Inteiro Teor
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
Comarca da Capital
Décima Sétima Câmara Cível
Apelação Cível n.º 0036779-89.2013.8.19.0002
Apelante 1: HÉLIO LOPES GUERRA FILHO
Apelante 2: JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES FILHO
Apelante 3: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO JARDIM SANTA ROSA
Apelante 4: MARIA ELIZIA ELAINE DE AMORIM E OUTROS
Apelante 5: MARCO ANTÔNIO ALVARENGA GARCIA E IEDA MARIA RIQUE COSME GARCIA (RECURSO ADESIVO)
Apelado: OS MESMOS
Relator: DES. EDSON VASCONCELOS
A C Ó R D Ã O
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CONSIGNATÓRIA C/C ANULATÓRIA DE MULTA C/C INDENIZATÓRIA – MULTA APLICADA POR CONDOMÍNIO – ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – UTILIZAÇÃO DE VAGA DE GARAGEM DE TERCEIRO – REINCIDÊNCIA – ADVERTÊNCIA CONVERTIDA EM MULTA –APLICAÇÃO DEVIDA DA PENALIDADE – Penalidade de multa aplicada em razão de uso indevido de vaga de garagem. Arguição de ilegitimidade passiva ad causam. Presente ação que foi proposta em face do condomínio, da síndica, da subsíndica, dos membros do Conselho Consultivo e do proprietário da vaga de garagem, pleiteando os autores a anulação de multa aplicada e indenização por danos morais. Ilegitimidade passiva do terceiro réu, proprietário da vaga, uma vez que o mesmo não exerce qualquer função administrativa, tampouco é membro do Conselho Consultivo. Legitimidade passiva dos demais réus para figurarem na presente demanda, já que fazem parte da Administração do Condomínio. No mérito, restou comprovado nos autos que os autores foram advertidos pela administração do condomínio por utilizarem vaga de garagem de terceiro. Em razão da reincidência, a advertência foi convertida em multa. A atitude dos demandantes violou o art. 3º da Convenção do Condomínio. Aplicação correta da penalidade. Alegação dos autores de violação ao princípio da isonomia, uma vez que o
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uso de vaga alheia é uma prática regular dos moradores. Princípio da isonomia que não pode ser empregado com a finalidade de transgredir as regras estipuladas pelo condomínio. Provimento dos recursos dos réus. Prejudicado o recurso adesivo dos autores.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, na apelação cível em que figuram como apelantes HÉLIO LOPES GUERRA FILHO, JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES FILHO, CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO JARDIM SANTA ROSA, MARCO ANTÔNIO ALVARENGA GARCIA E IEDA MARIA RIQUE COSME GARCIA e MARIA ELIZIA ELAINE DE AMORIM E OUTROS, sendo apelado OS MESMOS,
ACORDAM os Desembargadores que participam da sessão da Décima Sétima Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em dar
provimento aos recursos dos réus, nos termos do voto do relator.
