Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 7ª Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0711387-35.2019.8.07.0001
APELANTE (S) LUIZ CALDAS PEREIRA,VAILSON RODRIGUES DE SOUSA e CRISTIANO
PINTO CUNHA
APELADO (S) CONDOMÍNIO VILLAGE ALVORADA I
Relatora Desembargadora LEILA ARLANCH
Acórdão Nº 1233857
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DA
ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA. INSTITUIÇÃO DE MULTA CONDOMINIAL. AUSÊNCIA DE QUORUM QUALIFICADO. SENTENÇA REFORMADA.
1. A alteraçãoda Convençãodo Condomínioexige a presença de 2/3 (dois terços) dos condôminos,
não se fazendo necessário tal quórumquando a modificação for do Regimento Interno, a teor do que
dispõe o art. 1.351 do Código Civil (com a redação que lhe fora dada pela Lei nº 10.931/04). Ausente o quórum qualificado de 2/3 dos condôminos, caracterizado está o vício formal a macular de nulidade as deliberações assemblares aprovadas.
2. As normas que estabelecem regras de utilização das áreas comuns de modo a não comprometer a
salubridade, a segurança e o sossego coletivo, não são meras regras casuísticas e sim, normas
disciplinadoras das relações mantidas entre o Condomínio e os condôminos, que devem ser
obrigatoriamente observadas, inclusive, sob pena de aplicação de multa, a qual deve estar prevista na
convenção do condomínio.
3. Prevalece, portanto, a regra do § 2º do art. 1.336 do Código Civil que estatuiu o quórum qualificado da seguinte forma: “Art. 1.336. São deveres do condômino: IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. (…) § 2o. O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres
estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não
podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por
dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa”.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 7ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, LEILA ARLANCH – Relatora, GISLENE PINHEIRO – 1º Vogal e FÁBIO
EDUARDO MARQUES – 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora GISLENE
PINHEIRO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO.
UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 27 de Fevereiro de 2020
Desembargadora LEILA ARLANCH
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de ação de conhecimento, submetida ao procedimento comum, ajuizada por LUIZ CALDAS E OUTROS em desfavor de CONDOMÍNIO VILLAGE ALVORADA I, objetivando a anulação de
assembleia geral extraordinária, com pedido de tutela de urgência.
Narram os autores que em 20 de setembro de 2018, realizou-se assembleia geral extraordinária para
deliberar sobre os seguintes itens:
1) Ratificar e estabelecer multa por ato administrativo para as vedações estabelecidas na cláusula
quarta e sétima da Convenção de Condomínio;
2) Ratificar a Convenção Condominial;
3) Demarcar as ruas para estacionamento dos condôminos/visitantes;
4) Estabelecer normas quanto ao recolhimento de lixo;
5) Proibição de animais soltos com ou sem a presença do dono;
6) Seguir a lei de silêncio do GDF e
7) Autorizar o síndico a ingressar em juízo.
Alegam os autores que não foi observado o quórum de 2/3 (dois terços) dos condôminos para ratificar, modificar ou alterar a Convenção do Condomínio e assim, a aprovação da “multa por
descumprimento” se deu com um quórum inferior ao previsto na lei 4.591/64, devendo ser considerada nula.
Acrescentam como outra irregularidade a inobservância do prazo de publicação, uma vez que a
assembleia foi realizada no dia 20 de setembro e só fora registrada em 02 de outubro, ou seja, 12 (doze) dias depois, e não nos oito dias subsequentes à assembleia, consoante estabelece o parágrafo 2º, do art. 24 da Lei nº 4.591/64[1].
Foi requerida tutela de urgência para anular a aplicação da multa convencionada em assembleia,
alegando que os requerentes possuem contrato de locação de parte de suas unidades, sem, contudo,
caracterizar fracionamento dos imóveis.
No mérito, os requerentes Luiz Caldas e Vailson Rodrigues pretendem a devolução das multas
aplicadas: R$ 669,00 (seiscentos e sessenta e nove reais) em 28/02/2019 e R$ 1.392,00 (mil trezentos e noventa e dois reais) em 22/04/2019, totalizando R$ 2.061,00 (dois mil e sessenta e um reais) para cada um dos requerentes, isto é, um valor total de R$ 4.122,00 (quatro mil cento e vinte e dois reais)
corrigidos e atualizados.
Deferida, em parte, a tutela de urgência para suspender a aplicação da multa (ID 13190837, p. 01) e
determinada a citação do Condomínio réu.
