Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 5ª Turma Cível
Processo N. AGRAVO DE INSTRUMENTO 0728025-49.2019.8.07.0000
EDSON CHAVES DA SILVA,MARIANA BARBOSA CHAVES DA
AGRAVANTE (S) SILVA,LAURO CELIO ROCHA GONZAGA,LAIS CHAVES
GONZAGA,VERA LUCIA NUNES SOARES e YOHANNA NUNES SOARES TSUZUKI
AGRAVADO (S) IATE CLUBE DE BRASILIA
Relatora Desembargadora ANA CANTARINO
Acórdão Nº 1244253
EMENTA
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA.
PROBABILIDADE DO DIREITO. ALTERAÇÃO DO ESTATUTO SOCIAL DO CLUBE.
RESTRIÇÃO DE IDADE DE FILHA DEPENDENTE. INOBSERVÂNCIA DO QUÓRUM
ESPECÍFICO EM RAZÃO DA MATÉRIA. RISCO DE DANO. INDEVIDA RESTRIÇÃO DE
ACESSO AO CLUBE.
1. O Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 300, acerca do instituto da tutela de urgência,
destacando que sua concessão ocorrerá quando houver demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo
2. Embora o Estatuto Social do clube vigente à época da alteração admitisse a deliberação pela
Assembleia Geral com qualquer número de presentes, consta deste uma importante ressalva, uma vez que, dependendo da natureza da matéria, deve ser respeitado o quórum específico estabelecido no
estatuto.
3. Verificando-se que a alteração do Estatuto Social do clube réu, que estabeleceu que as filhas
dependentes ostentariam essa condição enquanto se mantivessem solteiras, somente até os 30 anos, e não mais sem limite de idade, não observou o quórum mínimo exigido, resta demonstrada a
probabilidade do direito dos autores.
4. O risco de dano grave ou de difícil reparação se consubstancia no fato de as dependentes mulheres que acabaram ou estão próximas de completar 20 anos serem excluídas do quadro de dependentes de seus respectivos genitores, ocasionando indevida restrição de acesso às instalações do clube réu.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, ANA CANTARINO – Relatora, MARIA IVATÔNIA – 1º Vogal e ANGELO PASSARELI – 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora ANA CANTARINO, em
proferir a seguinte decisão: CONHECER DOS RECURSOS.NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. , de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 22 de Abril de 2020
Desembargadora ANA CANTARINO
Presidente e Relatora
RELATÓRIO
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por EDSON CHAVES DA SILVA e outros em face da decisão ID 52396238 (autos de origem) que indeferiu o pedido de tutela de urgência para que o
réu/agravado, IATE CLUBE DE BRASÍLIA, se abstenha de excluir as autoras/agravantes –
MARIANA BARBOSA CHAVES DA SILVA, LAÍS CHAVES GONZAGA e YOHANNA NUNES SOARES TSUZUKI – da qualidade de dependentes de sócios patrimoniais proprietários, enquanto
permanecerem solteiras, até que sobrevenha decisão de mérito ao final do processo, uma vez que já
completaram 30 anos de idade.
Em suas razões recursais, os agravantes afirmam que há mais de quinze anos, em média, os
representantes legais das referidas agravantes adquiriram títulos de sócios patrimoniais do agravado
Iate Clube de Brasília, época em que os respectivos estatutos dispunham que as suas filhas tinham o
direito de permanecer dependentes enquanto mantivesse a condição de solteiras, sem limite de idade.
Esclarecem que, em novembro de 2014, no entanto, alterou-se o estatuto então vigente, para se
estabelecer no correspondente art. 28 que as novas dependentes femininas ostentariam essa condição
enquanto se mantivessem solteiras, porém agora somente até os 30 anos, e não mais sem limite de
idade, situação perfeitamente legal, dentro das atribuições previstas para serem normatizadas pelas
assembleias gerais do Clube, desde que essa alteração fosse aplicada apenas aos casos futuros, como
seria de se esperar, em respeito ao Princípio da Segurança Jurídica.
Informam que recentemente receberam uma correspondência do agravado, comunicando que as
dependentes supramencionadas, por já terem completado 30 anos, não mais poderiam frequentar o
Clube, a partir de primeiro de janeiro de 2020, em face do disposto no art. 140, das disposições
transitórias do Estatuto do Iate Clube de Brasília, que estabeleceu ficar resguardado “às filhas,
enteadas e irmãs solteiras que eram dependentes em 31/12/2014 o direito de assim permanecer até
31/12/2019”.
