Inteiro Teor
VOTO:Os embargos merecem acolhimento.Trata-se de embargos de declaração opostos pela AMAI – Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos, Inativos e Pensionistas e Paranáprevidência contra o acórdão não unânime, proferido nos autos de Agravo de Instrumento nº 0018836-05.2020.8.16.0000, por meio do qual o colegiado da 7ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça, por maioria (vencido este Desembargador), conheceu e deu provimento ao recurso, para reconhecer: “a ilegitimidade da AMAI, ante a ausência de autorização explícita legitimando a associação a ajuizar a demanda, nos termos do art. 5º, XXI, da Constituição da República”.No voto vencedor, a Relatora consignou que a orientação atual do STF poderia ser aplicada a casos ajuizados anteriormente ao julgamento do recurso paradigma (RE 573.232/SC), uma vez que, a seu ver, a interpretação dada pela Suprema Corte deveria retroagir ao momento em que o regramento constitucional da matéria surgiu, já que ele nunca sofreu modificação:Assente-se que não há que se sustentar que a ação foi ajuizada anteriormente ao julgamento do recurso paradigma. Isso porque a interpretação dada pela Suprema Corte ao art. 5º, inciso XXI, da Constituição Federal retroage ao momento em que o regramento constitucional da matéria surgiu, já que ele nunca foi modificado e não ocorreu a limitação temporal dos efeitos da norma, apenas delimitada ao alcance constitucional, dando-lhe interpretação efetiva à sua natureza jurídica. No voto vencido, de minha Relatoria, fiz uma análise pormenorizada dos votos proferidos no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 573.232/SC e nº 612.043, para esclarecer que, na visão deste Julgador, a interpretação das decisões anteriormente citadas, permite concluir que o STF decidiu pela prevalência da coisa julgada formada na fase de conhecimento da ação coletiva.Em razão disso, a orientação adotada pelo STF, no julgamento do RE 573.232/SC, não exerce nenhuma influência sobre sentenças que estejam fundamentadas em entendimento contrário e que TRANSITARAM EM JULGADO em momento anterior, como ocorreu no caso dos autos.Assim, no caso dos autos, a associação interpôs a ação coletiva embasada, apenas, em autorização estatutária genérica ou autorização assemblear genérica, com fundamento na orientação jurisprudencial da época e o TÍTULO EXECUTIVO SE FORMOU ANTES DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF, no Recurso Extraordinário nº 573.232/SC, entendi que não seria possível, na fase de execução, reconhecer a ilegitimidade da associação, por falta de autorização expressa, pois isso OFENDERIA A COISA JULGADA. Aduz o embargante, no que interessa ao âmbito de análise da presente divergência, que o Acórdão proferido por esta Câmara seria nulo, sob o argumento de que o disposto no artigo 942, § 3º, do CPC não foi observado, não havendo, consequentemente, a extensão de quórum para o julgamento do agravo de instrumento, apesar de se tratar de decisão não unânime que acabou alterando o resultado da anterior decisão transitada em julgado.Com razão. A técnica de ampliação do colegiado, prevista no artigo 942, do CPC, é cabível nas hipóteses de julgamento não unânime de apelação; ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; e agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgou parcialmente o mérito.Trata-se de técnica processual que tem objetivo semelhante ao que possuíam os embargos infringentes do CPC/1973, qual seja, permitir a: “qualificação do debate, assegurando-se oportunidade para a análise aprofundada das teses jurídicas contrapostas e das questões fáticas controvertidas, com vistas a criar e manter uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente”[1].Especificamente no que diz respeito ao agravo de instrumento, prevê o artigo 942, § 3º, II, do CPC que:Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.Em primeiro lugar, é importante consignar que, conforme constou na proposta de voto da Relatora, a técnica de julgamento prevista no referido artigo, quando se trata de agravo de instrumento, deve ser aplicada de forma restritiva.No âmbito da doutrina, há quem