Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 3ª Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0710331-41.2018.8.07.0020
APELANTE (S) MARCIO LUIZ RIBEIRO DE SOUZA e FELIPE DE OLIVIO DERZI PINHEIRO
APELADO (S) FELIPE DE OLIVIO DERZI PINHEIRO e MARCIO LUIZ RIBEIRO DE SOUZA
Relator Desembargador ROBERTO FREITAS
Acórdão Nº 1241013
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL E APELO ADESIVO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MENSAGENS EM GRUPO DE “WHATSAPP” DE CONDOMÍNIO.
QUESTIONAMENTO SOBRE OBRAS EM UNIDADE AUTÔNOMA. EXPOSIÇÃO
VEXATÓRIA. INOCORRÊNCIA. FALSA IMPUTAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE
CORRESPONDÊNCIA. MATÉRIA RESERVADA À SEARA CRIMINAL. SUSPENSÃO DO
PROCESSO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA COM AÇÃO PENAL.
DESNECESSIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
1. Os grupos de condôminos formados em aplicativos de rede social, tal como o “whatsapp”, têm como escopo facilitar a comunicação e os debates sobre assuntos de interesse comum, não configurando
violação da intimidade ou exposição vexatória o questionamento feito por um dos condôminos acerca da regularidade de obra em determinada unidade autônoma, desde que não sejam dirigidas ofensas. 1.1. O condômino que questiona regularidade de obra está exercendo um direito de vizinhança, previsto no art. 1.277 do Código Civil.
2. O fato de o Réu ter mencionado na rede social que soube de uma notificação da AGEFIS acerca de irregularidade de obra do Autor não caracteriza dano moral, notadamente se foi a síndica do
condomínio, e não o Réu, que enviou cópia da notificação no grupo “whatsapp”, devendo ser
considerado ainda o fato de tal documento ser público e não ter sido entregue lacrado.
3. Nos fundamentos da reconvenção, o Réu alegou que o Autor imputou-lhe falsamente crime de
violação de correspondência, o que constituiu, além de outros argumentos, causa de pedir de
indenização por danos morais em reconvenção. 3.1. No entanto, não se verifica violação aos direitos de personalidade do Reconvinte quando este sequer é citado no procedimento criminal iniciado pelo Autor por falta de representação no prazo decadencial. 3.2. Já o ajuizamento da presente demanda, que teve
como apenas um de seus fundamentos a suposta violação de correspondência por parte do Réu, está
inserida no direito de ação do Autor, sendo que, uma vez julgada a ação improcedente, o Autor já é
onerado com os ônus da sucumbência, não havendo exercício abusivo da ação que justifique
condenação em danos morais em sede reconvencional. 3.3. No tocante à calúnia ou denunciação
caluniosa que o Reconvinte alega ter sofrido, tais alegações devem ser julgadas na seara criminal.
4. O art. 313, V, do CPC, disciplina a prejudicialidade externa que pode levar à suspensão do processo. 4.1. O Autor/Reconvindo narrou várias condutas do Reconvinte com o fito de lograr a indenização
pleiteada, sendo a imputação de violação de correspondência apenas uma das condutas narradas; assim, não é necessário aguardar o julgamento de ação penal que apurará o crime de calúnia ou denunciação
caluniosa, conforme denominado pelo Reconvinte, para julgar definitivamente o presente feito. 4.2.
Ainda que o pedido de suspensão do processo até o julgamento da ação penal tenha como escopo
apenas a majoração da indenização por dano moral fixada em reconvenção, também não merece
acatamento o pleito subsidiário, pois já restou afastada a condenação do Reconvindo em indenização
por danos morais, haja vista que apenas exerceu seu direito de ação ao manifestar uma pretensão que
reputava escorreita. 4.3. O excesso de demora na conclusão das obras também não confere ao
Réu/Reconvinte o direito à indenização por danos morais, uma vez que não há nos autos elementos de prova suficientes para concluir que o tempo de duração da obra era incompatível com seu projeto.
