Inteiro Teor
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2020.0000589300
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº 1048525-02.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado CONSTRUTORA OAS LTDA., é apelado/apelante MPE MONTAGENS E PROJETOS ESPECIAIS SA.
ACORDAM, em 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso principal e julgaram prejudicado o adesivo. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SÉRGIO SHIMURA (Presidente sem voto), ARALDO TELLES E RICARDO NEGRÃO.
São Paulo, 21 de julho de 2020.
MAURÍCIO PESSOA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 14510
Apelação Cível nº 1048525-02.2014.8.26.0100
Apelante/Apelado: Construtora Oas Ltda.
Apelado/Apelante: Mpe Montagens e Projetos Especiais Sa
Comarca: São Paulo
Juiz (a): Ana Carolina Munhoz de Almeida
Agravo retido – Interposição na vigência do CPC/1973 – Requerimento para conhecimento – Prova pericial – Custeio – Embargante que requereu a produção de provas – Logo, a ela cabe o custeamento da perícia (CPC/1973, art. 33)– Desprovimento.
Processo Violação do devido processo legal
Inocorrência Desnecessidade de juntada aos autos dos documentos utilizados na perícia contábil Documentos disponibilizados às partes por mídia (CD).
Recurso da embargada Inovação recursal Inocorrência Razões recursais em consonância com o pedido e a causa de pedir iniciais.
Embargos monitórios Contrato de consórcio Cobrança de valores em razão de aportes realizados pela empresa líder em face da omissão da empresa consorciada Prova pericial contábil que confirmou os valores cobrados pela embargada Hipótese em que a prova contábil, a despeito de cofirmar os valores cobrados pela embargada, não dirimiu a controvérsia conforme posta no processo -Carência de elementos para dirimir a impugnação sobre os valores cobrados Necessidade de ampliação da prova pericial contábil para investigação de fatos reclamados pela embargante relativamente às falhas atribuídas à embargada na gestão da obra que teriam onerado demasiadamente o empreendimento, e aos diversos contratos celebrados pelo consórcio que não observaram a aprovação prévia do Conselho Consultivo Prova pericial que deve ser ampliada e complementada Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa Sentença anulada.
Dispositivo: Recurso da embargante provido, prejudicado o da embargada.
Em “embargos à ação monitória”, a r.
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sentença, de relatório adotado, rejeitou-os constituindo o título executivo judicial em R$ 10.514.218,81, corrigidos monetariamente e com juros de mora desde a citação, carreando à embargante o pagamento das custas e despesas do processo bem como honorários de advogado arbitrados em 10% sobre o valor da causa.
Embargos de declaração opostos pelas
partes (fls. 9920/9930 e 9931/9937) foram rejeitados (fls. 9938).
Recorreu a embargada a sustentar que o
perito contábil apurou crédito a seu favor de R$ 10.514.218,81, o qual, corrigido nos termos do contrato de consórcio ajustado entre as partes, corresponde a R$ 17.305.134,82 no regime de caixa e R$ 17.380.315,63 no regime de competência; que o contrato dispõe que serão aplicáveis juros e correção monetária a partir do efetivo desembolso da monta, razão pela qual não pode prosperar o entendimento da r. sentença; que a embargante fora constituída em mora no exato momento do seu inadimplemento (CC, art. 397); que a r. sentença deixou de considerar os encargos contratuais para atualização do débito que incidem do desembolso (cláusula 7.3.1); que o STJ já firmou entendimento que os encargos contratuais cobrados por via de ação monitória incidem desde o momento do inadimplemento da obrigação. Requereu o provimento do recurso (fls. 9941/9955).