defenda que a aplicação restritiva deveria ocorrer, também, no âmbito da apelação, apesar de se tratar de tese que não encontrou apoio na jurisprudência, prevalecendo o entendimento de que, na apelação, a técnica é cabível a qualquer espécie de julgamento por maioria de votos. Sobre a interpretação do artigo 942, do CPC, destaco a lição de Fredie Didier Júnior[2]:O disposto no art. 942 do CPC aplica-se ao julgamento não unânime proferido em agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. Aqui há uma observação que merece destaque: na apelação, a regra aplica-se a qualquer resultado não unânime. Não admitida, por maioria de votos, a apelação, aplica-se a regra. Admitida para ser provida ou não provida, seja ou não de mérito a sentença recorrida, pouco importa. Se o resultado não for unânime, aplica-se a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC. Já no agravo de instrumento há uma restrição: a regra só se aplica se o agravo for admitido e provido, por maioria de votos, para reformar a decisão que julgar parcialmente o mérito.Logo, no julgamento do agravo de instrumento, não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: (a) se o julgamento for unanime; (b) se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; (c) se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; (d) se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; (e) se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos.Contudo, a interpretação restritiva, a que a doutrina e a jurisprudência fazem referência, ao meu ver, deve se limitar a interpretar as hipóteses restritivas criadas pelo legislador, sendo vedada a criação de restrição não prevista no comando legal.Veja-se que o artigo 942, § 3º, II, do CPC, ao prever a aplicação da técnica do julgamento estendido para o agravo de instrumento que reformar decisão parcial de mérito, não impõe nenhuma restrição quanto à fase do procedimento em que tal decisão foi proferida. Pelo contrário, limita-se a restringir a aplicação para a hipótese em que houver “reforma da decisão parcial de mérito”.E, salvo melhor juízo, o que a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo, sob pela de se incursionar em função típica do Poder Legislativo, o que não se admite. Assim e por isso, me parece que pouco importa em qual fase do procedimento a decisão interlocutória de mérito foi proferida, devendo ser aplicada a técnica de ampliação de quórum, inclusive, na fase de cumprimento de sentença.Outro não é o entendimento de Luis Guilherme Marinoni[3]:O novo Código extinguiu o recurso de embargos infringentes. No entanto, aderindo à tese de que a ausência de unanimidade pode constituir indício da necessidade de um maior aprofundamento da discussão a respeito da questão decidida, submeteu o resultado não unânime à ampliação do debate.Em outras palavras: o julgamento não unânime terá prosseguimento com a ampliação do quórum de julgadores. Não se trata de novo recurso, nem tecnicamente de novo julgamento: o art. 942, do CPC, constitui apenas um meio de provocar a ampliação do debate. A ampliação do debate não depende de requerimento de quaisquer das partes – o prosseguimento do julgamento deve se dar de ofício.O art. 942 do CPC não circunscreve a ampliação do julgamento apenas às questões de mérito.Qualquer julgamento não unânime – quer verse questões de direito material, quer verse questões de direito processual –, pode ser subjetivamente ampliado.Cabe ampliação do julgamento não unânime na apelação, na ação rescisória julgada procedente e no agravo de instrumento que reforma decisão que antecipa parcialmente o mérito. Analogicamente ao art. 942, § 3.