Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 6ª Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO 0703860-03.2017.8.07.0001
CONDOMÍNIO DO BLOCO F DA SQN 111,NIELSE TORRES RIBEIRO DE
APELANTE (S) CASTRO,JAQUELINE DA SILVA ALVES e SELMA AZEREDO
CASAGRANDE
JAQUELINE DA SILVA ALVES,SELMA AZEREDO
APELADO (S) CASAGRANDE,CONDOMÍNIO DO BLOCO F DA SQN 111 e NIELSE
TORRES RIBEIRO DE CASTRO
Relator Desembargador ESDRAS NEVES
Acórdão Nº 1123691
EMENTA
APELAÇÕES CÍVEIS. CONDOMÍNIO. ASSEMBLEIA. REDEFINIÇÃO DA METRAGEM DA
GARAGEM. DIREITO DE PROPRIEDADE. QUÓRUM ESPECIAL. NÃO RESPEITADO.
CONDÔMINO PREJUDICADO. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. DANOS MATERIAIS. INEXISTÊNCIA. Nos termos do artigo 1.351, do Código Civil, depende de aprovação de quórum especial a decisão que determina a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária. Os condôminos não podem ser prejudicados por decisão assemblear que não respeitou o quórum especial para votação. Não há tratamento diferenciado, quando a síndica
exige, para fins de autorização de obra em unidade imobiliária, a documentação padronizada pelo
condomínio e de todos requerida. A agressão à autora por parte de outro morador, após discussão
acerca das vagas de garagem, não decorre direta e imediatamente da decisão assemblear, mas, sim, do censurável descontrole do condômino agressor, de modo que o fato não pode ser imputado ao
condomínio. A indisponibilidade das gravações desta agressão, além de não causar dano
extrapatrimonial, foi devidamente justificada pelo condomínio mediante laudo da empresa de
segurança no sentido de que o arquivo foi corrompido. Diante da ausência de prova de que a síndica
agia com preconceito para com as autoras, mormente quando há diversas provas de que a animosidade entre as partes decorria apenas de controvérsias relacionadas aos assuntos do condomínio, não é
possível condená-la por dano moral. O dano material pode consistir em dano emergente (diminuição de patrimônio) ou em lucros cessantes (valor que razoavelmente deixou de ganhar). Embora a vaga de
garagem das autoras tenha sido diminuída, isto não lhes causou danos materiais, porque os valores
pagos a título de IPTU/TLP e de despesas de condomínio, no caso em análise, consideravam a unidade por si só, e não a metragem, de modo que as autoras não pagaram valor a maior. Também inexiste, in casu, direito de as autoras serem indenizadas por lucros cessantes, porquanto continuaram a utilizar a
vaga de garagem e não pretendiam alugá-la para terceiros e, por consequência, não deixaram de lucrar com o bem.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, ESDRAS NEVES – Relator, CARLOS RODRIGUES – 1º Vogal e VERA
ANDRIGHI – 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES, em
proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. DESPROVIDO. UNÂNIME., de acordo com a ata do
julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 12 de Setembro de 2018
Desembargador ESDRAS NEVES
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por NIELSE TORRES RIBEIRO DE CASTRO (ré),
CONDOMÍNIO DO BLOCO F DA SQN 111 (réu) e, adesivamente, por JAQUELINE DA SILVA
ALVES e SELMA AZEREDO (autoras) contra a sentença proferida pelo Juízo da Quarta Vara Cível de Brasília, que, nos autos da ação de obrigação de fazer c/c declaratória de nulidade de AGE e
indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais, julgou parcialmente procedentes os pedidos
formulados na lide principal e condenou o condomínio requerido a se abster de usar o espaço
demarcado como estacionamento de motocicletas entre a vaga de garagem da unidade 202 e 102 e a
coibir os demais condôminos de utilizar o referido espaço, com exceção dos moradores dos respectivos apartamentos, e julgou improcedente o pedido reconvencional. Na ação principal, em face da
sucumbência recíproca e não proporcional, as partes foram condenadas ao pagamento de honorários
advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa pela parte autora, o que implica uma
condenação de R$15.216,90. Ainda, foi distribuído o ônus do pagamento dos honorários na seguinte
proporção: 80% do valor da condenação deverá ser arcado pela parte autora, sendo 40% para cada
autora, uma vez que não são credores solidários; e 20% do valor da condenação deverá ser arcado pelo condomínio requerido. No tocante à lide reconvencional, foi determinado que a segunda
requerida/reconvinte arque com as custas processuais e com o pagamento de honorários advocatícios
em favor da parte autora/reconvinda, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, o que implica uma condenação de R$ 2.000,00 (ID 4581916).
Em suas razões recursais (ID 4577358), a ré NIELSE TORRES RIBEIRO DE CASTRO sustenta, em síntese, que a sentença, apesar de indeferir o pedido de indenização por danos morais, não condenou a parte autora/apelada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor da
parte apelante. Argumenta que, pela redação da sentença, sequer é possível saber o quantum
condenatório relativo a custas processuais e honorários advocatícios que deverá ser destinado à
apelante, incompatível com o que determina o artigo 85, caput, da Lei Processual. Diz que a sentença não estabeleceu os critérios de atualização e aplicação dos juros moratórios em relação à condenação
em custas e honorários advocatícios que serão arcados pela parte autora, limitando-se a fixar balizas
para a condenação da apelante.