Rio de Janeiro,
Des. Edson Vasconcelos
Relator
IC 2
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RELATÓRIO
MARCO ANTÔNIO ALVARENGA GARCIA e IEDA MARIA RIQUE COSME GARCIA ajuizaram ação de consignação em pagamento c/c anulatória de multa c/c indenizatória em face de CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO JARDIM SANTA ROSA, de sua síndica MARIA ELIZIA ELAINE DE AMORIM, de JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES FILHO, da subsíndica TÂNIA BARRA, dos conselheiros efetivos HÉLIO GUERRA, ELIANE MANCEBO, ELIANA MEDEIROS e dos conselheiros suplentes FÁBIO SEABRA, SUZANA LUSTOSA e MARIA HELENA. Afirmam que foram injustamente multados pela administração do condomínio. Sustentam que lhes foi imposta a multa por motivos pessoais. Informam que, em 27/01/2011, o porteiro, sem a autorização dos autores, permitiu que uma visita dos demandantes estacionasse seu automóvel na garagem do edifício, e por esta razão receberam uma advertência da síndica. Esclarecem que, em 13/02/2013, por causa de um vazamento de esgoto em sua vaga de garagem, utilizaram a vaga nº 17. Argumentam que comunicaram o fato à sindica, entretanto, a mesma ignorou as razões e aplicou multa no valor de R$ 1.037,00 (mil e trinta e sete reais). Requerem a expedição de guia para depósito judicial no valor de R$ 581,55 (quinhentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos), a anulação da multa e a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais na quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (Indexador 000002)
IC 3
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Contestação do CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO JARDIM SANTA ROSA arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade ativa e passiva ad causam e a inépcia da inicial. No mérito, sustenta, em síntese, a legalidade da aplicação da multa, uma vez que os próprios autores confessam que estacionaram o veículo em vaga de outro condômino. Aduz que as afirmações dos autores são levianas. Afirma que as procurações apresentadas pelos autores não são válidas. (fls. 215/247 – Indexador 000228)
Contestação da síndica, MARIA ELIZIA ELAINE DE AMORIM, reiterando os termos da peça de bloqueio do primeiro réu. (fls. 290/312 – Indexador 000305)
Contestação de JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES FILHO arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade ativa dos autores, tendo em vista o falecimento do proprietário do imóvel, deveriam figurar no polo ativo da presente demanda todos os herdeiros ou o espólio. No mérito, sustenta, em síntese, que os demandantes trazem informações conflitantes e não apontam os motivos pelo quais cada réu deve ser condenado. Ressalta a ausência de reponsabilidade nos fatos narrados. (fls. 336/353 – Indexador 000351)
Contestação de TÂNIA REGINA DA SILVA BARRA arguindo as preliminares de ilegitimidade passiva e de inépcia da inicial, reiterando, no mais, as alegações do primeiro réu. (fls. 360/384 – Indexador 00376)
IC 4
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Contestação de FÁBIO RICARDO SEABRA DE CARVALHO arguindo a preliminar de ilegitimidade ativa dos autores, já que como meros ocupantes do imóvel não possuem legitimidade para questionar as deliberações do Conselho Consultivo. No mérito, afirma que a legalidade da aplicação da multa ante a utilização indevida da vaga pelos demandantes. (fls. 386/411 – Indexador 000376)
Contestação de MARIA HELENA ALMEIDA DE OLIVEIRA reeditando os argumentos de ilegitimidade ativa dos autores e afirmando a legalidade da aplicação da multa ante a utilização indevida da vaga pelos demandantes. (fls. 412/437 – Indexador 000431)
Contestação de ELIANA MANCEBO REIS arguindo as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva e de inépcia da inicial. No mérito, reitera os argumentos dos demais réus. (fls. 443/460 – Indexador 000463)
Contestação de SUZANA LUSTOSA DE CASTRO FARIA reeditando as teses lançadas nas demais peças de bloqueio. (fls. 473/491 – Indexador 000495)
Contestação de ELIANA VIGNOLI FRANCO DE MEDEIROS, igualmente, reiterando os argumentos expedidos pelos demais réus. (fls. 493/510 – Indexador 000515)
Contestação de HÉLIO LOPES GUERRA FILHO no mesmo sentindo das demais defesas. (fls. 512/524 – Indexador 000534)
IC 5
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A sentença julgou parcialmente procedente os pedidos tão somente para declarar a inexigibilidade da multa, determinando o cancelamento da mesma. Determinou o rateio das custas processuais e a compensação dos honorários advocatícios ante a sucumbência recíproca. (Indexador 000650)
Apelação de HÉLIO LOPES GUERRA FILHO pleiteando a condenação do autor ao pagamento dos honorários advocatícios, uma vez que o pedido de indenização por danos morais não foi acolhido. (Indexador 000711)
Apelação de JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES FILHO arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que não faz parte da Administração do Condomínio. No mérito, sustenta a legalidade da multa aplicada. Requer a reforma da sentença, com a condenação dos autores a pena por litigância de má-fé, com a inversão dos ônus da sucumbência. (Indexador 000716)
Apelação do CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO JARDIM SANTA ROSA arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, sustenta a legalidade da multa aplicada. Requer a reforma da sentença, com a condenação dos autores a pena por litigância de má-fé, com a inversão dos ônus da sucumbência. (Indexador 000727)
Apelação de MARIA ELIZIA ELAINE DE AMORIM reeditando os termos do recurso do condomínio. (Indexador 000738)
IC 6
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Apelação adesiva dos autores, MARCO ANTÔNIO ALVARENGA GARCIA e IEDA MARIA RIQUE COSME GARCIA, pleiteando a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido de indenização por danos morais. (Indexador 000751)
Contrarrazões dos réus às fls. 733/739 e às fls. 740/748. (Indexadores 000762 e 000770)
Recursos tempestivos.