º, II, do CPC, deve caber semelhante ampliação no julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão que reforma o julgamento de improcedência liminar parcial, a liquidação de sentença e contra a decisão que reforma o não acolhimento da impugnação. O elemento que permite a analogia é o caráter final de todas essas decisões – nada obstante impugnáveis por agravo de instrumento. – grifo nosso.Portanto, em se tratando de Acórdão que tiver, por maioria, dado provimento ao agravo de instrumento para reformar uma decisão que havia julgado o mérito, torna-se cabível a aplicação da técnica de julgamento estendido, ainda que se trate de decisão proferida na fase de cumprimento de sentença, isto por que o legislador não restringiu a aplicação da referida técnica de julgamento à fase de conhecimento.Importante ressaltar que toda decisão que trate do mérito e não seja rigorosamente uma sentença pode ser atacada pela via do agravo de instrumento, ainda que tenha sido proferida em um incidente do processo. No curso da execução pode existir uma decisão de mérito, como nos casos em que o juiz, por exemplo, acolhe ou rejeita a alegação de prescrição. Ou, como no caso, onde se extinguiu uma execução de um direito que já havia sido considerado válido (pela jurisprudência da época), isso através de uma decisão que transitou em julgado plenamente.Há que se ponderar, também, que no cumprimento de sentença, admite-se um momento cognitivo amplo (limitado pelas questões que podem ser alegadas), que se instaura com a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença. Tal procedimento, apesar de ter natureza de incidente processual de defesa (segundo a maioria da doutrina) pode versar sobre o mérito da própria execução ou do processo de conhecimento. Não se desconhece que o STJ possui alguns poucos julgados defendendo a inaplicabilidade da referida técnica de julgamento ao agravo de instrumento – na fase de cumprimento de sentença. Contudo, é necessário ponderar que tais julgados não foram proferidos sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, de forma que não possuem efeitos vinculantes e em nenhum deles se enfrentou a questão de revogação e ou violação da coisa julgada.Além disso, com todo respeito ao entendimento do Tribunal Superior, conforme já defendido anteriormente, entendo que não cabe ao intérprete restringir aquilo que a lei não restringiu.Não obstante, o próprio STJ já admitiu que tal entendimento seja excepcionado, isto em casos excepcionais (como parece ser este caso) de modo a permitir a observância da técnica de ampliação de julgamento nas decisões que versem sobre o incidente de impugnação de crédito – no processo de recuperação judicial. Na oportunidade, entendeu o STJ que referido incidente se caracteriza como uma ação incidental, de natureza declaratória, com caráter jurisdicional e contencioso, no qual o impugnante assume a posição de autor, razão pela qual a decisão que põe fim ao incidente de impugnação seria, inegavelmente, uma decisão de mérito. E, nesta mesma linha, é que deve ser interpretado o incidente de impugnação ao cumprimento de sentença que decide matéria que implica na desconstituição da coisa julgada formada no processo de conhecimento. Veja-se que, na hipótese ora analisada, o Recurso de Agravo de instrumento, interposto em face de decisão que julgou a impugnação ao cumprimento de sentença, ao ser acolhido, acabou por desconstituir a coisa julgada formada na fase de conhecimento. Com efeito, ao reconhecer a ilegitimidade da associação, com base em novo entendimento jurisprudencial, o Acórdão acabou extinguindo o procedimento executivo e a própria ação de conhecimento, vez que declarou, por via transversa, a inexistência de uma sentença transitada em julgado.Não se pode tratar a hipótese dos autos como se fosse uma decisão que simplesmente reconheceu a ilegitimidade ativa na fase de conhecimento, a qual implicaria na extinção do processo sem resolução do mérito e possibilitaria o ajuizamento de uma nova ação pela parte legítima.No caso, como ressaltei no voto vencido, a aplicação do novo entendimento ocasionou uma ilegitimidade ativa superveniente, e acabou, de certa forma, tolhendo o acesso à justiça dos ora exequentes, que confiaram na legitimidade da associação e não ajuizaram ações individuais, no momento em que suas pretensões ainda não se encontravam prescritas.Saliente-se que por confiarem na jurisprudência da época – a declaração de que são partes ilegítimas em face de não terem preenchido certas formalidades – acaba por lhes retirar o direito de uma nova ação, em face da ocorrência, então, da prescrição.E, aqui, cabe explicar que, na época em que tais