5. Apelo do Réu conhecido e desprovido. Apelo do Autor conhecido e parcialmente provido para
excluir a condenação em sede de reconvenção. Honorários recursais majorados com base no § 11 do art. 85 do CPC.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, ROBERTO FREITAS – Relator, ALVARO CIARLINI – 1º Vogal e
FÁTIMA RAFAEL – 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora FÁTIMA RAFAEL, em proferir a seguinte decisão: CONHECER DOS RECURSOS, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO
RECURSO DO AUTOR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU, UNÂNIME , de
acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 25 de Março de 2020
Desembargador ROBERTO FREITAS
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação cível e apelo adesivo (ID 13134857 e ID 13134866) interpostos contra a sentença de ID 13134849, confirmada pela decisão em embargos de declaração (ID 13134855), proferida em
ação de indenização por danos morais e reconvenção, sendo a ação julgada improcedente e a
reconvenção procedente.
Trata-se de ação de reparação por danos morais ajuizada por MÁRCIO LUIZ RIBEIRO DE SOUZA
em desfavor de FELIPE DE OLIVIO DERZI PINHEIRO.
O autor narra que é proprietário de duas unidades autônomas no edifício Naturalle, localizado em
Águas Claras. Relata que contratou um engenheiro civil e uma arquiteta para promover reforma em
ambas as unidades, sendo que os profissionais optaram por trocar as paredes de drywallpor material leve e mais resistente, no caso, blocos celulares. Assevera que em 2015 paralisou a obra no
apartamento da torre I e optaram pela continuação das obras na unidade da torre II. Aduz que em
abril de 2016 a síndica do condomínio enviou uma carta ao autor solicitando uma ART (Anotações de Responsabilidade Técnica) ou um RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), o que foi prontamente atendido, sendo enviado o RRT conforme solicitado.
Assevera que o réu, no dia 06/06/2016, foi ao apartamento que estava em reforma e entrou no local
para reclamar da demora da obra, momento em que viu a troca das paredes de drywall por blocos
celulares. Afirma que o réu postou, em grupos de whatsapp do condomínio, vários questionamentos
acerca da troca, sugerindo que a mudança de parede iria afetar a estrutura do prédio, o que causou
alarde entre os vizinhos. Sustenta que em razão dessa postagem uma outra moradora incitou os
demais condôminos a ligarem para o CREA. Afirma que, posteriormente, entregou ao condomínio um Laudo de Reforma Residencial e o ART , ambos assinados por Engenheiro Civil, mas ainda assim, o
CREA foi acionado, ocasião em que foi atestado pela autarquia que a obra era regular e não colocava em risco a estrutura do prédio.
Relata que a síndica, apesar de toda documentação apresentada, não liberou a continuidade da obra e denunciou as supostas irregularidades à AGEFIS. Após, a referida autarquia enviou-lhe uma
notificação, todavia, a síndica entregou o documento para outros condôminos, sendo que o réu postou o conteúdo da notificação nos grupos de whatsapp do condomínio. Aduz que o réu, com tal conduta,
teria cometido o crime de violação à correspondência, além de lhe expor de forma desnecessária e
vexatória perante os mais de 120 condôminos que estavam no grupo. Por tais motivos, pugna pela
condenação do réu ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de danos morais.
O réu apresentou a contestação e reconvenção, aduzindo que a obra realizada pelo autor se estendia por quase dois anos e, de fato, foi ao apartamento para perguntar aos funcionários quando ocorreria o término da reforma e se deparou com a colocação de uma parede que, no momento, supôs ser de
alvenaria. Relata que toda a situação deve ser vista dentro do contexto de que o prédio, não obstante ser novo, apresentou diversas trincas em peças estruturais e infiltração em lajes, sendo inclusive
objeto de Laudo emitido pelo CREA, recomendado o acionamento da defesa civil para levantamento
de eventuais responsabilidades da construtora.
Desse modo, narra que ficou preocupado com a execução e regularidade da obra efetuada pelo autor e, de fato publicou alguns questionamentos no grupo de moradores. No tocante à suposta prática de
crime de violação de correspondência do autor, afirma que não postou a notificação no grupo, apenas comentou o conteúdo do documento no whatsapp. Sustenta que a referida notificação não tinha cunho pessoal, uma vez que a verificação sobre a regularidade ou não da obra, era de interesse comum de
todos os condôminos.
