Inteiro Teor
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Número Único: 1004143-71.2019.8.11.0000
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
Assunto: [Legitimidade para a Causa, Obrigação de Fazer / Não Fazer]
Relator: Des (a). DIRCEU DOS SANTOS
Turma Julgadora: [DES (A). DIRCEU DOS SANTOS, DES (A). GUIOMAR TEODORO BORGES, DES (A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA]
Parte (s):
[RENATO VALERIO FARIA DE OLIVEIRA – CPF: 024.636.341-03 (ADVOGADO), CONTORNO LESTE INVESTIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA – CNPJ: 14.302.420/0001-37 (AGRAVANTE), JOAO CELESTINO CORREA DA COSTA NETO – CPF: 817.505.527-87 (ADVOGADO), WILLIAN MARCO COSTA SOUZA – CPF: 985.474.371-34 (AGRAVADO), WILLIAM KHALIL – CPF: 842.967.121-87 (ADVOGADO), GABRIEL AUGUSTO SOUZA MELLO – CPF: 034.802.291-31 (ADVOGADO), TARCISIO LUIZ BRUN – CPF: 014.396.921-81 (ADVOGADO), FILINTO CORREA DA COSTA JUNIOR – CPF: 345.856.801-87 (ADVOGADO)]
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des (a). DIRCEU DOS SANTOS, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E NESSA PARTE, PROVIDO PARCIALMENTE.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS – TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU – DETERMINAÇÃO DE ENTREGA DE PROJETO DE CONSTRUÇÃO DE EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO PELA CONSTRUTORA E REINÍCIO DAS OBRAS QUANTO A TORRE C, ALÉM DA REVITALIZAÇÃO DA ÁREA COMUM DO CONDOMÍNIO – ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA E DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – INOVAÇÃO EM SEDE RECURSAL – ANÁLISE OBSTADA – REQUISITOS DO ARTIGO 300 DO CPC – IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA EVIDENCIADA QUANTO À ORDEM DE REINÍCIO DAS OBRAS – RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO.
Caso em que as alegações de ilegitimidade ativa e passiva, bem como a de falta de interesse processual, não foram apreciadas pelo Juízo de origem, de modo que o seu conhecimento nesta via estreita importa supressão de instância.
Para a concessão da tutela provisória é necessário que estejam reunidos os pressupostos estabelecidos pelo art. 300 do CPC.
A lei processual prevê que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por CONTORNO LESTE INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., visando suspender a decisão proferida pelo Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá que, nos autos da autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais e Materiais e Pedido de Tutela Antecipada nº 1014560-91.2018.8.11.0041, manejados por WILLIAN MARCO COSTA SOUZA, deferiu parte dos pedidos de tutela de urgência para determinar que a empresa agravante apresente nos autos o projeto do empreendimento imobiliário e o cronograma das obras remanescentes, bem como proceda o reinício das obras, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, e a revitalização da área comum com a retirada de restos de construção, limpeza do local e o reforço das estruturas dos tapumes (Id. 7165334).
Em suas razões, a agravante requer a concessão do efeito suspensivo ao recurso até julgamento final, de modo a evitar maiores prejuízos.
Informa que entabulou Instrumento Particular de Distrato e Outras Avenças com a outra demandada, SPE Brookfield Contorno Leste Empreendimentos Imobiliários Ltda., onde, em comum acordo, extinguiram a parceria, sendo parte parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide.
Discorre, ainda, sobre a ilegitimidade do agravado para figurar no polo ativo da ação, uma vez que a legitimidade para pleitear a finalização da obra da Torre C do empreendimento imobiliário é do Condomínio, por meio do seu síndico.
Consigna que o agravado adquiriu uma unidade imobiliária na Torre A que se encontra finalizada e entregue.
Esclarece que o empreendimento foi programado para ser construído em etapas, conforme disposto nas Cláusulas 7.3.3 e seguintes do contrato, sendo que o Edifício de Torre C e a área comum a ele inerente fazem parte da última fase de construção.
Requer, ao final, o total provimento ao recurso, para que seja cassada em definitivo a decisão agravada, reconhecendo, ainda, a ilegitimidade ativa e passiva ad causam, bem como a falta de interesse processual da parte agravada.
Com as razões, junta documentos em anexo, dentre eles a guia de recolhimento e o comprovante de pagamento do preparo.
O pedido liminar foi deferido para suspender a decisão agravada apenas na parte que determinou o reinício das obras da Torre C, pertencente ao empreendimento denominado “Alvorada Cuiabá”, até a apreciação final do recurso. (Id. 7399963).
As contrarrazões não foram ofertadas. (Id. 7842949).
Foi procedida a associação/apensamento deste agravo ao de nº 1013669-96.2018.8.11.0000, para julgamento em conjunto.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Des. DIRCEU DOS SANTOS
Relator
V O T O R E L A T O R
A parte agravante visa obter a revogação da decisão de primeiro grau que deferiu parcialmente a tutela de urgência para obrigá-la a apresentar nos autos o projeto do empreendimento imobiliário de edifícios denominado “Alvorada Cuiabá”, bem como o cronograma de execução de obras remanescentes e, ainda, que reinicie a construção da Torre C, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, devendo revitalizar a área comum com a retirada de restos de construção, limpeza do local e o reforço das estruturas dos tapumes.