Alegam que a decisão agravada não merece prosperar, uma vez que não se encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico para se interpretar que uma restrição ilegal por “apenas” alguns meses não
configura ilegalidade.
que entendem que agressão ao direito pleiteado se efetivou somente em novembro passado, quando a Diretoria emitiu a Carta-Circular nº 1300/204/2019, de 06 de novembro de 2019, informando que “no dia 01 de janeiro de 2020 será efetuada a exclusão de sua dependente maior de 30 anos, por não se
enquadrar nos requisitos estatutários para permanecer como sua dependente, conforme disposto no
art. 28 do mesmo diploma normativo”.
Repisam os argumentos lançados na inicial acerca da aplicação do art. 28 do Estatuto do clube
agravado de forma retroativa, que entendem ilegal, violando o ato jurídico perfeito e o direito
adquirido, uma vez que já tinham incorporado ao seu patrimônio jurídico o direito subjetivo de que as dependentes femininas pudessem frequentar o Clube enquanto permanecessem solteiras, sem limite de idade, conforme condições ofertadas à época da compra dos títulos do Iate Clube de Brasília.
Pugnam, liminarmente, seja deferida a antecipação da tutela recursal para se determinar ao agravado
que se abstenha de excluir as agravantes MARIANA BARBOSA CHAVES DA SILVA, LAÍS
CHAVES GONZAGA e YOHANNA NUNES SOARES TSUZUKI da categoria de dependentes de
sócios patrimoniais proprietários, enquanto permanecerem solteiras, até o julgamento final do presente agravo de Instrumento, sob pena de fixação de multa.
Quanto ao mérito, requerem o provimento do recurso, confirmando-se o pedido liminar até o
julgamento final do processo de origem.
Preparo regular (ID 13377940 e 13395038).
Os agravantes requereram a juntada de documentos novos (ID 13401132), sob o argumento de que não conseguiram acesso à época do ajuizamento da ação, tendo ressaltado que Assembleia Geral do Iate
Clube de Brasília, de novembro de 2014, não atingiu o quórum qualificado de 1/7 dos associados,
conforme exigência do art. 65, inc. III, do estatuto vigente, para se promover a alteração das
disposições estatutárias, conforme já haviam destacado no item 2.2. da petição inicial.
Conforme decisão ID 13708788, foi deferido o pedido de antecipação da tutela recursal.
O agravado interpôs agravo interno (ID 13901378), sustentando, em suma, que a Assembleia-Geral
delibera, em primeira convocação, com a presença mínima da maioria absoluta da totalidade dos
fundadores e sócios patrimoniais (art. 65, inciso I, do Estatuto Social vigente à época), e, em segunda convocação, com qualquer número dos mencionados no inciso anterior (art. 65, inciso II).
Alega que a Assembleia Geral deliberou em segunda convocação, ou seja, com o número de presentes, não havendo dúvida de que o quórum qualificado (um sétimo) deve tomar por base os presentes, e isto aconteceu em decorrência da atualização do Código Civil, no ano de 2002, ocorrida para desengessar as associações (art. 59, inciso II e parágrafo único, CC).
Afirma que os requisitos para deferimento da tutela de urgência, in casu, não foram devidamente
preenchidos, seja porque não existe perigo na demora da avaliação do Poder Judiciário quanto ao caso concreto, seja porque o MM. Magistrado a quo foi induzido a acreditar que o quórum qualificado não teria sido respeitado, quando, na verdade, foi, inclusive, em consonância ao artigo 59, II, § único do
Código Civil, que preleciona que o quorum para deliberação da Assembleia para alteração estatutária será o estabelecido no Estatuto Social das associações, portanto, de 1/7 dos presentes.
Requer a reforma da decisão agravada para indeferir o pedido de antecipação de tutela.
Os autores apresentaram contrarrazões ao agravo interno (ID 14498333), pugnando pelo não
provimento do recurso.
Não houve apresentação de contrarrazões ao agravo de instrumento.
VOTOS
A Senhora Desembargadora ANA CANTARINO – Relatora
Conheço dos recursos, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.
A controvérsia trazida a esta seara recursal cinge-se em verificar a possibilidade de concessão da
tutela de urgência requerida pelos autores, no sentido de se determinar ao réu que se abstenha de
excluir as filhas com mais de 30 anos da categoria de dependentes de sócios patrimoniais
proprietários, enquanto permanecerem solteiras, até o julgamento da ação.
O Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 300, acerca do instituto da tutela de urgência,
destacando que sua concessão ocorrerá quando houver demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, conforme se vê:
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
Os autores defendem a impossibilidade de aplicação do art. 28 do Estatuto do clube réu de forma
retroativa, bem como que a Assembleia Geral de novembro de 2014, que promoveu a alteração de
referido dispositivo, não atingiu o quórum qualificado de 1/7 dos associados, exigido pelo art. 65, III, do Estatuto Social.