V O T O
Primeiramente, cabe ressaltar que a sentença foi proferida ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e, por esta razão, será avaliada de acordo com suas regras.
Cumpre, à partida, analisar a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelos réus, ora recorrentes.
Legitimidade ad causam é a uma qualidade para agir no processo, ou seja, é um atributo jurídico conferido a alguém para discutir determinada situação jurídica litigiosa.
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A legitimidade passiva é aferida a partir das alegações autorais, sendo necessário analisar a existência ou não de relação entre a questão controvertida e a parte que figura no polo passivo da demanda.
No particular, os autores pleitearam a anulação da multa aplicada em razão da reiteração no uso indevido de vaga de garagem, o recebimento de indenização por dano moral, além do deferimento do pleito de consignação dos valores correspondentes às cotas condominiais.
A presente ação foi proposta em face do condomínio, da síndica, da subsíndica e dos membros do Conselho Consultivo e do proprietário da vaga, Sr. José Antônio Martins Alves Filho. A questão controvertida cinge-se a apurar se a multa foi aplicada indevidamente.
Sabe-se que o síndico é responsável pela administração do condomínio, podendo, caso necessário, ser substituído pelo subsíndico. Assim, ambos são legítimos a figurar no polo passivo da presente demanda, na qual se discute a legalidade da multa aplicada pelo condomínio.
No entanto, quanto ao Conselho Consultivo, a Lei de Condomínio e Incorporações (Lei nº 4.591/64) regulamentava toda a matéria acerca dos condomínios, trazendo a previsão do Conselho Consultivo em seu art. 23:
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“Art. 23, da Lei 4.591/64: “Será eleito, na forma prevista na Convenção,
um Conselho Consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos
que não poderão exceder de 2 anos, permitida a reeleição.
Parágrafo único. Funcionará o Conselho como órgão consultivo do
síndico, para assessorá-lo na solução dos problemas que digam respeito
ao condomínio, podendo a Convenção definir suas atribuições
específicas.”
Entretanto, com a advento do Código Civil de 2002, ocorreu a revogação parcial da mencionada lei. E, em caso de normas conflitantes, prevalecerá o disposto no Código Civil.
O art. 1.356 do Código Civil estabelece que: “Poderá haver no condomínio um Conselho Fiscal, composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete dar parecer sobre as contas do síndico.”
Assim, o referido diploma legal somente dispôs acerca do Conselho Fiscal, deixando a cargo da Convenção do Condomínio estipular a função do Conselho Consultivo.
Saliente-se que o art. 23, da Lei 4.591/64 não foi revogado pelo Código Civil.