Após a apresentação de defesa e réplica o juízo da 21ª Vara Cível de Brasília proferiu sentença (ID
13190862 pp. 01/04) julgando procedente em parte, o pedido da inicial.
O juízo a quo considerou que “a instituição de multas para a conduta que confere as unidades
destinação diversa daquela prevista para o condomínio é iniciativa que depende de quórum especial
não observado pelo requerido”.
Assim, asseverou a sentença que “a assembleia não padece de vício que invalide todo o seu texto, mas apenas as deliberações tomadas acerca dos três primeiros itens, o que afetará tão somente as
penalidades impostas a parte destes”.
Eis o dispositivo da sentença:
“Isto posto, julgo PROCEDENTES em parte os pedidos para declarar nulas as deliberações tomadas a respeito dos Itens 1, 2 e 3 da Assembleia Extraordinária do dia 20.09.2018, condenando o réu a
devolver as multas recolhidas com base nestas deliberações. Juros a contar da citação e correção a
contar do recolhimento. Fica resolvido o mérito nos termos do artigo 487, inc. I, do CPC. Metade das custas e honorários, no percentual de 10% do valor da condenação, pelo réu. Outra metade das custas e honorários no valor de R$ 500,00, pelos autores”.
Irresignados, os autores LUIZ CALDAS PEREIRA e VAILSON RODRIGUES DE SOUSA
interpuseram o recurso de apelação (ID 13190864, pp. 01/21), com preparo recolhido (ID 13190867,
pp. 01).
Em suas razões recursais sustentam que a assembleia realizada no dia 20/09/2018 deve ser considerada totalmente nula diante da materialidade dos vícios devidamente comprovados inerentes ao ato
convocatório, atos ilegais durante a assembléia e perda de prazo de publicidade conforme preceitua a
Convenção do Condomínio, e ainda quanto ao quórum não qualificado para as deliberações dos itens
da pauta.
Requerem a reforma da sentença para considerar nula a assembleia e para minorar os honorários
advocatícios arbitrados aos apelantes.
Contrarrazões não apresentadas (ID 13190874, pp. 01).
É o relatório.
[1] § 2º O síndico, nos oito dias subsequentes à assembleia, comunicará aos condôminos o que tiver sido deliberado, inclusive no tocante à previsão orçamentária, o rateio das despesas, e promoverá a arrecadação, tudo na forma que a Convenção previr.
VOTOS
A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH – Relatora
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Conforme relatado, cuida-se de apelação interposta pelos autores LUIZ CALDAS PEREIRA e
VAILSON RODRIGUES DE SOUSA contra a sentença de parcial procedência.
Na sentença objurgada o juízo a quo julgou procedentes em parte os pedidos da inicial para declarar nulas as deliberações tomadas a respeito dos itens 1, 2 e 3 da Assembleia Extraordinária do dia
20/09/2018, condenando o réu a devolver os valores das multas recolhidas com base nestas
deliberações, cujos montantes deverão ser acrescidos de juros a contar da citação e corrigidos desde o recolhimento.
Os honorários foram fixados da seguinte forma:
“Metade das custas e honorários, no percentual de 10% do valor da condenação, pelo réu. Outra
metade das custas e honorários, no valor de R$ 500,00, pelos autores”.
Tomando por incontroverso o fato de que não se encontravam presentes na assembleia 2/3 dos
condôminos votantes, o magistrado a quo considerou que as deliberações tomadas acerca dos itens 1, 2 e 3 (do Edital de convocação) são nulas por não atenderem a expresso comando legal, uma vez que tratam da criação de multas para as hipóteses de destinação equivocada do uso das unidades
individuais e da destinação de uso de vagas de estacionamento.
Quanto aos demais itens, a sentença asseverou ausente o vício quanto à observação do quórum, por
não se tratar de temas próprios à convenção do condomínio e sim, de “situações comezinhas de
administração do condomínio e do uso de áreas comuns, estas últimas típicas de regulação por meio de norma regimental” (ID 13190862, P. 03).
Analisando detidamente as provas dos autos, verifico que assiste razão, em parte, aos autores
apelantes.
Verifico que, de fato, os demais itens deliberados na assembleia extraordinária do Condomínio
Village Alvorada I, realizada em 20 de setembro de 2018, conforme documento juntado aos autos (ID 13190814, pp. 01/03) foram atingidos pelo vício reconhecido na sentença, pois, os itens 1, 2, 3, 4, 5 e 6 estabelecem previsão de multa por ato administrativo com previsão na convenção do condomínio.
