Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL. direito privado não específicado. ELEIÇÃO DOS MEMBROS DO CONSELHO FISCAL E DA DIRETORIA REGENTE. IRREGULARIDADE NA ASSEMBLEIA GERAL. ANULAÇÃO. sentença mantida.
Ocorrida eleição em Assembleia Geral para a escolha dos novos Membros do Conselho Fiscal e da Diretoria Regente, constatou-se irregularidades no ato. Isso porque sócios votaram sem estar com suas mensalidades em dia, o que contraria o disposto no artigo 47, caput, do Estatuto Social do Clube Cruzeiro do Sul, sendo causa de nulidade do sufrágio.
Ademais, conforme os autos, ocorreu fraude nas eleições, sendo constatada a compra de votos. Tal prática é inaceitável, que corrompe todo o processo eleitoral, uma vez que são desrespeitados os princípios da boa-fé objetiva e da lisura, além de ser prática vedada pela Lei n.º 9.504/97, que disciplina normas para as eleições, utilizada por analogia ao caso concreto.
Ressalto que vai aplicado o Princípio da Imediatidade das Provas, valorizando o contato direto do juiz com as mesmas.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.
Apelação Cível
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Décima Primeira Câmara Cível – Regime de Exceção |
Nº 70074251414 (Nº CNJ: 0189256-59.2017.8.21.7000)
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Comarca de Santana do Livramento |
CLUBE CRUZEIRO
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APELANTE |
JOEL FERREIRA RODRIGUES E OUTROS
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APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Décima Primeira Câmara Cível – Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Guinther Spode (Presidente) e Des.ª Katia Elenise Oliveira da Silva.
Porto Alegre, 13 de setembro de 2018.
DR. ALEXANDRE KREUTZ,
Relator.
RELATÓRIO
Dr. Alexandre Kreutz (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por CLUBE CRUZEIRO DO SUL contra sentença de fls. 366-370 proferida em ação que lhe move JOEL FERREIRA RODRIGUES E OUTROS, cujo relatório e dispositivo passo a transcrever:
Vistos etc.
JOEL FERREIRA RODRIGUES, VILSON PEREIRA LEITE, ALCIMAR NUNES BELMONTE E GERSON TRINDADE BARBOSA, qualificados nos autos, ajuizaram a presente ação ordinária em face de CLUBE CRUZEIRO DO SUL, também qualificado, aduzindo que, no dia 23/05/2014, foi realizada Assembleia Geral para eleição dos Membros do Conselho fiscal e da Diretoria Regente, nos termos estatutários. Ocorreu que os autores alegam que tomaram conhecimento de que sócios inadimplentes haviam sido procurados e convidados a votar, o que feriu o art. 17, alínea a e demais dispositivos do estatuto da entidade. Fizeram referência as declarações dadas pelos sócios que foram convidados a comparecer na votação mesmo inadimplentes. Informaram as medidas administrativas adotadas. Traçaram considerações acerca das regras estabelecidas no estatuto do clube réu, atentando quanto a necessidade do sócio estar em dia com suas obrigações para participar da assembleia geral. Pugnaram pela antecipação de tutela, para o fim de suspender a posse dos eleitos. Ao final, requereram a requisição de documentos e a procedência da ação, com anulação da assembleia geral realizada. Juntaram documentos (fls. 10/59).
Foi deferido o pleito liminar (fl. 60).
Intimado, o clube réu requereu a revogação da liminar deferida (fls. 64/67). Juntou documentos (fls. 68/195).
A decisão foi mantida (fl. 196).