Assevera que inexistem danos morais porquanto em nenhum momento violou a personalidade
subjetiva do autor. Contudo, formulou reconvenção pleiteando danos morais de R$ 10.000,00, tendo
em vista que o autor, de forma indevida, noticiou a prática de crime de violação de correspondência
em seu desfavor, causando-lhe diversos transtornos.
O autor apresentou a réplica e contestação à reconvenção (id. 28757313), refutando todos os
argumentos do réu, pugnando pela procedência de sua demanda.
Ambas as partes juntaram documentos.
DECIDO .
Sobreveio sentença (ID 13134849) . O Juízo a quo asseverou que os fatos ocorreram em virtude de
Autor e Réu enviarem mensagens no grupo de “whatsapp” do condomínio em que moram. Transcreveu o teor das mensagens enviadas.
Teceu considerações sobre a definição de dano moral.
Entendeu que o Réu, ao questionar a segurança da obra que o Autor estava realizando em seu
apartamento, apenas exerceu o direito previsto no art. 1.277 do Código Civil. Entendeu que, pelo teor das conversas, o Réu em momento algum expôs o Autor a uma situação vexatória que pudesse abalar sua honra subjetiva.
Mencionou que, com relação ao suposto crime de violação à correspondência do Autor, o Réu não
expôs a notificação emitida pela AGEFIS e endereçada ao Autor, tendo feito apenas um comentário, no grupo de “whatsapp”, sobre a aludida notificação.
Entendeu que, se a notificação estava na posse da administração do condomínio e esta indevidamente expôs o teor aos demais condôminos, cabe à administração responder por eventuais falhas. Ressaltou
que eventual existência de crime só pode ser aferida no âmbito do Juízo criminal. Mencionou que não foi o Réu quem causou a interrupção das obras no apartamento do Autor, mas sim a administração do condomínio.
Entendeu que o Autor suportou apenas um mero dissabor com a conduta do Réu, não sendo cabível
indenização por danos morais.
No tocante à reconvenção, entendeu que o Autor imputou falsamente a prática de crime ao Réu
(violação de correspondência), registrando boletim de ocorrência e ajuizando ação penal. Mencionou
que foi a administração do condomínio que mostrou o conteúdo da notificação da AGEFIS aos demais condôminos.
Entendeu que está configurado o dano moral sofrido pelo Réu/Reconvinte, pois teve que comparecer à delegacia e contratar advogado em razão da conduta criminosa que lhe foi imputada.
Fixou os danos morais devidos ao Réu/Reconvinte em R$ 2.000,00.
Eis o dispositivo da sentença:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor.
JULGO PROCEDENTE a reconvenção formulada pela parte ré para condenar o autor/reconvindo
ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente pelo INPC, a partir da data desta sentença (Súmula nº 362 do STJ), e acrescido de juros de 1% ao mês da data da citação.
Resolvo o mérito da demanda, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/15.
O Réu opôs embargos de declaração (ID 13134851), os quais não foram providos (ID 13134855).
O Autor apela (ID 13134857) . Alega que o Réu enviou no grupo de “whatsapp” inverdades sobre a
obra que o Autor estava fazendo em seu apartamento. Alega que, com isso, o Réu estava expondo o
Autor e amedrontando os demais condôminos.
Aduz que a obra era regular, o que foi atestado por engenheiro civil. Alega que foi notificado pela
AGEFIS, havendo a síndica entregado a notificação para que outros condôminos tomassem ciência do conteúdo, inclusive o Apelado. Alega que o Réu expôs o conteúdo da correspondência em um grupo de “whatsapp” com 120 pessoas, o que causou danos à personalidade do Autor.
Aduz que a violação de correspondência ou a divulgação de conteúdo configura danos morais in re
ipsa. Alega que houve abuso de direito do Réu ao expor o Autor em grupo de condomínio, enquanto
que poderiam ter conversado de forma privada.
Alega que inexistiram danos causados ao Réu, porquanto o Autor apenas exerceu seu direito de ação. Requer a reforma da sentença para que seja julgada procedente a ação e improcedente a reconvenção. Preparo recolhido (ID 13134859).