Ao final, requer o provimento do recurso, para: i) cassar a parte do dispositivo referente à condenação da autora ao pagamento dos ônus sucumbenciais, eis que não determina a condenação a ser custeada
pela parte apelada em prol da apelante, devendo haver condenação expressa das autoras/recorridas ao pagamento de custas e honorários advocatícios para ambas as partes do polo passivo da presente
demanda (1º requerido – Condomínio e 2ª requerida – a Sra. Nilse, ora apelante); ii) requer a reforma da v. sentença vergastada, para estipular a atualização e aplicação dos juros sobre a condenação da
parte autora, ora apelada, de acordo com o que determina o art. 85, § 16º, do CPC; iii) a condenação da apelada nas custas processuais e honorários advocatícios em fase recursal, nos termos do art. 85, § 11º, do CPC.
Preparo recolhido (ID 4577359).
O réu CONDOMÍNIO DO BLOCO F DA SQN 111, nas razões do seu apelo (ID 4577361), argumenta que o artigo 1.353, do Código Civil Brasileiro, estabelece que, em segunda convocação, a assembleia
geral dos condôminos poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido
quórum especial. Aponta que a convenção do condomínio não determina qualquer quórum específico
para o assunto que fora tratado na AGE ora hostilizada (AGE de 08/10/2009). Diz que o magistrado de origem partiu de premissa equivocada, induzido a erro pelas autoras, no sentido de que houve alteração no tamanho da propriedade delas, o que atrairia a exigência do quórum da unanimidade dos
condôminos para tratar do assunto (ex vi do artigo 14, alínea c, da Convenção); ocorre que tal fato
não ocorreu, uma vez que, desde quando o condomínio foi constituído, sempre existiu uma área
comum entre as vagas de garagem das unidades 102 e 202, destinada ao estacionamento de bicicletas
ou motos e o mesmo acontece entre as vagas de garagem das unidades 607 e 608, assim como ao lado das vagas de garagem das unidades 103 e 201. Esclarece que o que se decidiu na AGE do dia
08/10/2009 é que tais locais, espaços comuns pertencentes ao condomínio, seriam destinados ao
estacionamento exclusivo de motocicletas e, portanto, essa decisão não precisaria ter qualquer quórum qualificado, bastando que fosse aprovada por maioria dos condôminos presentes, como de fato ocorreu. Defende a inaplicabilidade do disposto no artigo 1.351, do Código Civil. Assevera que as autoras,
embora regularmente convocadas, confessam que não compareceram à assembleia. Afirma que nunca houve modificação no espaço, porém o meio de prova para essa afirmação foi impedido pelo
magistrado de origem, que indeferiu a prova pericial requerida pelo apelante. Expõe ter sido feito, ao
longo do tempo, apenas manutenção das pinturas das faixas e demarcações das vagas de garagem. Frisa que as recorridas sequer indicam e provam qual era o tamanho da sua vaga de garagem anterior à AGE do dia 08/10/2009 e posteriormente à deliberação. Alega que, no caso presente, não só pelo contido em Convenção Condominial, mas também pelo previsto na matrícula de cada um dos 48 apartamentos,
resta claro que não há vagas de garagem autônomas, mas a existência de “Direito de uso de vagas
previamente demarcadas em área comum, que não se separa da fração”. Por fim, sustenta que a decisão tomada na assembleia de 08/10/2009 não passa de exercício regular de um direito do condomínio (da
maioria), previsto no § 1º, do artigo 63, da Convenção, sendo que naquela decisão não houve
modificação na forma de distribuição das vagas existentes, muitos menos o aumento ou diminuição de nenhuma vaga de garagem.
Pleiteia: i) que seja conhecida e provida a presente apelação, para reformar parcialmente a r. sentença
vergastada do juízo de primeiro grau e julgar improcedentes todos os pedidos iniciais e a consequente redistribuição dos ônus sucumbenciais; ii) a majoração dos honorários advocatícios de sucumbência já fixados em favor dos patronos do apelante, a teor do que dispõe o § 11, do artigo 85, do NCPC.
Preparo comprovado (ID 4577362).
Contrarrazões apresentadas pelas as autoras contra os recursos de ambos os réus no ID 4577366, pelo desprovimento das apelações interpostas.
As autoras, por sua vez, interpuseram apelação adesiva (ID 4577367). Nas suas razões, argumentam
que a decisão de mérito não analisou integralmente o pedido “a.2” apresentado na petição inicial, haja vista a decisão não abranger todos os pedidos ali apresentados, de igual forma não analisados em sede de embargos declaratórios, quais sejam: a) a condenação do condomínio ao pagamento de indenização, a título de danos morais, valor esse calculado com base nas 47 unidades que restaram silentes perante
os fatos narrados, que se mostram evidentemente irregulares; b) a condenação do condomínio ao
pagamento de indenização, a título de danos morais, em face à condescendência com as ilegalidades
apontadas na inicial; e c) a condenação do condomínio ao pagamento de indenização, a título de danos morais, pelas consequências das irregularidades – agressão física sofrida pela embargante em face da
discussão acerca de sua propriedade. Salientam que, conforme jurisprudência pacífica no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, que segue na mesma linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça,
o condômino inadimplente, quando impedido de utilizar área comum deve ser indenizado por danos
morais. Destacam que o ato ilegal de violação da propriedade foi reconhecido pela sentença. Sustentam que as recorrentes ficaram inviabilizadas de utilizar de parte de sua propriedade em virtude da
destinação ao uso incondicionado pelos demais condôminos, possuidores de motocicletas, ao passo que realizaram o pagamento da taxa condominial e IPTU da aludida área, para fins de uso e fruição pelos
terceiros, contrariamente à vontade das apelantes. Defendem que o prejuízo material das recorrentes é evidente, em face do enriquecimento indevido por parte dos demais condôminos. Aduzem o dever do síndico de comunicar aos moradores acerca das decisões tomadas em assembleias, no caso em tela
especificamente quanto às decisões tomadas na AGE da data de 08/10/2009. Narram que, na data de
11/06/2015, a recorrente Selma foi agredida pelo Sr. Gustavo Garcia Santos, seu vizinho que utiliza o espaço ao lado da vaga daquela para estacionar a sua moto. Dizem que a síndica do condomínio, após as apelantes informarem a realização de reforma no apartamento, passou a exigir o preenchimento de
alguns formulários para que pudesse ser autorizado o início das obras, formulários estes que não
existem na Convenção, Regimento Interno ou Ata de Assembleia, ou que foram previamente
apresentados aos moradores para que tomassem conhecimento quando da realização de obras.