O item 4, que trata dos dias de recolhimento de lixo, também delibera quanto ao recolhimento de
multa por ato administrativo em caso de descumprimento que não estava contemplada na convenção.
Igualmente, nos itens 5 e 6, que tratam, respectivamente, da proibição de animais soltos, com ou sem o dono ao leu lado e do respeito às normas da “Lei do Silêncio” do GDF, também estabelecem multa
por ato administrativo para o caso de descumprimento.
Apenas o item 7 que trata especificamente da autorização do Síndico para ingressar em juízo, não
estabelece a penalidade de multa por ato administrativo e trata de autorização que já existia na
Convenção.
A lei nº 4.591, de 16/12/1964 deixa a cargo da convenção do condomínio estabelecer a forma de
convocação das assembleias gerais e o quórum mínimo para os diversos tipos de votação.
Entretanto, na hipótese dos autos, a convenção do condomínio colacionada aos autos (ID 13190817,
pp. 01/06), especificamente na cláusula terceira – que trata da organização e do funcionamento do
condomínio, não faz qualquer menção ao quórum necessário para aprovação das deliberações em
assembleia geral ordinária ou extraordinária, ou traz qualquer deliberação a respeito da cobrança de
multa por infração às normas proibitórias.
Verifico, ainda, que os itens 4, 5 e 6 não representam meras regras casuísticas, passíveis de
regulamentação em regimento interno, e cuja aprovação/alteração não necessita de quórum especial
como, por exemplo, as regras de utilização de quadra de esportes ou piscina. Outrossim, os itens 4, 5 e 6, estabelecem regras proibitivas às quais todos os condôminos devem respeitar por representar
interesses da coletividade, uma vez que estão relacionadas ao prejuízo ao sossego, salubridade e
segurança de todos, isto é, também se enquadram no inciso IV do art. 1.336 do Código Civil.
As normas que estabelecem regras de utilização das áreas comuns de modo a não comprometer a
salubridade, a segurança e o sossego coletivo, não são meras regras casuísticas e sim, normas
disciplinadoras das relações mantidas entre o Condomínio e os condôminos, que devem ser
obrigatoriamente observadas, inclusive, sob pena de multa, a qual deve estar prevista na convenção do condomínio.
Prevalece, assim, a regra do § 2º do art. 1.336 do Código Civil que estatuiu o quórum qualificado da
seguinte forma:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira
prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes .
§ 2o. O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o
valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não
havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa. (Grifamos)
Ausente o quórum qualificado de 2/3 dos condôminos, caracterizado está o vício formal a macular de nulidade as deliberações assemblares aprovadas como alteração da Convenção de Condomínio.
Nesse sentido:
ESTACIONAMENTO. REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL POR DECISÃO JUDICIAL.
ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO. NECESSIDADE DE QUORUM QUALIFICADO.
1. A convenção de condomínio é o ato-regra, de natureza institucional, que disciplina as relações
internas entre os coproprietários, estipulando os direitos e deveres de uns para com os outros, e cuja força cogente alcança não apenas os que a subscreveram, mas também todos aqueles que
futuramente ingressem no condomínio, quer na condição de adquirente ou promissário comprador,
quer na de locatário, impondo restrições à liberdade de ação de cada um em benefício da
coletividade; e estabelece regras proibitivas e imperativas, a que todos se sujeitam, inclusive a
própria Assembleia, salvo a esta a faculdade de alterar o mencionado estatuto regularmente, ou seja, pelo quorum de 2/3 dos condôminos presentes (art. 1.351 do CC). Precedentes.
(…)
(REsp 1177591/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
05/05/2015, DJe 25/05/2015)
Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do autor para, reformando em parte a
sentença: a) declarar nulas as deliberações a respeito dos itens 1, 2, 3, 4, 5 e 6, da assembleia
extraordinária realizada em 20/09/2018.
Nos termos do disposto no parágrafo único, do artigo 86, do Código de Processo Civil, se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas processuais e
pelos honorários.
No tocante à verba honorária, considerando a sucumbência mínima dos autores, deve o apelado arcar com a totalidade dos honorários, mantido o percentual fixado em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação e, considerando o trabalho adicional do advogado em grau recursal, consoante
disciplina inscrita no artigo 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil[1], os honorários fixados na origem em 10% (dez por cento) devem ser majorados para 12% (doze por cento).
É como voto.
[1] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor:
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional.
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
A Senhora Desembargadora GISLENE PINHEIRO – 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador FÁBIO EDUARDO MARQUES – 2º Vogal Com o relator
DECISÃO
CONHECIDO. PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.