O Réu apresenta contrarrazões (ID 13134865).
O Réu apela adesivamente (ID 13134866) . Alega a necessidade de majorar o valor fixado a título de indenização por danos morais, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta do Autor/Apelado. Alega que o Autor cometeu crime de calúnia e/ou denunciação caluniosa ao imputar ao Réu o crime de violação de correspondência. Aduz que o Autor incorreu em litigância de má-fé, por ter modificado a narrativa dos fatos de acordo com sua conveniência.
Alega que o Autor expôs o Apelante a risco desnecessário ao iniciar uma reforma sem saber se a
estrutura do prédio suportava a construção, bem como incorreu em abuso de direito de propriedade por estar a obra durando quatro anos.
Requer a majoração da indenização por danos morais para R$ 10.000,00. Subsidiariamente, requer,
com base no art. 313, V, do CPC, a suspensão do processo até o julgamento da ação penal n.
2019.16.1.000812-2, que apura a conduta do Autor de falsa imputação de crime de violação de
correspondência.
Preparo recolhido (ID 13134868).
O Autor apresenta contrarrazões ao apelo adesivo (ID 13134871).
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
A controvérsia recursal consiste em analisar se houve exposição vexatória ou abuso de direito
praticado por uma ou ambas as partes em grupo de “whatsapp” capaz de dar azo à indenização por danos morais.
As conversas em “whatsapp” foram juntadas à petição inicial (ID 13134772 e ID 13134773).
No início da conversa que desencadeou todo o imbróglio, o Réu: i) relatou sua insatisfação com o
barulho da obra que estava durando meses; ii) disse que se deparou com paredes que pareciam de
cimento, o que o preocupou; e iii) destacou ao final da mensagem que, tendo em vista a repercussão
da alteração do piso da área comum, perguntava se esse tipo de obra do Autor não mereceria algum
cuidado.
Após isso, os condôminos começaram a debater sobre a possibilidade de construir paredes e sobre os requisitos para que a obra não fosse arriscada.
O Autor expôs suas explicações na mesma rede social, após o que foi contestado pela administração do condomínio, na pessoa de RITSUÊ, e não pelo Réu. A administradora alegou que o engenheiro do Autor não esclareceu os fatos, bem como que a documentação solicitada pela administração não foi
apresentada.
Em seguida, o Réu agradeceu os esclarecimentos prestados pelo Autor e elencou outros fatos/dúvidas que o preocupavam em relação à obra no apartamento deste.
Já no ID 13134773, o Réu mencionou que a administração do condomínio o informou que somente
foram apresentados laudos relativos às paredes depois de as obras terem se iniciado. Mencionou
também uma notificação enviada pela AGEFIS, atestando que a obra está em desacordo com os
projetos aprovados. O Réu, todavia, não colacionou no grupo de “whatsapp” cópia ou foto da
notificação.
Quem enviou no grupo cópia da notificação foi a administração do condomínio na pessoa de
RITSUÊ .
De acordo com as conversas em rede social juntadas pelo próprio Autor, as alegações de que o Réu o expôs indevidamente e o submeteu à situação vexatória não merecem acatamento.
O Réu apenas manifestou sua preocupação com a construção de paredes no apartamento do Autor, o que poderia comprometer a segurança na estrutura do prédio. No tocante à notificação da AGEFIS
endereçada ao Autor, apenas mencionou que ficou sabendo de seu teor por parte da administração do condomínio. Quem expôs cópia da notificação no grupo de “whatsapp” foi, em verdade, a
administração do condomínio, e não o Réu.
A preocupação do Réu que originou os questionamentos possui embasamento legal, conforme Código Civil que regula os direitos de vizinhança:
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a
localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites
ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Assim, de acordo com o teor das conversas e com base na declaração prestada pelo porteiro em
delegacia (ID 13134775), percebe-se que, se houve violação de correspondência ou divulgação
indevida de conteúdo, esta se deu por parte da administração do condomínio, e não por parte do Réu, o qual apenas mencionou que soube, pela administração, de uma notificação remetida pela AGEFIS.
