Inteiro Teor
Nº 70082997735 (Nº CNJ: 0271682-60.2019.8.21.7000)
2019/Cível
apelação cível. desconsideração da personalidade jurídica. INTEGRANTE DO CONSELHO FISCAL. EFETIVIDADE DA ELEIÇÃO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO/GESTÃO. impossibilidade de execução atingir os bens pessoais da parte.
– Caso em que o impugnante apareceu como integrante do Conselho Fiscal em anotação na Junta Comercial. Desconsideração da personalidade jurídica. Execução movida em face das pessoas que integravam o quadro societário. Ausência de demonstração da eleição efetiva, bem como da qualquer atuação do impugnante no âmbito da gestão ou tomada de decisões da empresa.
– Impossibilidade de a execução ser direcionada ao apelado. Acolhimento da impugnação por ilegitimidade passiva. Sentença mantida.
NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.
Apelação Cível
Décima Câmara Cível
Nº 70082997735 (Nº CNJ: 0271682-60.2019.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
ZILA BUENO AFONSO
APELANTE
ALEXANDRE CANTO DE FREITAS
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Marcelo Cezar Müller e Des.ª Thais Coutinho de Oliveira.
Porto Alegre, 04 de março de 2020.
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (RELATOR)
A princípio, adoto o relatório da sentença, in verbis:
1. ALEXANDRE CANTO DE FREITAS apresenta impugnação ante pedido de cumprimento de sentença promovido por ZILÁ BUENO AFONSO nos autos do processo nº 1.05.0180113-1, dizendo que por não ocorrer o pagamento de condenação em demanda indenizatória contra a empresa LIP Laboratório DE Produtos Plasmáticos S/A e outra, foi determinada a citação dos administradores e membros eleitos para o conselho fiscal de 1997, para pagamento da dívida, em face de desconsideração da personalidade jurídica. E nessa condição foi citado.
Alega, entretanto, ilegitimidade passiva, pois jamais teve participação em qualquer das empresas demandadas, fosse como empregado, sócio, administrador ou membro do conselho fiscal. O que diz constatável nos contratos sociais, suas alterações, estatutos sociais e atas de assembleias que estão juntados nos autos principais de fls. 1269 em diante.
Admite que seu nome aparece na ata de eleição do conselho fiscal da executada LIP S/A para o ano de 1997, mas alega que essa não se concretizou e nunca fez parte do referido conselho.
Ainda aquele ato se ressente de nulidade, na medida em que incluiu pessoas inelegíveis, pois constando também seu genitor, esse sim tendo sido empregado das empresas executadas por mais de 20 anos, sendo, portanto, inelegível em virtude da subordinação aos administradores. Ao que tudo indica os controladores da empresa tentavam desvincular a relação trabalhista de seu pai, que era assalariado, com carteira assinada e com vínculo reconhecido em juízo.
O indigitado conselho fiscal foi composto por deliberação unilateral dos controladores, mas sua efetiva instalação dependia da aceitação expressa dos eleitos, da formalidade da posse e do exercício, consoante art. 1.067 do CCB, o que não ocorreu.
E não se preocupou a exequente em demonstrar que teria sido dada posse aos conselheiros, o que afronta o art. 373, I, do CPC. O art. 149 da Lei nº 6.404/1976 por sua vez prevê que a assinatura do termo de posse é condição regular para o exercício do cargo.
Ainda, mesmo que fosse o caso de considerar aceita a nomeação para o conselho fiscal, essa seria viciada por ser contrária aos princípios da efetividade, da funcionalidade e da finalidade, por ser filho de um empregado com mais de vinte anos da empresa.
Pede reconhecimento de sua ilegitimidade passiva e, na eventualidade disso não ocorrer, seja reconhecida ausência de atuação no conselho fiscal e, ainda a título hipotético, pede exclusão de responsabilidade pelo não cometimento de ilícito ou má conduta.