Asseveram que, segundo depoimento da testemunha Sr. Albérico de Souza Sá Teles, documento de nº 13056298 – pág. 3, foram realizadas exigências para as apelantes que não foram realizadas para as
demais obras no edifício, situação que enseja danos morais, passíveis de indenização. Destacam, ainda que, conforme depoimento do Sr. Dagorberto Justiniano Ferreira, arquiteto responsável pela realização das obras no apartamento das apelantes, de documento nº 11889788 – pág. 9/10 dos autos, é possível
verificar a existência de tratamento diferenciado em relação às recorrentes. Relatam preconceito por
parte das apeladas, em virtude da opção sexual das apelantes. Alegam que, além do dano perpetrado
por preconceito, a síndica recorrida sempre realizou comentários de índole intolerante e jocosos sobre as apelantes para os demais condôminos, para que todos tivessem a clara ideia de que eram elas as
únicas pessoas problemáticas do condomínio, ou as que causavam todos os problemas.
Ao final, pedem a reforma da sentença, com o escopo de condenar o condomínio: i) ao pagamento de danos materiais às recorrentes, na modalidade de lucros cessantes, no importe de R$5.169,05, referente ao imposto, taxa condominial e aluguel da vaga de garagem esbulhada, nos termos do artigo 952 do
Código Civil; ii) ao pagamento de R$47.000,00, a título de danos morais, valor esse calculado com
base nas 47 unidades que restaram silentes perante os fatos narrados, que se mostram evidentemente
irregulares, sendo, consequentemente, condescendentes com as ilegalidades apontadas e pelas suas
consequências – agressão física (sofrida na defesa da posse da propriedade), haja vista todos os anos
que ficaram sem poder usufruir de sua propriedade. Também requerem a condenação da Sra. Nielse
Torres: i) ao pagamento de R$50.000,00, a título de indenização por dano extrapatrimonial, em virtude de preconceito contra as recorrentes, correspondendo a R$25 mil para cada; ii) ao pagamento de
R$50.000,00, a título de indenização por dano extrapatrimonial, em virtude da difamação perpetrada à imagem e honra das apelantes, correspondendo a R$25 mil para cada. Por fim, pleiteiam a condenação dos recorridos ao pagamento de honorários advocatícios e das custas processuais.
As custas processuais foram recolhidas no ID 4577369.
Sem contrarrazões quanto ao recurso adesivo (certidão de ID 4577371).
É o relatório.
VOTOS
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.
APELAÇÃO DA RÉ NIELSE
De início é preciso afastar a alegação de nulidade da sentença por supostamente não ter fixado
montante devido pelas apeladas à parte apelante, a título de honorários sucumbenciais e custas
processuais. A sentença vergastada está clara no sentido de arbitrar, na lide principal, honorários no
montante de 10% do valor da causa, sendo que as autoras arcariam juntas com 80% das custas
processuais e da verba honorária. Vejamos (ID 4577346 – Pág. 11):
Considerando as novas regras previstas no artigo 85 e seus parágrafos do Código de Processo Civil,
em face da sucumbência recíproca e não proporcional, arcarão as partes com o pagamento de
honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa pela
parte autora o que implica uma condenação de R$ 15.216,90 (quinze mil, duzentos e dezesseis reais e noventa centavos).
Distribuo o ônus do pagamento dos honorários na seguinte proporção: 80% do valor da condenação
deverá ser arcado pela parte autora, sendo 40% para cada autora, uma vez não são credores solidários; e 20% do valor da condenação deverá ser arcado pelo condomínio requerido.
Por óbvio, o polo passivo, no presente caso, é composto por dois réus, o condomínio e a ora apelante, entendendo-se neste caso que a verba sucumbencial foi distribuída de forma igualitária em favor dos requeridos.
Há outro fato que torna desnecessária esta discussão. Ambos os réus estão sendo defendidos pelo
mesmo patrono, de modo que a mesma pessoa receberá integralmente os honorários devidos pelas
autoras/apeladas. Ou seja, pouco importa a suposta indeterminação alegada pela apelante.
Quanto ao argumento de indefinição dos critérios de atualização e incidência de juros moratórios,
cabe esclarecer que os honorários fixados em percentual aplicam-se ao valor atualizado da causa
(artigo 85, § 2º, da Lei Processual), de modo que a correção monetária conta-se a partir do
ajuizamento da ação, sendo os juros moratórios devidos desde o trânsito em julgado (artigo 85, § 6º, da Lei Processual). É imposição legal, o que prescinde de manifestação expressa na sentença.