Pois bem.
De início, não conheço do recurso no que toca à alegação de ilegitimidade ativa e passiva, bem como a de falta de interesse processual, porque tais matérias não foram apreciadas pelo Juízo de origem e o seu conhecimento neste momento importa violação ao duplo grau de jurisdição.
Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE RECEBE A AÇÃO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO CONHECIDA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE QUE O FATO JÁ É APURADO EM SEARA PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. ART. 12, CAPUT, LEI Nº 8.429/1992. INEXISTÊNCIA DO ATO. INDÍCIOS APONTADOS NA DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ART. 17, § 8º, LEI Nº 8.429/1992. RECURSO DESPROVIDO.
Se a questão acerca da LEGITIMIDADE processual passiva não foi objeto da decisão recorrida, não poder ser apreciada por este Tribunal, sob pena de SUPRESSÃO de instância.
É perfeitamente possível que se apure, em diferentes instâncias, o mesmo fato indicativo de ato ímprobo nas suas mais diversas facetas jurídicas, de acordo com a competência de cada órgão, como autoriza a interpretação do art. 12, caput, da Lei nº 8.429/1992.
Para o recebimento da Ação de Improbidade Administrativa basta que na decisão, fundamentada, aponte-se os indícios de existência do ato ímprobo, não significando declaração de culpa ou de dolo do requerido. (TJMT. RAI 0016134-66.2016.8.11.0000, REL. DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 26/03/2018, Publicado no DJE 03/05/2018).
Quanto ao mérito, adianto que a inconformidade prospera em parte.
Nos termos do art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
In casu, verifico que não estão presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado do processo relação à determinação de reinício das obras de construção da Torre C, de modo que há motivos para reforma da decisão proferida.
É cristalino que o reinício das obras determinada pelo Juízo não se refere à torre onde está a unidade adquirida pelo autor/agravado (Torre A), que já foi concluída e entregue ao proprietário. Desse modo, entendo que é necessária uma análise pormenorizada acerca da legitimidade da parte requerente no ponto, bem como das disposições contratuais sobre a obrigatoriedade de conclusão da obra em detrimento da livre iniciativa da construtora.
Assim, por cautela, melhor que haja um aprofundamento da cognição e oportunização do contraditório antes da concessão de medida liminar, tendo em vista a ausência de elementos de prova nos autos – nessa etapa incipiente da demanda – a respaldar a alegação de que há desídia da parte agravante quanto à demora na consecução da última etapa do empreendimento imobiliário.
Ademais, não há risco ao resultado útil da demanda, na ponto em que o agravado persegue a conclusão da obra, uma vez que já está residindo no imóvel e eventual descumprimento do contrato será reparado ao final, não havendo justificativa para a determinação de medida que esgota o próprio objeto da ação principal, antes mesmo da angularização do feito.
Assim, tendo em vista o teor do artigo 300, § 3º, do Código de Processo Civil, o deferimento antecipado de ordem para construção de obra no empreendimento imobiliário conduz em evidente risco de irreversibilidade, o que é vedado pelo sistema processual civil.
Neste sentido:
(…) ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. (…) Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 1401560/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015).
Desta forma, considerando o acima exposto, entendo que a decisão merece ser reformada no ponto, para indeferir, no momento, o pleito liminar, de modo a aguardar o devido contraditório para, após, o juízo deliberar a respeito da responsabilidade da obrigação de fazer.
De outro lado, mantenho a determinação de apresentação do projeto de construção, bem como a de revitalização da área comum com a retirada de restos de construção, limpeza do local e o reforço da estrutura dos tapumes.
A probabilidade do direito se evidencia pelos documentos contidos na inicial, especialmente nas fotografias de Id. 4651070 e 4651071, em que ao menos neste momento processual, demonstram os fatos narrados na petição inicial.
Por sua vez, a urgência do pedido encontra-se respaldada no iminente prejuízo que o agravado possa vir a sofrer com a espera da tramitação do feito até a prolação da sentença, uma vez que o empreendimento imobiliário em que reside está com uma parte inacabada e foi tomado pelo mato. Nota-se pelas fotografias anexadas nos autos que a construtora deixou entulhos a céu aberto que, além de oferecer abrigo para ratos e outros animais peçonhentos, também colabora para o acúmulo de poça de água e surgimento de focos do mosquito da dengue, o que certamente causará doenças aos moradores.
Ademais, o empreendimento está “protegido” por “tapumes” ou muros de alumínio que precisam de reforço, devido ao desgaste do tempo, colocando em risco a segurança do agravado e de sua família.
Com tais considerações, conheço do recurso em parte e, nesta, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para cassar a decisão agravada no ponto em que determinou o reinício da construção da Torre C, pertencente ao empreendimento denominado “Alvorada Cuiabá”.
É como voto.
Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/07/2019