Às fls. 197/206, o clube demandado contestou o feito, aduzindo que observou os procedimentos previstos no estatuto para a realização do pleito, tendo, inclusive, publicado edital com bastante antecedência. Narrou que a Comissão Eleitoral apresentou no dia 23/05/2014, recebendo, por volta das 8h30min., a lista de sócios aptos a votar, assim como a lista de confirmação de presença na votação. Tratou da forma como foi organizado o pleito. Disse que a votação se encerrou à 17 horas. No escrutínio, verificou-se a vitória da Chapa “1”, sendo os participantes parabenizados, inclusive pelos integrantes da Chapa “2”, pela lisura e transparência na campanha eleitoral e a eleição em si. Frisou que o representante da Chapa “2”, Vilson Pereira Leite, como membro da Comissão Eleitoral, teve acesso a toda documentação e aprovou cada um dos sócios votantes. Destacou que, passados alguns dias, recebeu ofício onde eram requeridos documentos, os quais foram disponibilizados nas dependências do clube. Informou que convidou os sócios que fizeram declaração a prestar esclarecimentos, porém os mesmos compareceram. Sustentaram que os mesmos pagaram seus débitos no dia 22/05/2014, ficando aptos a votar no dia seguinte. Apontou que o sócio André Luis Pereira Trindade retratou-se da declaração feita, bem como declarações feitas pelo Sr. Joel. Arguiu que os demandados litigam de má-fé. Requereu a improcedência da ação. Juntaram documentos (fls. 221).
Houve réplica (fls. 223/228).
Foi realizada audiência de conciliação (fl. 229), porém restou inexitosa.
A decisão de fl. 237 acolheu o pedido de criação de comissão mista, porém restou reformada em sede de agravo de instrumento (fls. 280/285).
Foi realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 318/334 e 342/355).
O clube demandado apresentou seus memoriais finais (fls. 356/364).
Os autos vieram conclusos para sentença.
É O RELATÓRIO.
PASSO A DECIDIR. (…)
Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido de JOEL FERREIRA RODRIGUES, VILSON PEREIRA LEITE, ALCIMAR NUNES BELMONTE e GERSON TRINDADE BARBOSA em face de CLUBE CRUZEIRO DO SUL , extinguindo o feito, com resolução de mérito, com base no artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil, a fim de anular a Assembleia Geral para eleição dos Membros do Conselho Fiscal e Diretoria Regente, realizada no dia 23/05/2014, em razão da violação do art. 47, do Estatuto do Clube Cruzeiro do Sul, bem como dos princípios intrísecos do art. 41-A, da Lei das Eleicoes, aplicada ao presente caso por analogia.
Em suas razões (fls. 372-381), alegou que não houve compra de votos, não havendo prova nos autos que demonstre isso. Arguiu que todos os votantes estavam em dia com seus débitos perante o clube. Assim, não ocorreu qualquer irregularidade na realização das votações, pois foi respeitado o estatuto social. Postulou o provimento do apelo.
Intimadas as partes, não apresentaram contrarrazões (fl. 385v)
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Dr. Alexandre Kreutz (RELATOR)
Eminentes Colegas.
Conheço do recurso de apelação, visto que preenche os requisitos de admissibilidade.
Trata-se de ação ordinária com pedido de tutela antecipada em que, conforme a inicial, os demandantes pedem a anulação da Assembleia Geral ocorrida em 23 de maio de 2014, pois, em tese, a eleição dos novos Membros do Conselho Fiscal e da Diretoria Regente teria acontecido com irregularidades.
Ocorre que, conforme os autores, três sócios votaram sem estar em dia com as mensalidades do clube (Leonardo Marques Florino, Ângela Marciria dos Santos da Costa e André Luis Pereira da Trindade), o que os impediria de votar, de acordo com o artigo 17, alínea a, artigo 18, artigo 47 e art. 51, § 1º, todos do Estatuto da entidade.
Pois bem.
Adianto que a parte autora logrou existo em comprovar fato constitutivo de seu direito, forte o artigo 373, inciso I, do CPC/15, desincumbindo-se de seu ônus probatório, pois comprovada a irregularidade nas votações ocorrida em Assembleia Geral.
Vejamos.
Foram juntadas pelos autores três declarações, reconhecidas em cartório, dos três sócios, declarando que foram procurados por um funcionário da Secretaria do Clube, por um membro da Diretoria atual e pelo Diretor de Esportes da Entidade Social, para comparecerem à votação que se realizaria dia 23 de maio de 2014, a fim de que votassem na Chapa 1, ainda que estivessem com suas mensalidades não pagas.
Já a ré juntou a relação dos votantes (fls. 76, 77 e 79); a relação dos sócios que estavam em débito com a tesouraria do clube (fls. 93-108), em que não constava o nome dos sócios que estariam, em tese, inadimplentes; comprovante do fechamento do caixa diário do clube referente ao dia 22.05.2014, em que havia os nomes dos três sócios, demonstrado estarem com suas mensalidades em dia à época da eleição (fls. 110 e 123).