Ademais, constou no título judicial esta baliza, que embora mencionada quanto à lide reconvencional, aplica-se à lide principal, seja porque estabeleceu a forma de atualização e de aplicação de juros sobre os honorários, seja porque reflete determinação legal cogente. Confira-se (ID 4577346 – Pág. 11):
O valor deverá ser atualizado monetariamente (INPC) a partir da propositura da reconvenção, ou seja, 29.05.2017 (art. 85, § 2º, do CPC) e acrescidos de juros de mora a partir do trânsito em julgado (art.
85, § 16º, do CPC).
Assim, não há o que ser alterado.
O Condomínio defende, na fundamentação do recurso (não há pedido expresso de anulação da
sentença), cerceamento de defesa em relação ao indeferimento da prova pericial, pela qual o apelante buscava demonstrar a inexistência de alteração das vagas de garagem. Ainda, argumenta a
regularidade da alteração promovida pela AGE de 08/10/2009.
Não houve cerceamento de defesa, uma vez que um dos pontos controvertidos da lide, que diz
respeito ao recurso do condomínio, é a legalidade do ato assemblear de 08/10/2009 (vide decisão de
saneamento de ID 4577297). Esta análise requer um juízo acerca do direito aplicável e, assim, torna-se completamente desnecessária a produção de prova, mormente pericial.
Acrescento que a versão do réu/apelante é no sentido de que a parte destinada ao estacionamento de
motocicletas não integra a vaga de garagem, mas pertence à área comum do condomínio. Para
averiguar esta alegação, é desnecessária a produção de outras provas, bastando os documentos
acostados aos autos.
Portanto, não há nulidade da sentença. Passo a apreciar a alegação de error in judicando atinente à
regularidade da decisão condominial.
É incontroverso que as decisões tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, realizada no dia
08.10.2009, foram aprovadas por apenas 10 dos 48 moradores do condomínio, conforme ata de ID
4577222, que inclui a determinação de que, dentre outros, o local existente entre as vagas dos
apartamentos 102 e 202 seria destinado ao estacionamento de motos.
Diferentemente do alegado pelo réu/apelante, o objeto de deliberação não foi área comum do
condomínio, mas, sim, o tamanho de algumas vagas de garagem, dentre elas, a das autoras.
Veja-se que o imóvel das autoras possui expressamente como parte integrante a vaga de garagem nº
202, nos termos da certidão de matrícula atualizada do bem (ID 4577215 – Pág. 1). Trata-se de vaga
autônoma e determinada, vinculada diretamente à unidade imobiliária e que compõe sua fração ideal. Assim, não possui razão o condomínio, quando alega que não há vagas de garagens autônomas
naquele prédio.
A própria Convenção do Condomínio réu, no artigo 63, assegura a utilização privativa da vaga de
garagem correspondente a cada apartamento. Ainda, explicita que deverá ser respeitada a distribuição existente na sua data de aprovação. Veja-se (ID 4577218 – Pág. 5):
Artigo 63 – A cada apartamento fica assegurado, em caráter permanente, o direito de utilização de
uma das vagas na área da garagem, inclusive pelos seus moradores e locatários, respeitada a
distribuição existente na data de aprovação desta Convenção, de acordo com o croqui que passa a
integrar, como anexo, o presente instrumento, identificadas pelos números dos apartamentos.
Analisando o croqui mencionado no referido artigo, acostado no ID 4577220, verifico que não houve uma distribuição igualitária dos espaços destinados às vagas de garagem, uma vez que as vagas
localizadas entre pilastras contam com um espaço maior, em decorrência do recuo formado pelos
obstáculos (pilastras).
Art. 2º Cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive (VETADO) edifício-garagem, com ressalva das restrições que se lhe
imponham.
§ 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou
conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das
restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será
vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração
ideal específica de terreno .(g.n.)
Cumpre destacar que este formato permaneceu válido por cerca de 25 anos, quando, em 2015, o
condomínio resolveu concretizar a decisao de 2009 e realizou a pintura de remarcação das vagas.
Portanto, para alterar esta delimitação (caso fosse possível), inegavelmente seria exigido quórum
especial, de acordo com o artigo 1.351, do Código de Processo Civil:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da
convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação
pela unanimidade dos condôminos.
Apesar de o recorrente fundamentar seu recurso no artigo 1.353, do Código Civil, cumpre esclarecer
que esta norma ressalva expressamente a previsão de quórum especial. Confira-se:
Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembléia poderá deliberar por maioria dos votos dos
presentes, salvo quando exigido quorum especial . (g.n.)
Inclusive, a própria Convenção do Condomínio regulamenta o tema no mesmo sentido. Vejamos (ID 4577217 – Pág. 6):
Artigo 14 – Será exigida aprovação unânime dos Condôminos do Edifício – votos favoráveis dos
possuidores das 48 (quarenta e oito) unidades autônomas – para as seguintes matérias:
(…) c) decisão sobre assunto que altere o direito de propriedade dos Condôminos.
Portanto, a decisão atacada pelas autoras padece de vício, ao menos, formal, por não ter respeitado
quórum qualificado, e, por consequência, não pode afetar os condôminos prejudicados.
Repise-se que a vaga de garagem, na dimensão total em que foi distribuída, está vinculada ao
apartamento da autora tratando-se uma extensão do seu direito de propriedade.