Não houve abuso de direito cometido pelo Réu, uma vez que seus comentários direcionados ao Autor foram feitos em tom respeitoso e em meio de conversa que é normalmente utilizado para debater
assuntos de interesse da coletividade do condomínio.
Não merece acolhimento também a tese sustentada de que houve dano moral “in re ipsa”. O Autor
também utilizou o grupo de “whatsapp” como veículo de comunicação para reclamar de
comportamentos de condôminos, não podendo, assim, se beneficiar reclamando indenização por uma conduta semelhante à adotada por ele (ID 13134773).
Vale destacar que a 2ª Turma Cível deste TJDFT já apreciou demanda que teve o mesmo
contexto fático – as obras no apartamento do Autor e as conversas em grupo de “whatsapp” do condomínio -, sendo partes a esposa do ora Autor (PAULA GRAZZIANI GUERRA) e a síndica do condomínio (RITSUE ). Em tal julgado foi afastada a tese de cabimento de indenização por danos morais:
APELAÇÃO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AD CAUSAM REJEITADAS.
MENSAGENS DE CONDÔMINOS EM REDE SOCIAL ADSTRITA AO CONDOMÍNIO. WHATSAPP. DESENTENDIMENTOS. DIVULGAÇÃO DE NOTIFICAÇÃO DA AGEFIS NO MESMO GRUPO
CONDOMINIAL. IRREGULARIDADE EM OBRA EM UNIDADE IMOBILIÁRIA (APARTAMENTO). PREOCUPAÇÃO COM A ESTRUTURA DA EDIFICAÇÃO. NATUREZA PÚBLICA DO
DOCUMENTO. ATOS ILÍCITOS NÃO CONFIGURADOS. DANO MORAL INEXISTENTE.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A legitimidade ad causam consiste na
pertinência subjetiva da demanda, devendo ser aferida conforme a narrativa contida na inicial, nos
termos da teoria da asserção e, na hipótese, verifica-se que as alegações formuladas na peça
vestibular revelam a legitimidade da autora e da ré para composição dos polos ativo e passivo da
causa. A parte ré, ora apelada, efetuou comentários em aplicativo de grupo condominial que,
segundo a autora, teria ofendido seu direito de personalidade . Preliminares de ilegitimidade ativa e passiva rejeitadas. 2. A liberdade de expressão do pensamento representa um dos fundamentos que
amparam o Estado Democrático de Direito, devendo ser assegurada a todos, não podendo ser
exercida com abuso de direito, observando-se certos limites para que não sejam afetadas a honra, a dignidade e a imagem das pessoas. Logo, o apontado direito deve ser relativizado para a harmonia
de todos os princípios constitucionais vigentes. Assim, havendo colisão entre garantias
constitucionais, deve ser analisado o caso concreto, para que se verifique se a liberdade de expressão do pensamento foi exercida sem abuso de direito ou com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar
alguém. 3. Nessa linha de intelecção, as mensagens enviadas pelas partes no WhatsApp
configuraram simples dissabores a que estão sujeitos os que vivem em comunidade. E,
considerando as facilidades promovidas pelos aplicativos de mensagens instantâneas, é natural que o debate se desenvolva por esses meios e até mesmo de modo mais acirrado, pois não há contato
pessoal com o (s) interlocutor (es). Decerto, meras contrariedades, aborrecimentos e incômodos não possuem o condão de adentrar a esfera dos direitos da personalidade, afetando a dignidade da
pessoa humana e dando azo à indenização por dano moral. 4. Nem mesmo a publicação, na
referida rede social, de notificação da AGEFIS contra o cônjuge da autora tem aptidão para
configurar o dano moral. Isso porque, além de não constar o nome da autora no referido
documento, e a pretendida indenização reparatória constitui direito personalíssimo, o documento
possui natureza pública e não há notícia de que estivesse lacrado. Mais, dele constava que a obra
realizada pelo mencionado consorte, em apartamento localizado no condomínio, estava irregular, ante a inobservância dos projetos aprovados pelo órgão competente (CREA), com possível
repercussão na insegurança dos demais condôminos, sem olvidar ainda que a ré integrava a
administração do condomínio. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido.