Foi juntado, inclusive, nova declaração de André Luís Pereira da Trindade, em que afirma que “(…) Jamais foi procurado por membro da diretoria para propor compra do voto ou troca de gentilizas (…)” – fl. 195. Alegou, também, que não leu ou prestou atenção no teor do documento que assinou anteriormente.
Ocorre que, em audiência realizada dia 19.11.2015, foram ouvidos os sócios Leonardo Marques Florino (fl. 344-345v), Ângela Maciria Santos da Costa (fls. 346-348v) e André Luís Pereira da Trindade, em que todos afirmam que votaram sem terem pagado suas mensalidades.
Leonardo Marques Florino relatou o seguinte:
(…) Juíza: Seu Leonardo foi juntado no processo uma declaração que está aqui à fl. 48 dos autos, é verdade o que o senhor declarou nesse documento?
Testemunha: Sim.
Juíza: Quem foi essa pessoa do clube que lhe procurou?
Testemunha: Um rapaz moreno, eu trabalhava numa oba do lado do Cruzeiro.
Juíza: O senhor em que setor do clube Cruzeiro ele trabalha?
Testemunha: Apenas ele chegou ali e pediu o nome.
Juíza: O seu nome?
Testemunha: Sim. Ele perguntou quem era sócio e pediu meu nome, aí eu apenas dei meu nome, ele colocou ali, aí depois foi a minha esposa lá pra ver se tava liberado e tava liberado.
Juíza: E o senhor pagou essas prestações de fevereiro, março e abril?
Testemunha: Não.
Juíza: E mesmo assim o senhor conseguiu votar?
Testemunha: Votei.
Juíza: E o senhor verificou com esta a sua situação hoje lá no clube, ou seja, tem algum débito em aberto?
Testemunha: Depois eu segui sócio, essa temporada passada eu participei lá, agora depois que acabou a temporada de verão eu não paguei mais, até agora eu não paguei mais. (…)
(…) Juíza: O senhor não sabe quem lhe procurou, mas alguém lhe procurou?
Testemunha: Sim.
Juíza: O senhor foi votar?
Testemunha: Sim.
Juíza: E votou em qual chapa?
Testemunha: Votei na chapa 1 que era a que era pra votar.
Juíza: o senhor viu se esse rapaz procurou alguma outra pessoa ali perto?
Testemunha: Não, apenas ele pegou o meu nome. (…) – Grifei.
A testemunha Ângela Marciria Santos da Costa afirmou:
Juíza: Foi juntada uma declaração da senhora à fl. 51 do processo, A senhora afirma isso que esta escrito nessa declaração?
Testemunha: Sim, declaro e é verdade sim.
Juíza: Quem procurou a senhora?
Testemunha: Foi assim, eu tava na minha casa numa quarta-feira antes da votação, tava lavando roupa 10 horas da manhã, aí chegou minha vizinha e e perguntou se eu ia votar, e eu disse, vou, eu vou passar no cartão, mas amanha ou depois eu vou ali resolver isso aí. Aí ela me disse, não precisa, e eu, como não precisa? E ela, tu não precisa pagar nada, me da teu numero aí. Aí a minha guria só passou por telefone, e me disseram, pode votar que não tem problema nenhum, e eu disse assim pra ela, mas será que se eu chegar lá não vão me barrar, e ela disse, não pode ir. Inclusive eu fui votar com a carteira que não era minha, era da minha pequena, que tinha 10 anos na época, porque a minha eu nem sei onde tava. Aí e cheguei lá e votei, e disse, gurias da pra votar mesmo. Quem pagou eu não sei, simplesmente meu amigo me deu um telefonema sabendo que eu não tinha pago, que eu ia recém pagar, e disse não precisa pagar, tu vota na Situação e tu não precisa pagar , aí ele me intitulou a pessoa dele, Sasa, bem assim. É isso, não paguei e votei.
Juíza: Votastes na chapa 1?
Testemunha: Sim, na chapa da Situação. (…) – Grifei.
André Luís Pereira da Trindade narrou que, em verdade, não pagou as mensalidades, não sabe quem o fez, mas não teve sua mensalidade paga em troca de algum favor. Ainda, afirmou que apenas fez a segunda declaração, desmentindo a primeira, pois já possui processo pelo crime de descaminho, então teve medo que suas declarações o prejudicassem.
