Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Remessa Necessária Cível nº 0004608-14.2019.8.16.0112
Vara da Fazenda Pública de Marechal Cândido Rondon
Impetrante: Nilson Erno Hachmann
Impetrados: Presidente da Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon e outra
Relator: Desembargador Luiz Taro Oyama
REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. QUÓRUM
MÍNIMO PARA PERDA DE MANDATO DE VEREADOR. 1.
EVIDENCIADA ILEGALIDADE DA PORTARIA, CONTRÁRIA À LEI
ORGÂNICA DO MUNICÍPIO. AUTONOMIA DO ENTE PARA
ESTIPULAR REGRAS DO PROCESSO DE CASSAÇÃO. 2.
DESNECESSIDADE DE REMESSA AO ÓRGÃO ESPECIAL. LITÍGIO
RESOLVIDO À LUZ DO ORDENAMENTO INFRACONSTITUCIONAL.
SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA.
RELATÓRIO
Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado por NILSON ERNO HACHMANN contra
ato coator praticado pela CÂMARA MUNICIPAL DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON e
respectivo PRESIDENTE, cuja sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública da[1]
Comarca de Cândido Rondon decidiu:[2]
Ante o exposto, demonstrado o ato ilegal da autoridade coatora JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos apresentados na peça
inicial, art. 487, I do CPC, confirmando a liminar anteriormente deferida,
para o fim de, no âmbito do processo de cassação instaurado em face do
impetrante, AFASTAR A APLICAÇÃO da Portaria 073/2019 no que for
contrária a legislação municipal, em especial o seu art. 3º, § 2º, devendo
ser respeitado o quórum qualificado de dois terços previstos na Lei
Orgânica e no Regimento Interno da Câmara.
Custas e despesas processuais pelo impetrado
Sem condenação em honorários advocatícios, art. 25 da Lei 12.016/2009.
Foi determinada a remessa necessária.
A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela manutenção da sentença.[3]
VOTO
A questão em exame se restringe à análise do Quórum para Cassação de Vereador.
DO QUÓRUM PARA CASSAÇÃO DE VEREADOR
Impetrado mandado de segurança preventivo em face da Portaria nº 73/2019 expedida
pelo Presidente da Câmara Municipal de Marechal Cândido Rondon que define o quórum de
maioria absoluta para cassação de mandato de vereador, foi concedida a ordem pelo Juízo a
, tendo sido determinada a remessa necessária.quo
Pois bem.
Nos termos do referido ato normativo , “[4] a perda de mandato do parlamentar será
declarada pela dos membros da Câmara Municipal, nos termos do § 2º domaioria absoluta
artigo 55 da Constituição Federal de 1988, aplicado pelos princípios da simetria e hierarquia
” (art. 3º, § 2º).das leis
A CF/88, a seu turno, estabelece o igual quórum para a perda de mandato dos
Deputados Federais e Senadores . Aos Vereadores, contudo, ante a omissão constitucional,[5]
a aplicação do mesmo quórum não é automática. Devem os Municípios estipularem em suas
Leis Orgânicas o quórum para cassação dos parlamentares ou, então, ser aplicado
subsidiariamente o Decreto-Lei nº 201/1967, o qual trata especificamente dos Vereadores .[6]
A despeito do tema, leciona a doutrina : “[7] O processo de cassação de mandato deve
ser regulado pela legislação local. Contudo, na ausência desta, pode-se seguir o disposto no
”.art. 5º do Decreto-Lei 201, de 1967 (…)
Tampouco há que se falar, ainda, em violação à Súmula Vinculante 46, que dispõe: “a
definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de
”. Isso, porque não seprocesso e julgamento são de competência legislativa privativa da União
trata de crime de responsabilidade, mas sim de perda de mandato por quebra de decoro
parlamentar.
Sobre o assunto, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3.
Vereador. Cassação de mandato parlamentar. Decoro parlamentar.
Decreto-Lei 201/1967,Súmula Vinculante 46. Inexistência de violação.
Resolução 007/2011 e Lei Orgânica Municipal. 4. Matéria
. Ofensa reflexa à Constituição Federal. Necessidadeinfraconstitucional
de reexame do acervo fático-probatório. Ausência de prequestionamento.
Súmulas 279 e 282 do STF. Precedentes. 5. Ausência de argumentos
capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental desprovido.