Com a inicial (fls. 02/12) trouxe os documentos de fls. 13/33, 38/227, 230/238 e 243/255.
2. A resposta da impugnada foi inicialmente considerada intempestiva e por isso desentranhada, mas essa decisão foi modificada via embargos declaratórios, quando então juntada novamente aos autos (fls. 291/294).
Rechaça a alegação de ilegitimidade passiva do impugnante, vez que a ata de eleição para o conselho fiscal foi registrada na Junta Comercial, o que dá publicidade e veracidade ao seu conteúdo. E se fosse o caso, deveria o impugnante demonstrar a invalidade da anotação praticada pela Junta Comercial.
Refere que sendo considerada válida a anotação na JC quanto à participação do impugnante no conselho fiscal, a sua responsabilidade tem origem no encerramento irregular das atividades da empresa executada.
Impugna o documento firmado pelo contador Ademar Vicentin, porque sem reconhecimento de firma e comprovação de seria contador da empresa.
Pede pela improcedência da impugnação.
3. O impugnante voltou em réplica a fls. 270/275.
4. No curso da instrução, infrutífera a tentativa conciliatória em audiência (fls. 304), foi colhido o depoimento pessoal do impugnante (fls. 304v/306v).
5. Encerrada a instrução as partes manifestaram-se por memoriais em prol de suas alegações e pleitos (fls. 307/309 e 310/312).
6. Mas depois ainda por determinação de ofício a impugnada trouxe o documento de fls. 317/319.
Sobreveio decisão:
11. ANTE O EXPOSTO, em exame desta impugnação ao pedido de cumprimento de sentença promovido por ZILÁ BUENO AFONSO, julgo-a procedente, acolhendo a arguição de ilegitimidade passiva do impugnante ALEXANDRE CANTO DE FREITAS para responder por dívida das empresas requeridas na ação de conhecimento (processo nº 1.05.0180113-1), assim excluindo-a da lide com fundamento no art. 485267, VI, do CPC.
Em face do resultado, condeno a impugnada no pagamento das custas processuais e dos honorários do patrono da impugnante, fixados em R$ 1.200,00 ante a singeleza da lide. Mas resta suspensa a cobrança da sucumbência pois goza de JG na demanda principal.
Apela a parte requerida. Sustenta a responsabilidade do apelado Alexandre Canto de Freitas, que fazia parte do Conselho Fiscal da empresa, conforme informação extraída da Junta Comercial. Refere que houve, no mínimo, conivência dos integrantes do referido conselho (cogestor) quanto ao encerramento irregular. Vergasta o documento que diz com a ausência de posse do conselho fiscal, pois unilateral e não autenticado. Afirma que a contumaz inadimplência da empresa executada demonstra por si só a falha do Conselho Fiscal, pois é o órgão criado justamente para fiscalizar e adequar tais questões. Por isso entende sejam responsáveis os integrantes de tal órgão, pois deixaram de agir como deveriam.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTOS
Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana (RELATOR)
Colegas.
Preenchidos os requisitos de admissibilidade da apelação, cuja análise foi direcionada exclusivamente ao Tribunal – artigo 1.010, § 3º do CPC/2015 ?, passo ao exame da insurgência.
O recurso não merece ser acolhido.
Na casuística, tem-se que a prova trazida ao caderno processual indica que o recorrido figurou apenas como membro do Conselho Fiscal, em curto espeço temporal e sem confirmação de posse, sem qualquer participação efetiva na sociedade empresária.