Esse fato, por si só, afasta a alegação do condomínio requerido de que se trata de “vaga excedente”
e/ou “ vaga sobressalente” e que, por isso, é uma área comum cuja modificação pode ser livremente
deliberada em assembleia, sem a necessidade de quórum qualificado.
Como se não bastasse, não há referência a nenhuma vaga de garagem na “descrição das coisas de uso e propriedades comuns do prédio”, constante no art. 2º, alínea a da Convenção (ID 6328221 – págs. 1/2).
Desse modo, a improcedência do presente recurso é medida que se impõe.
APELAÇÃO DAS AUTORAS
As apelantes, também de forma implícita, alegam omissão do Juízo de origem acerca dos pedidos
autorais, o que não prevalece, uma vez que a sentença analisou de forma integral a lide na forma
proposta. Veja que a decisão analisou adequadamente a lide rebatendo os argumentos apresentados, ao entender que os atos narrados na inicial não são suficientes para ensejar as condenações pretendidas.
Ademais, a improcedência do pleito indenizatória não significa omissão.
De outro lado, em verdade, pelo teor do recurso, as autoras buscam a reforma do julgado, e não sua
cassação.
Quanto ao mérito propriamente dito, observa-se que a lide surge, em especial, de uma aparente
animosidade entre as autoras e a síndica do condomínio, que vivenciam relação conturbada; tanto isso é verdade, que pleiteiam, umas contra as outras, indenização por dano moral. O fato é que uma relação desgastada, por si só, não gera um dever de indenizar, devendo verificar se estão presentes os
pressupostos da responsabilidade civil.
Destaco, ainda, que as autoras manejam pedidos indenizatórios distintos e independentes contra o
condomínio e a síndica, por fatos também diferentes. Assim, os pedidos devem ser analisados
separadamente, até para melhor sistematização do voto e prestação de tutela jurisdicional clara.
CONDENAÇÃO DO CONDOMÍNIO
As autoras/apelantes entendem que devem ser indenizadas pelo condomínio, a título de dano material, em decorrência da restrição do uso da vaga de garagem, bem como por dano moral, pelos seguintes
fatos: i) com base nas 47 unidades que restaram silentes perante os fatos narrados, que se mostram
evidentemente irregulares; ii) em face à condescendência com as ilegalidades apontadas na inicial; e
iii) pelas consequências das irregularidades – agressão física sofrida em face da discussão acerca de
sua propriedade.
A título de dano material, as autoras alegam que devem ser indenizadas pelo pagamento de IPTU/TLP e despesas condominiais e pelo não uso referente à parte da vaga “tomada”.
O dano material pode consistir em dano emergente (diminuição de patrimônio) ou em lucros cessantes (valor que razoavelmente deixou de ganhar).
garagem, mas só estavam usufruindo de parte do espaço.
Cabe frisar que a posse das autoras não foi tolhida, uma vez que elas continuaram a utilizar
normalmente a vaga. O único incômodo foi ter que utilizar um espaço menor do que o de costume,
mas que permitia estacionar o veículo (veja foto de ID 4577223). Não se está dizendo que o ato do
condomínio foi legal, mas que não teve reflexo significativo para as autoras, a ponto de ensejar dano patrimonial. Tanto é que, após a remarcação, passaram a utilizar uma área de tamanho idêntico às
vagas da maioria dos outros condôminos.
Verifica-se, também, que o tamanho das vagas de garagem não constitui elemento do fato gerador do tributo, uma vez que o IPTU/TLP referente ao condomínio em questão é dividido igualmente entre os condôminos. Em outras palavras, independentemente do tamanho da área de cada um dos moradores, eles pagam o mesmo valor referente a tal despesa.
Basta uma simples análise da consulta do IPTU/TLP do ano de 2016 (ID 4577236) e de 2015 (ID
4577237) para perceber que as autoras pagam o tributo numa proporção de 2,0833%, pela fração
ideal, que reflete inegavelmente a distribuição do valor pelas 48 unidades (1/48 = 2,0833).
Assim, as autoras nunca pagaram valor a maior pela extensão de área superior da vaga garagem, de
modo que a restrição de parte do espaço, neste aspecto, não lhe ocasionaram dano material.
O mesmo entendimento quanto às taxas condominiais, pois as despesas do condomínio são divididas de forma igualitária entre os moradores, sendo que pouco importa, para a definição do valor, o
condômino ocupar ou não uma vaga de garagem maior. Para arrematar a questão, cito as atas de
assembleia que trataram do valor da taxa condominial, nas quais há divisão igual das despesas para
todos os moradores.
Em relação ao dano material pela restrição do uso, o destino é o mesmo – improcedência. A situação não reflete dano emergente nem lucros cessantes. Não houve diminuição do patrimônio das autoras, ao passo que não deixaram de auferir nenhum lucro.
Veja que as autoras/apelantes fundamentam o pedido com base no valor de locação da vaga de
garagem. Ocorre que elas continuaram a utilizar a vaga e, assim, não há sentido no argumento de que deixaram de auferir algum lucro, pois a vaga não estava disponível para locação. Repita-se, as autoras continuaram a usar a vaga de garagem.
Lembre-se que lucros cessantes refletem o que a parte razoavelmente deixou de lucrar, nos termos do artigo 402, do Código Civil:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Ora, as autoras não deixaram de auferir nenhum lucro pela atitude do réu, uma vez que, por estarem utilizando a vaga de garagem, não poderiam locá-la a terceiros e assim auferir alguma renda. O ato de remarcação das vagas de garagem foi ilegal, mas não fez com que as autoras deixassem de auferir
algum lucro.