Recorreu a embargante, a sustentar que
deve ser conhecido seu agravo retido (fls. 2032/2038), interposto na vigência do Código de Processo Civil de 1973 contra decisão que determinou que ela custeasse a prova pericial; que a perícia contábil se valeu apenas de documentos recebidos diretamente da embargada e sem que fossem juntados no processo, o que viola o devido processo legal;
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que não foram apurados, em apartado, os aportes derivados de despesas com origem em contratos superiores a R$ 1 milhão que não tiveram aprovação do Conselho Consultivo, questões essas já aclaradas quando do julgamento do agravo de instrumento nº 2016135-34.2015.8.26.0000; que não deveria ter sido indeferido o prosseguimento da perícia; que o perito deixou de juntar ao processo os documentos que foram citados em seu laudo; que o perito deixou de responder sistematicamente seus quesitos, sob o fundamento de que estavam fora do escopo da perícia; que deve ser acolhida sua insurgência contra o laudo pericial para que seja reaberta a instrução e determinado ao perito que enfrente os fundamentos expostos em sua impugnação; que o laudo pericial não passou de uma simples conferência das contas apresentadas pela embargada; que a embargada não procedeu à convocação de reuniões do Conselho Consultivo para a realização de aportes acima de 1 milhão de reais, o que autoriza sua resistência ao pagamento de tais valores; que a decisão que indeferiu a complementação da perícia carece de fundamentação; que houve violação dos princípios da cooperação e da proteção à confiança lançados no Código de Processo Civil; que a improcedência da ação monitória é de rigor, pois a embargada cobra valores superiores a R$ 1 milhão que não foram aprovados pelo Conselho Consultivo; que, assim, ela deve ser responsabilizada por tais decisões; que a embargada decaiu de parte do valor cobrado devendo ser reconhecida a sucumbência recíproca.
Recursos preparados (fls. 9956/9957 e 10027/10028)
Contrarrazões da embargante com pedido
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de não conhecimento do recurso da embargada por haver inovação recursal (fls. 10036/10052).
Contrarrazoes da embargada (fls. 10053/10084).
Recursos inicialmente distribuídos ao
eminente Desembargador César Peixoto, da C. 38ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal, que, por acórdão, deles não conheceu com determinação de redistribuição (fls. 10103/10105).
Redistribuição.
As partes requereram a designação de
audiência de conciliação em segundo grau, porém infrutífera a composição (fls. 10020).
Oposição ao julgamento virtual (fls. 10091/10094).
É o relatório.
Sumariada a controvérsia o recurso da
embargante é provido e o da embargada está prejudicado.
O agravo retido, interposto pela
embargante (fls. 2032/2039) contra a decisão que determinou que ela efetuasse o pagamento dos honorários do perito, não prospera.
Em primeiro lugar e a título de
esclarecimento, mencione-se o erro material constante da r. decisão de fls. 1922/1925 que, ao fixar os pontos controvertidos e determinar a realização de prova pericial contábil, atribuiu “à embargada” o pagamento dos honorários do perito, quando, em verdade, os
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fundamentos dela atribuem à embargante referido custeio. Até porque, dela não consta expressamente que “caberá à parte que houver requerido o exame o pagamento da remuneração do perito.”
Como a prova pericial contábil foi
requerida com exclusividade pela embargante (fls. 1911/1917), a ela, realmente, incumbe o pagamento.
Em segundo lugar porque, nos termos do
artigo 33 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época, cabia à parte que requereu a produção da prova o pagamento dos honorários do perito, salvo se a prova fosse requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juízo, o que não é o caso.
Disso resulta, então, que o agravo retido não prospera.
O recurso de apelação da embargada é
cognoscível, posto conter qualquer pleito ou fundamento que implique em inovação recursal; ao contrário ele está em conformidade com o pedido e a causa de pedir iniciais relativamente à cobrança de valores, corrigidos nos termos contratuais, devidos em razão do alegado inadimplemento contratual da embargante.
Não houve qualquer violação ao princípio
do devido processo legal, mesmo por não terem sido juntados ao processo todos os documentos contábeis que foram periciados.
Em primeiro lugar, porque houve uma
reunião entre o perito e os assistentes técnicos das partes, na qual fora exposta a síntese dos trabalhos, exibição do laudo e respostas às indagações das partes (fls. 9669/9670).