A propósito, as alterações de contratos sociais às fls. 169/171 indicam que ALEXANDRE não possuía qualquer poder de decisão, administração ou gestão frente aos atos deliberativos da empresa, não havendo, desta maneira, como responsabilizá-lo a partir da desconsideração da personalidade jurídica efetivada.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica deve ter aplicação sobre os bens dos administradores ou sócios que efetivamente contribuíram na prática do abuso ou da fraude na condução administrativa da sociedade empresarial. Quanto ao sócio minoritário, sem poderes de gerência e inexistindo nos autos demonstração de que tenha ele participado da celebração do negócio, impõe-se o seu afastamento do pólo passivo da execução. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ACOLHERAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E JULGARAM PREJUDICADO O EXAME DO MÉRITO DO RECURSO. UNÂNIME.. (Apelação Cível Nº 70075296814, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 13/12/2017 ? grifos meus.)
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECLUSÃO INEXISTENTE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIA MINORI-TÁRIA SEM CARGO DE GESTÃO. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. EXCLUSÃO. LIBERAÇÃO DA PENHORA. Em relação à alegação de ilegitimidade passiva não se opera a preclusão, uma vez que se trata de matéria de ordem pública, a qual pode ser apreciada em qualquer grau de jurisdição, inclusive, de ofício. Descabe a inclusão de sócio minoritário no polo passivo da execução, em razão da desconsideração da personalidade jurídica, quando não possui cargo de gestão, nem tampouco comprovado que tenha concorrido para a dissolução irregular da empresa executada. Caso concreto em que reconhecida a ilegitimidade passiva da agravante, devendo ser excluída do polo passivo do processo de execução e, por consequência, liberada a penhora sobre o valor bloqueado na conta corrente. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70075125567, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 07/11/2017 ? grifos meus.)
A apelante frisa a publicidade da anotação procedida na Junta Comercial como prova da atuação do apelado em funções de gestão, diante do fato que o Conselho Fiscal seria cogestor da empresa.
Tenho que o argumento não é acompanhado de embasamento probatório, ao passo que existem diversas outras formas de comprovar a atuação tanto do Conselho como dos integrantes do mesmo.
A esta altura, e porque bem analisada a questão, peço vênia para me reportar a excerto dos fundamentos da douta magistrada a quo, conforme consta, verbis:
(…).
7. Trata-se aqui com impugnação feita por ALEXANDRE CANTO DE FREITAS ante a sua inclusão em pedido de cumprimento de sentença, decorrente de demanda onde condenados LIP ? LABORATÓRIO DE PRODUTOS PLASMÁTICOS S/A e HEMOBANCO ? SERVIÇOS HEMOTERÁPICOS LTDA em indenização a ZILÁ AFONSO VIEIRA por fatos ocorridos no início da década de noventa (contaminação do menor, já falecido, com o vírus HIV).
A demanda ingressou em 1995 e teve julgamento definitivo em 2008. E já em fase de cumprimento de sentença, iniciada em 2009, houve a desconsideração da personalidade jurídica das empresas em 2012, consoante decisão em cópia a fls. 189, a partir de pedido formulado pela ora impugnada, consoante peça em cópia que faço juntar com esta decisão, retirada dos autos principais.
E nessa petição o impugnante aparece como sendo eleito para o conselho fiscal da empresa LIP na AGE de 21.09.98. O que se confirma no documento em cópia de fls. 169/171.
8. Procede, entretanto a sua insurgência veiculada através desta impugnação.
9. Ele alega que apesar de seu nome constar na ata da assembleia realizada pela empresa LIP LABORATÓRIO DE PRODUTOS PLASMÁTICOS S/A, como eleito para compor seu Conselho Fiscal, disso só teve conhecimento a partir do pedido de cumprimento de sentença da impugnada.
E efetivamente no exame de toda a documentação que dos autos principais consta, especialmente aquela que se refere às alterações sociais das duas empresas, o nome do impugnante consta apenas na ata de assembleia geral extraordinária realizada no dia 21/09/1998 (aqui a fls. 169/171), onde eleito para o cargo de conselheiro fiscal, mas sem constar sua assinatura.