(Acórdão 1203049, 07117408620178070020, Relator: SANDRA REVES, 2ª Turma Cível, data de
julgamento: 18/9/2019, publicado no DJE: 8/10/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
(grifo nosso).
O Autor juntou à inicial diversos documentos com o fito de atestar a regularidade das obras. No
entanto, o objeto da ação de indenização por danos morais deve ser o conteúdo das conversas trocadas entre os condôminos partes neste processo, a fim de aferir se houve exposição vexatória ou não.
Os documentos técnicos que demonstram a regularidade da obra se prestariam a impugnar eventual
paralisação de reforma determinada pelo condomínio, o que demandaria uma ação própria.
Assim, a análise dos documentos acerca da regularidade da obra não tem relevância no presente
processo, pois o que deve ser analisado é se houve afronta aos direitos da personalidade, em grupo de “whatsapp”, que justifique a condenação por danos morais.
Conforme dito acima, o Réu não usou de palavras ofensivas ao questionar na rede social a segurança da obra do Autor, sendo inclusive sua preocupação endossada por outros condôminos.
É certo que o Réu poderia ter estabelecido uma conversa privada com o Autor, mas o grupo de rede
social tem como escopo facilitar a troca de informações entre condôminos, o que não tem o condão de violar direitos de personalidade, desde que as conversas sejam travadas de forma respeitosa, o que foi observado pelo Réu.
Ademais, conforme mencionado pelo Réu no grupo de rede social em questão, percebe-se que os
condôminos já possuíam a praxe de discutir assuntos de interesse comum por meio deste veículo de
comunicação (ID 13134772, fl. 1):
(…)
Diante de toda repercussão da alteração do piso da área comum, pergunto se esse tipo de alteração não mereceria algum cuidado.
(…)
Assim, pelas conversas juntadas aos autos, não há como concluir que o Autor foi surpreendido com
essa espécie de indagação em grupo de “whatsapp”, tampouco que foi ofendido ou teve sua
intimidade violada. Desse modo, não lhe assiste razão no pedido de impor ao Réu a condenação em
indenização por danos extrapatrimoniais.
Passo à análise do pedido de reforma da sentença quanto à reconvenção.
Claras (2017.16.1.003994-3), o qual foi arquivado por falta de representação no prazo decadencial
sem que o Réu tivesse sequer tomado conhecimento. Mencionou também que a esposa do Autor já
havia acusado o Réu de injúria no grupo de “whatsapp” do condomínio em que moram.
O Réu também fundamentou que a excessiva demora na obra do apartamento do Autor causou-lhe
dano moral.
Pela análise das alegações e dos documentos juntados aos autos, entendo que não houve violação aos direitos da personalidade do Réu/Reconvinte.
Em primeiro lugar, o procedimento criminal, conforme dito pelo Réu, foi arquivado por falta de
representação do Autor dentro do prazo decadencial, antes mesmo de o Réu tomar conhecimento.
Assim, o Reconvinte não sofreu qualquer transtorno com este procedimento.
Já o ajuizamento da presente ação, que teve como apenas um de seus fundamentos a suposta violação de correspondência por parte do Réu, está inserida no direito de ação do Autor, sendo que, uma vez
julgada a ação improcedente, o Autor já é onerado com os ônus da sucumbência, não havendo, no
presente caso, exercício abusivo da ação que justifique condenação por danos morais em sede
reconvencional.
Acolher a fundamentação do Reconvinte, no sentido de que lhe é devida indenização em razão de a
presente ação ajuizada pelo Reconvindo ter se fundado em falsa imputação de violação de
correspondência, seria adotar a teoria concretista de ação, na medida em que, se não reconhecido o
direito pleiteado pelo Autor, seria a ação infundada e deveria pagar indenização ao Réu. Tal teoria não é albergada em nosso ordenamento.
No que tange à calúnia ou denunciação caluniosa que o Réu alega ter o Autor cometido, tais alegações devem ser julgadas na seara criminal, havendo o Réu inclusive já ajuizado a ação penal n.
2019.16.1.000812-2. Nesse ponto, merece destaque o art. 387, IV, do Código de Processo Penal,
segundo o qual o juiz criminal, em caso de sentença condenatória, poderá fixar valor mínimo para a
reparação dos danos.