autores permitiram que a Associação litigasse em seus nomes – o entendimento pacífico era no sentido de que isso poderia ocorrer – sem problemas.Assim e por isso é que este magistrado sempre afirmou que uma nova interpretação – por ser diferente e posterior, não poderia prejudicá-los – não poderia retroagir – como no caso está a ocorrer.Além desse problema fático, o reconhecimento da ilegitimidade ativa, pela douta maioria, em sede de agravo de instrumento, implicou na desconstituição de uma decisão de mérito transitada em julgado, o que, no meu entender, pode sim ser enquadrado como reforma da decisão que julga o mérito, tendo em vista que modificou tudo o que foi decidido na fase de conhecimento.Raciocinando de forma inversa: imagine-se que o magistrado de primeiro grau tivesse aplicado a tese que nesse Agravo foi acolhida. O Resultado, então, seria a extinção da execução em primeiro grau. Nesse caso, o recurso cabível seria a Apelação (penso que quanto a isso exista consenso entre os integrantes dessa Câmara). E, em sendo cabível a apelação, teríamos, novamente, um julgamento não unânime, no qual seria aplicada, sem maiores discussões, a técnica de julgamento prevista no artigo 942, do CPC.Ocorre que a decisão de primeiro grau adotou o mesmo entendimento deste Julgador (que – enfatize-se é o da maioria desta Câmara), no sentido de que o agravo de instrumento não é a via adequada para desconstituir a coisa julgada proferida na fase de conhecimento, principalmente porque tal desconstituição se ampara numa mudança de entendimento jurisprudencial. Daí e tão somente por isso é que o recurso cabível, no caso, tornou-se o agravo de instrumento.E aqui é de se indagar: – Como fica o magistrado de primeiro grau que ao adotar o entendimento da maioria do Tribunal para fundamentar seu convencimento – vê a parte perder o direito que ele declarou – isso porque ele assim declarou?O novo CPC não o incentiva a seguir os precedentes do Tribunal – ou teria ele que prever essas inseguranças e adotar a tese inversa – para poder garantir que a tese do seu convencimento reste vencedora?O agravo de instrumento, neste caso específico, está, na verdade, e por opção legislativa de garantir maior celeridade ao processo executivo, fazendo as vezes de uma apelação, o que deve ser levado em consideração quando se discute a aplicação do disposto no artigo 942, § 3º, do CPC.Note-se que o critério utilizado pelo legislador para definir o recurso cabível na fase de cumprimento de sentença é o efeito da decisão em termos de extinção ou prosseguimento do cumprimento de sentença e não o seu conteúdo.Por mero formalismo quanto ao recurso cabível, nega-se à parte a possibilidade de ver a matéria enfrentada por todos os membros do colegiado, e tudo isso pelo simples fato de estarmos na fase de cumprimento de sentença, para a qual, repito, a técnica de julgamento seria aplicada, caso o recurso fosse uma apelação.Observo que a técnica de julgamento em análise visa resguardar o devido processo legal e, principalmente, a segurança jurídica tão defendida com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Logo, não a admitir, nas hipóteses em que os membros integrantes desta Corte divergem quanto a determinado assunto, que acaba por ANIQUILAR O DIREITO DA PARTE, principalmente quando, como se disse – esta já possuía uma sentença transitada em julgado a seu favor – não me parece ser a escolha mais adequada ao direito da parte.Veja-se que, a prevalecer o entendimento da Relatora Originária, em todos os casos em que o quórum de julgamento for composto pelos mesmos integrantes que participaram da votação do Acórdão embargado, teremos a extinção das execuções. Por outro lado, quando o quórum de julgamento for integrado por outros membros desta Câmara, teremos a continuidade das execuções, o que, a toda evidência, não prestigia o princípio da segurança jurídica. Posto isto, VOTO por ACOLHER os presentes embargos de declaração, para determinar que o julgamento do Agravo de Instrumento nº 0018836-05.2020.8.16.0000, seja retomado, com a participação de todos os integrantes do órgão colegiado, na forma do artigo 942, § 3º, II, do CPC.