Sem majoração da verba honorária.[8]
Em consonância, já foi decidido por esta Corte:
Em se tratando de quebra de decoro parlamentar, como no caso, não se
aplica a inteligência da Súmula Vinculante nº 46, pelo que deve a
legalidade do processo de apuração da conduta do vereador impetrante,
ora agravante, ser analisada com base no Decreto Lei 201/1967, no
Regimento Interno da Câmara Municipal de Maringá e na Lei Orgânica
Municipal.[9]
APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCESSÃO DA
ORDEM – CASSAÇÃO DO MANDATO DE VEREADOR DO MUNICÍPIO
DE VITORINO/PR – QUÓRUM PREVISTO NA LEI ORGÂNICA
MUNICIPAL – ART. 42, § 2º – MAIORIA ABSOLUTA – PRETENSÃO DE
APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 201/67 – QUÓRUM DE 2/3 DA
CÂMARA – IMPOSSIBILIDADE – LEGISLAÇÃO SUBSIDIÁRIA –
UTILIZAÇÃO SOMENTE EM CASO DE OMISSÃO LEGISLATIVA
MUNICIPAL – ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 42,
§ 2º DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE VITORINO – NÃO
RECONHECIMENTO – DECISÃO MANTIDA – RECURSOS
DESPROVIDOS.[10]
Além disso, conforme elucidado em trecho extraído da doutrina pela Procuradoria-Geral
de Justiça , “[11] o quórum de votação de 2/3 traz uma maior estabilidade ao parlamento local,
composto, na sua maioria, de um números reduzido de edis. Difere da Câmara dos Deputados
e do Senado, compostos respectivamente por 513 e 81 parlamentares, o que permite o quórum
”.constitucional da maioria absoluta para a cassação
Portanto, como no presente caso a Portaria nº 73/2019 violou dispositivo da Lei Orgânica
do Município ao prever quórum diverso para cassação de vereador, mantenho a concessão da
ordem para determinar que eventual perda de mandato do Impetrante se dê pelo voto de pelo
menos 2/3 dos membros da Câmara.
Ressalte-se, por fim, que afastar a aplicabilidade do ato normativo por este órgão
fracionário não viola a Súmula Vinculante 10, já que a decisão se dá com fulcro em norma[12]
infraconstitucional, o que não demanda a incidência da cláusula de reserva de plenário.
Nesse sentido:
Inexiste ofensa ao art. 97 da Constituição da República, que consagra o
postulado da reserva de plenário, se o julgamento proferido por órgão
fracionário de Tribunal resolve o litígio à luz do ordenamento
infraconstitucional. Precedentes. Ausência de transgressão, no caso, à
cláusula constitucional do “full bench”. Consequente inocorrência de
desrespeito à Súmula Vinculante 10/STF.[13]
Desse modo, mantenho a sentença em sede de remessa necessária.
DA CONCLUSÃO
Diante do exposto, voto no sentido de manter a sentença em sede de remessa
necessária, em relação à concessão da ordem para determinar o quórum mínimo de votação
de 2/3 para cassação do Vereador.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar SENTENÇA CONFIRMADA o
recurso de juiz de direito da Vara da Fazenda Pública da comarca de Marechal Cândido
Rondon.
O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargadora Regina Helena Afonso De Oliveira
Portes, com voto, e dele participaram Desembargador Luiz Taro Oyama (relator) e
Desembargadora Astrid Maranhão De Carvalho Ruthes.
Curitiba, 26 de junho de 2020
Desembargador Luiz Taro Oyama
Relator
Sentença (mov. 36.1).[1]
Juíza Juliana Cunha de Oliveira Domingues.[2]
Parecer (mov. 8.1 – RN)[3]
Portaria (mov. 1.3).[4]
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: § 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a[5]
perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por
, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido políticomaioria absoluta
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Art. 5º O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações[6]
definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela
legislação do Estado respectivo: VI – Concluída a defesa, proceder-se-á a tantas votações
nominais, quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Considerar-se-á afastado,
definitivamente, do cargo, o denunciado que for declarado pelo , pelovoto de dois terços
menos, dos membros da Câmara, em curso de qualquer das infrações especificadas na
denúncia. Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará imediatamente o
resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada infração, e, se houver
condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de Prefeito.
Se o resultado da votação for absolutório, o Presidente determinará o arquivamento do
processo. Em qualquer dos casos, o Presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o
resultado.
Art. 7º. § 1º O processo de cassação de mandato de Vereador é, no que couber, o estabelecido
no art. 5º deste decreto-lei.
MEIRELLES, Hely Lopes. . 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008,[7] Direito Municipal Brasileiro
p. 717.
STF: RE 1159353 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em[8]
13/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2020 PUBLIC 03-02-2020
(sem grifo no original).
TJPR – 5ª C.Cível – 0038679-58.2017.8.16.0000 – Maringá – Rel.: Desembargador Nilson[9]
Mizuta – J. 04.06.2018.
TJPR – 4ª C.Cível – AC – 1046042-5 – Pato Branco – Rel.: Desembargadora Regina Afonso[10]
Portes – Unânime – J. 10.12.2013.
CORRALO, Giovani da Silva. Responsabilidade de prefeitos e vereadores: comentários ao[11]
Decreto-lei nº 201/67. Coleção Direito administrativo positivo, v. 5. São Paulo: Atlas, 2015. p.
125 (Parecer PGJ: mov. 8.1, p. 7/8 – RN).
Súmula Vinculante 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de[12]
órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
STF: Rcl 11237 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em[13]
10/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014.