ação de prepostos da construtora ou do condomínio, pois o evento pode ter ocorrido por mera distração ou desequilíbrio a que qualquer pessoa está sujeita, independentemente de sua idade, sem que isso esteja relacionado à negligência ou imprudência de outrem e sim por infortúnio exclusivo que às vezes nos atinge – o que arreda o dever de indenizar conforme previsão legal positivada no próprio CDC (art. 14, § 3º).
Assim, entendo ser caso de desacolhimento do recurso e manutenção da sentença.
Por fim, sabe-se que, no sistema de persuasão racional adotado no processo civil brasileiro, o juiz não está obrigado a se manifestar sobre todas as alegações e disposições normativas invocadas pelas partes, bastando menção às regras e fundamentos jurídicos que levaram à decisão de uma ou outra forma. Assim, dou por devidamente prequestionados todos os dispositivos constitucionais, legais e infralegais suscitados pelas partes no curso do processo, a fim de evitar a oposição de aclaratórios com intuito prequestionador.
Registro, por entender oportuno, que será considerada manifestamente protelatória eventual oposição de embargos declaratórios com propósito exclusivo de prequestionamento ou com notória intenção de rediscussão da decisão da Câmara, na forma do artigo 1.026, § 2º, do Novo Código de Processo Civil.
Do exposto, voto por desprover a apelação.
Diante do resultado, majoro os honorários fixados na sentença devidos ao procurador de cada corréu de R$ 1.300,00 para R$ 1.600,00, contudo, mantida a suspensão da exigibilidade porque a autora litiga sob o amparo da AJG.
Des. Tasso Caubi Soares Delabary (PRESIDENTE) – De acordo com o (a) Relator (a).
Des. Eugênio Facchini Neto – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY – Presidente – Apelação Cível nº 70077756567, Comarca de Porto Alegre: “DESPROVERAM A APELAÇÃO. UNÂNIME.”
Julgador (a) de 1º Grau: MARIA THEREZA BARBIERI
� http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm
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