Volto a destacar que a situação gerou mero desconforto às autoras, visto que, nesse período, deixaram de utilizar a vaga de garagem com um espaço maior que o normal e passaram a contar com idêntica
área da maioria dos moradores.
Os atos descritos na exordial, não configuram lesão a direito da personalidade, com exceção da
agressão sofrida, porém, neste caso, o ato ilícito foi perpetrado por um dos moradores, não podendo
ser imputado ao Condomínio réu.
Os julgados colacionados pelas apelantes dizem respeito ao caso em que o condômino inadimplente é impedido de utilizar área comum em decorrência da ausência de pagamento das despesas. A situação concreta é completamente diferente, devendo ser feito o competente distinguishing. Não obstante,
ressalte-se que as autoras continuaram utilizando a vaga de garagem.
Cabe assentar que nem toda ilegalidade gera danos, como no caso concreto. Por vezes, resulta em
mero aborrecimento, que é comum no convívio social cotidiano, ainda mais na sociedade moderna em que há grande interação social.
Quanto à agressão física sofrida por uma das apelantes, como dito anteriormente, a conduta não pode ser imputada ao Condomínio, ainda que tenha surgido a partir de discussão entre a agredida e outro
morador em razão do estacionamento das motocicicletas. O condomínio não é responsável por todos
os fatos ocorridos dentro das suas dependências, sob pena de torná-lo garantidor universal. E, se a
agressão decorreu do destempero do outro morador, apenas ele é responsável pela agressão
injustificável perpetrada contra uma das apelantes. Assim, inexiste nexo de causalidade entre a
conduta do Condomínio e a agressão utilizada como fundamento do pedido indenizatório. Nessa
esteira, caso a recorrente agredida pretenda uma compensação moral, deverá se voltar diretamente
contra agressor.
Destaco, ainda, importante trecho da sentença sobre o tema (ID 4577346 – Pág. 7): ”Refoge a qualquer normalidade e qualquer previsibilidade que uma pessoa adulta agrida a outra em razão de uma
delimitação de vaga de garagem”, que demonstra a falta de nexo da conduta com o ato assemblear
impugnado.
No que concerne à alegação de que o vídeo da agressão não foi entregue às autoras, consta dos autos
que o arquivo foi corrompido (ID 4577224 – pág. 3/4), não se depreendendo nenhum ato ilícito do
condomínio, muito menos dano moral.
Em apelação, as recorrentes destacam fato noticiado na instrução e julgamento, no sentido de que um dos porteiros do prédio havia dito ao arquiteto contratado por elas que a divergência de tratamento
seria decorrência da opção sexual das mesmas. No entanto, este fato foge ao limite objetivo da
demanda, sendo que as autoras não apresentam nenhum pedido contra o condomínio pelo suposto
preconceito sofrido. Ademais, justamente pela ausência de pedido neste sentido, não houve produção probatória suficiente para concluir se este fato gerou ou não lesão a direito da personalidade, uma vez que as recorrentes possuem união homoafetiva declarada (ID 4577214), não configurando, a princípio (sem dilação probatória para esclarecer a questão), violação de intimidade ou privacidade.
Destarte, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido indenizatório veiculado
contra o condomínio réu.
CONDENAÇÃO DA RÉ NIELSE
Contra a ré Nielse, as autoras formulam pedido indenizatório por entenderem que ela, na qualidade de síndica, agiu de forma preconceituosa, em razão das opções sexuais das autoras, bem como as tratou
de forma diferenciada e praticou difamação, o que atingiu suas imagens e honras.
Ficou esclarecido, com as provas testemunhais produzidas, que os documentos exigidos das autoras
para realizar a reforma do apartamento passaram a ser obrigatórios por sugestão de uma das
moradoras, que é profissional da área. Cito os depoimentos dos Srs. Newton e Mario Hipólio (ID
4577332 – Pág. 11/12 e 4577335 – Pág. 9/11):
(…) QUE o depoente é subsíndico e que a síndica nunca comentou nada sobre o fato das autoras serem casadas; QUE conhece o Sr. Alberico e esse nunca comentou sobre o fato das autoras serem casadas, e nem nenhum outro morador; QUE o depoente acha que é subsíndico há dois anos e que sua atribuição é auxiliar a síndica e participar do máximo de comissões possível: QUE a síndica é muito atuante e o depoente quase não é acionado; QUE sobre a obra das autoras, soube que foi entregue um
documento que é entregue a todos os moradores que fazem obra e que a documentação demorou a ser passada ao condomínio: QUE a documentação deveria ser entregue antes da obra, que os
documentos são documentos do CREA, os projetos e o formulário: QUE o formulário foi feito
pela arquiteta Manuela e pelo engenheiro Mano: QUE desde que o depoente se mudou já
ocorreram 4 obras; QUE a primeira obra que se recorda, já tinha o formulário; QUE não sabe dizer se foi exigido o formulário para a obra da Sra. Mima; QUE o formulário foi exigido da
Sra. Selma. mas não sabe dizer se foi exigido do apartamento 304, mas acredita que sim; QUE
esses assuntos normalmente são conduzidos pela 2″requerida; QUE o depoente não se recorda quando o formulário foi criado, mas sabe dizer que foi antes da obra da Sra. Selma. que este
tema sobre o formulário foi discutido na época da obra da Sra. Selma : QUE o depoente tem