Ocorre que, como bem salientado na peça inicial, o art. 149 da Lei nº 6.404/1976 trata dos requisitos para a perfectibilização da investidura nos cargos de conselheiros e diretores das sociedades anônimas:
?Art. 149. Os conselheiros e diretores serão investidos nos seus cargos mediante assinatura de termo de posse no livro de atas do conselho de administração ou da diretoria, conforme o caso.
§ 1º Se o termo não for assinado nos 30 (trinta) dias seguintes à nomeação, esta tornar-se-á sem efeito, salvo justificação aceita pelo órgão da administração para o qual tiver sido eleito. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)
§ 2º O termo de posse deverá conter, sob pena de nulidade,a indicação de pelo menos um domicílio no qual o administrador receberá as citações e intimações em processos administrativos e judiciais relativos a atos de sua gestão, as quais reputar-se-ão cumpridas mediante entrega no domicílio indicado, o qual somente poderá ser alterado mediante comunicação por escrito à companhia. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)?
Desse dispositivo legal extrai-se que para a investidura no cargo de conselheiro o aqui impugnante deveria ter assinado o termo de posse, do que não se tem notícia. E isso então desde logo coloca em dúvida ter atuado em tal função junto à empresa LIP.
10. Mais ainda, mesmo que não fosse o caso da dúvida quanto à idoneidade na eleição constante da referida assembleia, para que seja autorizada a responsabilização de membro do conselho fiscal de sociedade anônima tem ele de ter concorrido para a prática de abuso ou fraude na condução da sociedade empresarial. O que também não se encontra nos autos.
Ainda que a desconsideração da personalidade jurídica possa alcançar as sociedades anônimas, o que vem ocorrendo e assim se deu na demanda que motivou esta impugnação, as S/A possuem determinadas características que especializam quanto ao alcance desse proceder.
Assim é que nessas o Conselho Fiscal consiste em um órgão de existência obrigatória, mas de funcionamento facultativo, destinado à fiscalização dos órgãos de administração, atribuição que exerce para a proteção dos interesses da companhia e de todos os acionistas, consoante o disposto no art. 163 da LSA. Esse conselheiro, portanto, não exerce atos de gestão, ainda que acionista, pois esses são atribuição do acionista controlador.
E o abuso do poder de controle é o principal requisito apto a efetivar a responsabilização do acionista em hipótese de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica das sociedades anônimas. É no proceder do acionista controlador que se pode encontrar a motivação para ser desconsiderada a personalidade jurídica de uma S/A.
A aplicação da teoria de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica às sociedades anônimas, portanto, é possível, mas no sentido de atingir a esfera patrimonial do acionista controlador que age com abuso de poder, responsabilizando-o pessoalmente pela prática abusiva.
No caso inexistindo evidências de que ALEXANDRE CANTO DE FREITAS tenha exercido atos de gestão como acionista controlador, em qualquer época, junto à empresa LIP, não há efetivamente fundamento para responsabilizá-lo frente a lide que motivou esta impugnação.
A responsabilização de membro do conselho fiscal somente se justificaria se houvesse comprovação de ter contribuído para a prática de abuso ou fraude na condução da sociedade empresarial, desviando-a de seus fins, o que não aparece neste feito.
(…).
Assim, a sentença não merece reparos.
Isso posto, nego provimento à Apelação.
Por fim, considerando que a sentença foi publicada após a vigência do Código de Processo Civil/2015, e em observância aos parâmetros de orientação estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça no EDcl no AgInt no REsp. n.º 1.573.573, acresço em R$ 300,00 (trezentos reais) sobre o valor da causa os honorários recursais ao patrono do apelado. Suspensa a exigibilidade do pagamento pela apelante em face da gratuidade judiciária deferida na demanda principal.
É como voto.
Des. Marcelo Cezar Müller – De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Thais Coutinho de Oliveira – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA – Presidente – Apelação Cível nº 70082997735, Comarca de Porto Alegre: \NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.\
Julgador (a) de 1º Grau: NARA ELENA SOARES BATISTA
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