Não merece acatamento o pedido subsidiário do Réu, feito no apelo adesivo, de suspensão do presente processo até o julgamento da ação penal, uma vez que, conforme explanado, a imputação feita pelo
Autor de violação de correspondência foi apenas um dos embasamentos do pedido de indenização por dano moral na ação principal, não havendo extrapolação dos limites do direito de ação pelo Autor e,
uma vez julgado improcedente, já se impõe ao Autor os ônus da sucumbência.
Nesse ponto, vale transcrever o preceito do inciso V do art. 313 do CPC:
Art. 313. Suspende-se o processo:
(…)
V – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de
relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa
prova, requisitada a outro juízo;
do processo.
No presente feito, não há prejudicialidade externa que justifique a suspensão. Isso porque o
Autor/Reconvindo narrou várias condutas do Reconvinte com o fito de lograr a indenização pleiteada, sendo a imputação de violação de correspondência apenas uma das condutas narradas.
Assim, não é necessário aguardar o julgamento de ação penal que apurará o crime de calúnia ou
denunciação caluniosa, conforme denominado pelo Reconvinte, para julgar definitivamente o presente feito.
Ainda que o pedido de suspensão do processo até o julgamento da ação penal tenha como escopo apenas a majoração da indenização por dano moral fixada em reconvenção, e não o
reconhecimento de ocorrência de dano moral, também não merece acatamento o pleito
subsidiário. Isto porque já restou afastada no presente caso a condenação do Reconvindo em
indenização por danos morais, haja vista que apenas exerceu seu direito de ação ao manifestar
uma pretensão que reputava escorreita .
O excesso de demora na conclusão das obras também não confere ao Réu/Reconvinte o direito à
indenização por danos morais, uma vez que a própria insurgência do Réu contra possíveis
irregularidades na obra podem ter obstado uma conclusão mais célere. Outrossim, não há nos autos
elementos de prova suficientes para concluir que o tempo de duração da obra era incompatível com
seu projeto.
A discussão acerca da regularidade da obra e de seu tempo de conclusão demandaria ação com objeto mais amplo do que o pedido de indenização por danos morais baseada em conversas de “whatsapp”. A reconvenção, por sua vez, de acordo com o art. 343 do CPC, deve ser conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, sendo que, no presente processo, não houve análise da efetiva
regularidade e tempo da obra, já que a pretensão indenizatória baseava-se em suposta ofensa e
exposição vexatória em grupo de “whatsapp”, sendo as obras no apartamento do Autor apenas o
contexto que gerou tais conversas em rede social.
Por fim, não verifico as hipóteses legais de litigância de má-fé por parte do Autor/Reconvindo, uma
vez que, de fato, houve discussão entre as partes no grupo de “whatsapp”, o que fez o Autor reputar
devida eventual indenização.
Desse modo, a sentença merece parcial reforma para excluir da condenação do Autor a indenização
por danos morais devidas ao Réu/Reconvinte.
Fica prejudicado o pedido do Réu/Reconvinte de majoração do valor da indenização.
Ante o exposto, CONHEÇO do apelo do Réu e NEGO-LHE PROVIMENTO . CONHEÇO do
apelo do Autor e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO , para excluir a condenação em indenização por danos morais fixada em sede de reconvenção.
Por se tratar de matéria de ordem pública, retifico de ofício a fixação de honorários advocatícios, com base no art. 85, §§ 1º e 2º, do CPC. Na ação principal, o Autor pagará honorários advocatícios ao
patrono do Réu que ora fixo em 10% sobre o valor da causa. Na reconvenção, o Réu pagará
honorários advocatícios ao patrono do Autor que ora fixo em 10% sobre o valor da reconvenção.
Majoro os honorários, na ação principal e na reconvenção, de 10% para 12% sobre o valor atualizado das demandas, com esteio no § 11 do art. 85 do CPC.
O Senhor Desembargador ALVARO CIARLINI – 1º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora FÁTIMA RAFAEL – 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
CONHECER DOS RECURSOS, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU, UNÂNIME