Analisando os depoimentos, em especial de Leonardo e Ângela, restou claro que ambos não pagaram suas mensalidades, mas tiveram seus débitos quitados por funcionário ou membro do Clube, em troca de votos em benefício da Chapa 1.
Diante disso, é evidente a fraude ocorrida nessas eleições, uma vez que as testemunhas foram claras ao descrever o ocorrido, não havendo nada nos autos que desacredite suas declarações ou que demonstre o contrário.
Saliento que à convicção formada pelo Magistrado que colheu os depoimentos, em contato direto com a produção da prova oral, deve se dar especial relevo, por força do Princípio da Imediatidade.
Nessa linha:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. PEDIDO DE NULIDADE DE CONTRATO E TÍTULOS CAMBIÁRIOS POR VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE DO JUÍZO. DECISÃO MANTIDA. Aplicável ao caso o princípio da imediatidade da prova, o qual privilegia o juízo de valor formulado pelo Juiz que preside o feito, frente à sua proximidade com as partes e com o processo na origem, o que lhe permite dispor de elementos para formação de sua convicção. Não tendo elementos suficientes para comprovar a alegada má-fé e nulidade contratual, é de ser mantida a exigibilidade dos débitos nos termos da decisão recorrida. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70067646380, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 14/12/2016). Grifei.
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO ANULATÓRIA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA. ÔNUS PROBATÓRIO. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE DA PROVA. Incumbe à parte autora o ônus processual de comprovar os alegados vícios de consentimento. Na hipótese dos autos, o contexto fático não demonstra a ocorrência de erro substancial ou dolo na contratação, razão pela qual improcede a pretensão de anulação do contrato. Aplicável o princípio da imediatidade da prova, o qual privilegia o juízo de valor formulado pelo juiz frente à sua proximidade com as partes e testemunhas na origem, facilitando a formação de sua convicção. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70059212902, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alex Gonzalez Custodio, Julgado em 31/08/2016). Grifei.
Assim, ainda que nos arquivos da administração do Clube conste que os sócios votantes se encontravam com suas mensalidades em dia, estes só apresentavam tal informação em razão da fraude ocorrida no sufrágio.
Dessa forma, é certo que Leonardo Marques Florino e Ângela Marciria Santos da Costa não pagaram suas mensalidades. Sendo assim, houve a irregularidade nas votações, pois se descumpriu o disposto no artigo 47, do Estatuto Social do Clube, que estabelece que “nenhum sócio poderá votar e ser votado, sem estar em dia com os direitos sociais exigidos por este estatuto”, sendo caso de anulação da Assembleia Geral ocorrida no dia 23 de maio de 2014.
Salienta-se que a compra de votos corrompe todo o processo eleitoral, uma vez que são desrespeitados os princípios da boa-fé objetiva e da lisura, sendo aquela entendida como um padrão ético de conduta social exigido das partes, um dever de veracidade e lealdade nas tratativas, e esta, como sendo a idoneidade, honestidade, retidão, garantindo igualdade dos candidatos.
Logo, não é razoável permitir que a Assembleia Geral se mantenha regular, quando comprovada fraude nas votações, ainda que não identificado os autores, sendo, inclusive, tal prática vedada pela Lei n.º 9.504/97, que disciplina normas para as eleições , utilizada por analogia.
POSTO ISSO, voto no sentido de negar provimento ao apelo.
Tendo em vista que o recurso não está sendo provido, é de ser majorada a verba honorária, nos termos do artigo 85, § 11, NCPC, para o valor de R$3.300,00 (três mil e trezentos reais) para os procuradores dos apelados.
Diante da notícia de fraude nas eleições (compra de votos), oficie-se ao Ministério Público para apurar eventual ilícito.
Des. Guinther Spode (PRESIDENTE) – De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Katia Elenise Oliveira da Silva – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. GUINTHER SPODE – Presidente – Apelação Cível nº 70074251414, Comarca de Santana do Livramento: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.”
Julgador (a) de 1º Grau: CARMEN LUCIA SANTOS DA FONTOURA
� Art. 41-A, caput, da Lei 9.504/97. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
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