Na hipótese, de acordo com a Convenção do Condomínio (Indexador 000026), compete ao Conselho Consultivo: “a) fiscalizar as atividades do síndico e examinar
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as suas contas, relatórios e comprovantes; b) assessorar o síndico nas soluções dos problemas que digam respeito ao condomínio; c) comunicar aos condôminos por carta registrada ou protocolada as irregularidades havidas na gestão do condomínio; d) dar parecer sobre as contas do síndico, bem como sobre a proposta de orçamento para o subsequente exercício, informando a assembleia geral; e) abrir, encerrar e rubricar o livro-caixa; f) dar parecer em matéria relativa às despesas extraordinárias.”
Desta forma, o Conselho Consultivo é um órgão fiscal do condomínio composto por três membros efetivos e três suplentes, atuando como órgão consultivo do síndico com a finalidade de assessorá-lo na solução que digam respeito à administração do condomínio. Ressalte-se que a função principal do Conselho Consultivo é de auxiliar o síndico.
No caso, uma vez que a aplicação da multa foi decidida pela Administração do Condomínio, da qual fazem parte, a síndica, a subsíndica e os membros do Conselho Consultivo, há clara relação entre os demandados e o que se está sendo discutido nos autos. Nesse passo, forçoso reconhecer a legitimidade passiva dos recorrentes para figurarem no presente feito.
Entretanto, merece prosperar a arguição de ilegitimidade passiva do proprietário da vaga que foi utilizada pelos autores, Sr. José Antônio Martins Alves Filho, uma vez que o mesmo não faz parte da Administração do Condomínio, não
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tendo apresentado qualquer participação na aplicação da penalidade imposta aos autores.
Ultrapassada a preliminar, passa-se a análise do mérito.
Da apreciação dos autos, verifica-se que os autores foram punidos com aplicação de multa equivalente ao dobro do valor da cota condominial em razão do reiterado uso indevido de vaga de garagem de terceiro (vaga nº 17).
No primeiro momento, os demandantes receberam uma advertência por ter uma visita sua estacionado seu veículo na garagem do condomínio. Após cerca de dois anos, os autores utilizaram vaga de outro morador em duas ocasiões, o que ocasionou a conversão da advertência em multa.
Os demandantes alegam que estavam impossibilitados de usar a sua vaga por existir um grave vazamento de esgoto na garagem, tendo tal fato sido informado ao condomínio réu, o que restou demonstrado conforme documentos acostados às fls. 90/92 e fotos acostadas às fls. 93/98 (Indexador 000093).
Entretanto, tal episódio não autoriza os autores a ocupar vaga alheia sem a autorização de seu proprietário. Vale ressaltar que os demandantes deveriam ter utilizado a via adequada para compelir o condomínio a realizar as obras necessárias na garagem a fim de consertar o vazamento no local.
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Por outro giro, os autores alegam violação ao princípio da isonomia, tendo em vista que o uso de vaga alheia é uma prática regular dos moradores. No entanto, tal princípio não pode ser empregado com a finalidade de transgredir as regras estipuladas pelo condomínio.
A atitude dos demandantes violou o parágrafo 3º do art. 3º da Convenção do Condomínio, conforme documento acostado às fls. 38 e às fls. 89 (Indexadores 000026 e 000093).
Desta forma, assiste razão aos réus, sendo devida a multa imposta aos autores ante a infração cometida por estes.
Contudo, em relação ao pedido dos demandados de aplicação da penalidade de litigância de má-fé aos autores, inexiste nos presentes autos qualquer conduta dos demandantes que configure litigância de má-fé, na forma prevista no artigo 17 do CPC/1973.
À conta de tais fundamentos, o voto é no sentido de dar provimento aos recursos dos réus para, reformando a sentença, acolher a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, julgando extinto o feito sem resolução do mérito em relação ao terceiro réu, José Antônio Martins Alves Filho, na forma do art. 267, VI do Código de Processo Civil de 1973 e julgar improcedentes os pedidos quanto aos demais réus, na forma do art. 269, I, Código de Processo Civil de 1973, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ora fixados em 10%
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sobre o valor atribuído à causa, que deverão ser proporcionalmente distribuídos para
cada réu. Prejudicado o recurso adesivo dos autores.
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