Com efeito, analisando-se a documentação juntada aos autos, verifica-se que, efetivamente, o Estatuto Social do clube agravado vigente à época da modificação ora questionada exigia quórum de 1/7 dos
votos dos Fundadores e dos sócios patrimoniais, conforme art. 61, II ‘b’, § 4º, e art. 65, III (ID
52366813 – autos de origem), o que aparentemente não foi observado, como se vê dos documentos ID 13401210 e 13401215 colacionados ao presente recurso.
Confira-se o teor de mencionada disposição:
“Art. 61 – A Assembleia-Geral reúne-se:
I. ordinariamente, nos anos ímpares, na primeira quinzena do mês de outubro, para eleger os
Conselheiros Efetivos do Conselho Deliberativo, o Comodoro e os Vice-Comodoros, que terão
mandato de dois anos, e os Suplentes de Conselheiro para o biênio.
II. extraordinariamente, após decisão do Conselho Deliberativo, sempre que for convocada nos
termos deste Estatuto para deliberar sobre:
b) alteração das disposições deste Estatuto;
c) alteração do número de sócios patrimoniais;
d) gravação ou alienação de bens imóveis do CLUBE, quando um terço dos sócios patrimoniais
proprietários e especiais, no pleno exercício dos seus direitos, fizerem requerimento justificado nesse sentido;
e) dissolução do IATE ou fusão com outra sociedade congênere;
f) dissolução do Conselho Deliberativo;
g) cassação do mandato de integrante da Comodoria ou do Conselho Deliberativo;
h) alteração do número de sócios patrimoniais familiares;
i) casos omissos neste Estatuto.
(…)
§ 4º – As deliberações sobre as matérias previstas nas alíneas b e g deste artigo serão tomadas em Assembleia-Geral Extraordinária convocada especialmente para esse fim, observado o disposto no art. 62, II, a, e art. 65 do Estatuto.” – grifei
“Art. 65 – A Assembleia-Geral delibera:
I. em primeira convocação, com a presença mínima da maioria absoluta da totalidade dos
Fundadores e dos sócios patrimoniais, proprietários e especiais, que estejam na plenitude dos seus
direitos estatutários;
II. em segunda convocação, com qualquer número dos mencionados no inciso anterior, que se
encontrem nas condições nele estipuladas, respeitado o “quorum” específico estabelecido neste
Estatuto, em virtude da natureza da matéria;
III. nas hipóteses das alíneas do inciso II do art. 61 deste Estatuto, com o voto concorde dos
Fundadores e dos sócios patrimoniais, na plenitude dos seus direitos estatutários, presentes à
Assembleia-Geral, com o mínimo dos quantitativos estipulados para as seguintes alíneas: a – um décimo; b e i – um sétimo ; c, d, g e h – um terço; e e f – dois terços.
Parágrafo único – Só será examinada pela Assembleia-Geral matéria debatida pelo Conselho
Deliberativo e encaminhada por ele àquele órgão.” – grifei
Quanto ao ponto, o réu sustenta em seu agravo interno que referido quórum se aplica somente para a primeira convocação, de modo que em segunda convocação, como ocorreu na espécie, seria permitida a deliberação com o número de presentes, devendo ser calculado o quórum qualificado a partir dos
sócios efetivamente presentes, conforme estabelecido no art. 65 do Estatuto Social vigente à época.
No entanto, verifica-se que, embora o inciso II do art. 65 admita a deliberação com qualquer número de presentes, consta deste uma importante ressalva, uma vez que dependendo da natureza da matéria, deve ser respeitado o quórum específico estabelecido no estatuto, e estes constam do inciso III, de
referido dispositivo.
De tal modo, a irresignação do réu não prospera.
Cumpre acrescentar que o risco de dano grave ou de difícil reparação se consubstancia no fato de as agravantes MARIANA BARBOSA CHAVES DA SILVA, LAÍS CHAVES GONZAGA e
YOHANNA NUNES SOARES serem excluídas do quadro de dependentes de seus respectivos
genitores, ocasionando indevida restrição de acesso às instalações do clube réu.
Ressalte-se que tal medida não é irreversível, caso se verifique assistir razão ao clube réu ao final do processo.
Por todo o exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao agravo interno.
CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para, confirmando a decisão liminar, determinar ao réu/agravado que se abstenha de excluir as autoras/agravantes MARIANA BARBOSA CHAVES DA SILVA, LAÍS CHAVES GONZAGA e YOHANNA NUNES SOARES da qualidade de dependentes do quadro social do clube, sob pena de multa de R$3.000,00 (três mil reais) para cada acesso negado às instalações do clube ou negativa de participação de atividades associativas, desde
que havidas após a regular intimação desta decisão.
É como voto.
A Senhora Desembargadora MARIA IVATÔNIA – 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI – 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
CONHECER DOS RECURSOS.NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. DAR
PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.