formação na área de direito, mas se afastou dessa área e sempre trabalhou na área bancária, que não
tem formação na área de engenharia ou arquitetura (…)
(…) QUE não acompanhou a obra realizada no apartamento das Autoras, mas que na época em que elas fizeram a obra indicou ao condomínio os documentos que deveriam ser exigidos para
realização da obra, de acordo com as normas técnicas: QUE não sabe dizer se foi entregue a
documentação; QUE o condomínio entregou parte da documentação: a Al2T e o projeto da
relbrma do apartamento; QUE chegou a ver o projeto do apartamento e a ART do engenheiro
contratado pela unidade: QUE estava faltando o plano de reformas: basicamente uma descrição de todos os serviços que serão realizados no condomínio: QUE norma surgiu porque
antigamente as convenções de condomínio diziam que as obras eventualmente realizadas
deveriam se comunicadas ao condomínio ; QUE em 2012. em razão de um prédio que caiu no Rio
de Janeiro em razão da reforma de unia unidade; QUE a partir disso surgiu o plano de reforma e
na experiência do depoente, geralmente unia unidade informa a troca só do piso. mas acaba
quebrando tudo; QUE a norma vem para dar segurança ao condomínio de que a obra não vai
interferir na estrutura do prédio; QUE a finalidade do plano é fazer unia descrição básica da
obra : QUE não sabe se esse plano foi apresentado posteriormente;
(…) QUE depois da reforma das autoras foi realizada outra reforma em unidade diversa e foram exigidos os mesmos documentos para a realização da obra; QUE tem conhecimento um
formulário preenchimento de obra, feito pela arquiteta Manuela, que faz parte da comissão de
obras; QUE foi o depoente que informou o condomínio da necessidade do formulário, mas este foi confeccionado pela arquiteta Manuela e o depoente o analisou e deu o ok (…) (g.n.)
cumprindo a determinação mencionada, não havendo nos autos nenhuma prova no sentido de que as
autoras foram cobradas além do que a legislação exige.
O fato de o arquiteto contratado ter dito que nunca tinha visto um condomínio exigir tantos
documentos não conduz ao entendimento de tratamento não isonômico, mas apenas que o condomínio em questão possui padrões mais seguros, o que não gera, evidentemente, obrigação de pagamento de indenização por danos morais.
Como dito, a restrição do espaço da garagem não configura dano moral. Da mesma forma, ainda que a síndica não tenha comunicado aos moradores acerca das decisões tomadas em assembleias, conforme alegado pelas recorrentes, esta omissão não repercute nos direitos de personalidade das autoras.
As apelantes também sustentam que a síndica agiu com preconceito em face da opção sexual das
recorrentes, além de sempre realizar comentários de índole intolerante e jocosos para os demais
condôminos, para que todos tivessem a clara ideia de que eram elas as únicas pessoas problemáticas
do condomínio, ou as que causavam todos os problemas.
Não há como acolher a alegação. O argumento mais relevante, a meu ver, é o documento acostado no ID 4581835, o qual possui a assinatura de 37 condôminos, que afirmam desconhecer qualquer conduta e/ou fato desabonador imputável à síndica, muito menos que ela tenha agido com preconceito em face das autoras. Vale lembrar que o condomínio em questão é formado por 48 unidades, sendo que a
maioria dos proprietários assume publicamente e de forma contundente que nunca presenciou
nenhuma ofensa às autoras, inclusive aqueles que moram na mesma prumada das recorrentes.
Corroborando esta manifestação, destaco o depoimento de Newton, Mario Hipólio e Giseli (ID
4577332 – Pág. 11/12 e 4577335 – Pág. 9/11 e 13):
(…) QUE é morador do condomínio desde junho de 2014 e Mora no apartamento 103; QUE conhece a Sra. Selma e soube há um tempo que as autoras mantêm um relacionamento; QUE soube do
relacionamento das autoras na metade no ano passado, em razão dos acontecimentos de obra no
prédio: QUE o depoente não se recorda quem lhe contou sobre o relacionamento das autoras, se foi
um porteiro ou alguma outra pessoa; QUE o depoente é subsíndico e que a síndica nunca
comentou nada sobre o fato das autoras serem casadas; QUE conhece o Sr. Alberico e esse
nunca comentou sobre o fato das autoras serem casadas, e nem nenhum outro morador ; (…)
QUE o depoente nunca presenciou a 2ª requerida tratar de forma desrespeitosa ou se dirigir de forma desrespeitosa às autora (…)
(…) QUE não conhece as Autoras, que nunca as viu ou manteve contato com elas: QUE só conhece a advogada das autoras em razão das assembleias do condomínio; QUE a síndica nunca se referiu às Autoras como problemáticas: QUE sempre se referiu às Autoras como moradoras que estava
fazendo uma reforma na unidade ; (…)
(…) QUE a Sra. Nielsen nunca comentou com a depoente sobre as Autoras, nem pra falar bem,
nem pra falar mal ; (…) QUE a 2ª Requerida nunca fez nenhum comentário sobre nenhum outro morador e nem sobre funcionário do prédio . (…) QUE ficou sabendo depois do relacionamento
homossexual das Autoras; QUE a própria carta dela já dizia; QUE antes de receber a carta não sabia
que as Autoras mantinham um relacionamento;
deles bastante relevantes no sentido de afastar a alegação de preconceito ou de difamação por parte da síndica, Nielse.
O único depoimento que demonstra algum comentário da requerida em relação às autoras é da
testemunha Albérico, o qual transcrevo em parte (ID 4577335 – Pág. 3/7):
(…) QUE por participar das reuniões, foi convidado para ser conselheiro e posteriormente sub-síndico; QUE por isso teve mais contato com síndica e tomou ciência de ocorrências envolvendo o
apartamento 202: QUE foi informado que a unidade 202 era problemática na convivência do
prédio; QUE sempre que falavam das moradoras da unidade 202, se referiam”as duas lá”,
“você sabe, elas são…”; QUE quem usou essa expressão foi a síndica, a Sra. Nielsen; QUE
geralmente a informação era que as moradoras eram problemáticas, mas que dava a entender
que ambas mantinham um relacionamento; QUE a síndica já usou essa expressão outras vezes, mas nunca fez uso de expressões como” lésbica” ou “gay” : QUE nunca ouviu nenhum comentário de outro morador ou funcionário do Condomínio que se referisse à opção sexual das autoras; QUE
não presenciou a agressão sofrida pela Autora Selma, mas que posteriormente lhe foram mostradas as imagens, que foram gravadas no celular das Autoras: QUE a Síndica sempre dizia que as Autoras eram pessoas que davam problema no prédio, mas os problemas eram referentes à solicitações relacionadas à unidade delas, ao cachorro não frequentar o elevador social, a vaga de garagem delas ; (…) QUE não conhece as razões que motivaram a síndica, mas não acredita que a opção
sexual das Autoras tenha alguma correlação com as exigências feitas ; QUE reforça que não
conhece o lado pessoal da Síndica. (…) QUE a relação da administração com as autoras era
sempre muito criteriosa, ao passo que as Autoras sempre faziam muitas solicitações; QUE se
recorda, inclusive, que em uma das assembleias, foram representadas por uma advogada e as
solicitações foram acatadas e trouxeram benefícios para o prédio; (…) QUE quando chegou no
condomínio as Autoras e a síndica já moravam lá, mas percebeu que elas não tinham um
contato muito amistoso; QUE a primeira informação que teve foi que as Autoras eram
problemáticas; QUE essa era a única versão que teve acesso, e foi por meio da síndica; QUE
pouquíssimas vezes houve menção à opção sexual delas, mas que percebeu que quando falava
problemática, dizia respeito às atividades do prédio: QUE se a síndica já tivesse alguma razão
pessoal e isso se estendeu para o condomínio, mas não pode dizer isso porque não entende o lado pessoal da síndica; QUE na concepção do depoente, quando a síndica se referia problemática,
compreendia que tinha relação com os diversos pedidos que eram postulados pela autora, agora se a síndica tinha alguma razão pessoal para dar outro motivo à expressão “problemática”, o
depoente não sabe informar (…).
Veja-se que o depoente confirma a animosidade existente entre as partes, que, pelo próprio teor das
manifestações, teria relação com as questões do condomínio, e não com a opção sexual das autoras. O depoimento também revela a utilização de expressões como “as duas lá”, “você sabe, elas são” e
“problemáticas”, mas não denota cunho preconceituoso, conforme descrito pelo próprio Albérico, ao explicar, em diversos momentos do interrogatório, que as atitudes da síndica não estavam ligadas à
opção sexual das recorrentes.
É importante esclarecer que a relação das autoras merece respeito, bem como a tutela do Estado. Mas não é este o cerne da questão. Elas alegam fatos que, no seu entender, ensejam abalo ao seu
patrimônio moral; no entanto, considerando os elementos de prova produzidos nos autos, não restou
demonstrado nenhuma conduta ilícita, nem dano moral indenizável.
É importante, ainda citar fundamentação do Juiz a quo no tocante aos demais fatos alegados para
sustentar o pedido indenizatório (ID 4577346 – Pág. 9):
Os demais fatos mencionados pelas autoras com a finalidade de caracterizar eventual comportamento “ilícito” da parte requerida (perda da gravação do vídeo da agressão, não zelar pelo sossego dos
moradores e pelo cumprimento das regras condominiais e figurar como testemunha do agressor no
processo criminal), igualmente, podem ser classificados como meros dissabores inerentes à vida em sociedade, e que, apesar de impor certa dose de amargura, não são passíveis de gerar compensação
pecuniária, pois não geram ofensa ao patrimônio moral.
Assim, considerando que foi demonstrada apenas uma relação conturbada entre as partes, sem que
tenha sido praticado nenhum ato ilícito contra as autoras por parte da síndica, não deve ser acolhida a apelação.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Por fim, cumpre observar que, conforme previsto no artigo 85, § 11, do novo Código de Processo
Civil, deverão ser fixados, nesta fase processual, os honorários de sucumbência recursais, diversos
daqueles fixados em primeiro grau de jurisdição, que com eles serão acumulados, devido ao trabalho adicional realizado em segundo grau de jurisdição, observando-se os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo legal.
Os recursos dizem respeito apenas à lide principal e desse modo somente os respectivos honorários
serão majorados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto conheço dos recursos interpostos e a eles NEGO PROVIMENTO. Na lide principal, foram arbitrados honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da causa, com
supedâneo no artigo 85, § 2º, do CPC, sendo as autoras responsáveis por 80% (40% pra cada) e o
condomínio réu responsável por 20%. Nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios devidos de 10 para 11% sobre o valor da causa (R$152.169,05) e mantenho a
distribuição proporcional dos ônus sucumbenciais.
É como voto.
O Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES – 1º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – 2º Vogal
Com o relator
CONHECIDO. DESPROVIDO. UNÂNIME.