Em segundo lugar, porque a própria
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embargante, por mais de uma vez, afirmou que a maioria dos documentos necessários ao desenvolvimento dos trabalhos do perito estão em posse da embargada (fls. 8824, 8988 e 9191).
Em terceiro lugar, porque todos os
documentos utilizados pelo perito para a realização dos trabalhos e elaboração de seu laudo foram disponibilizados em cópia aos assistentes técnicos das partes por meio de CD (fls. 9781).
Eis por que ausente qualquer
irregularidade formal no laudo em questão.
Pois bem.
Narra a embargada na petição inicial que
as partes, em 14 de março de 2011, celebraram Contrato de Constituição de Consórcio para a execução conjunta de serviços de construção de 12 km de via férrea no trecho ligando Itaquaquecetuba e Suzano, envolvendo a construção de infra e superestrutura de via permanente e sinalização ferroviária; que a participação de cada uma das empresas consorciadas na execução das obras e serviços, nos custos e despesas do consórcio, denominado “Consórcio Segregação Leste”, foi de 70% para a embargada (Construtora OAS Ltda.) e 30% para a embargante (MPE Montagens e Projetos Especiais S.A); que a embargante deixou de fazer os aportes necessários à consecução do contrato; que para evitar atrasos na execução das obras e impedir maiores prejuízos, suportou com exclusividade os custos que deveriam ser suportados pela embargante no valor atualizado de R$ 12.306.237,59; que mesmo notificada a embargante não efetuou o pagamento devido.
Nos embargos monitórios a embargante
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aduz que cabia à embargada a liderança do consórcio; que, no entanto, ela exorbitou de seus poderes passando a administrar o empreendimento sem compartilhar a gestão, prestação de informações, apresentação de documentos e na tomada de decisões de modo imperial; que a embargada indicou quatro diferentes gerentes de contratos, o que evidencia seu descontrole no gerenciamento da obra; que foram celebrados diversos contratos com valores acima de 1 milhão de reais sem a devida aprovação do Conselho Consultivo; que a embargada deu causa ao acréscimo de custos adicionais com retrabalhos gerados por sua incompetência em gerenciar a obra, porém os valores foram suportados pelo consórcio, o que pode ser comprovado por perícia técnica de engenharia; que a embargada deslocou funcionários de sua sede no Estado da Bahia com alto custo de mão de obra, os quais poderiam ser contratados no local de prestação dos serviços; que ao perceber que a gestão imposta pela embargada não seria a mais participativa optou por não fazer mais retiradas de sua quota para que fosse formado um caixa que pudesse ser usado como valores de seus aportes necessários, sendo que esse valores não foram considerados por ela; que a embargada é a única responsável pelo insucesso na gestão do empreendimento; que o empreendimento apresentava um resultado positivo de mais de 16 milhões de reais em abril/2012, mas em fevereiro de 2014 apurou um prejuízo de mais de 16 milhões; que os valores pretendidos pela embargada são inconsistentes, ilíquidos e incertos; que para elucidação dos fatos é necessária prova pericial contábil e de engenharia civil; que o débito não pode ser atualizado pelo CDI, por não ser índice oficial.
Foi deferida apenas a prova pericial
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contábil (fls. 1922/1925), decisão mantida em sede de agravo de instrumento (proc. nº 2016135.2015.8.26.0000); porém, com a possibilidade de realização de perícia de engenharia civil a ser considerada no aspecto da prova contábil (fls. 9467/9472).
A ação monitória , também conhecida por
ação injuntiva, tem por objetivo precípuo, conforme dispositivos a ela pertinentes à época do ajuizamento da ação (1.102-A, 1.102-B e 1.102-C do CPC/1973), a conversão de documento sem força executória em título executivo, por força de decisão judicial.
Nos termos do § 2º do art. 1.102C do
CPC/1973, uma vez oferecidos embargos, deve ser observado o procedimento ordinário.
Pelo princípio do devido processo legal,
do qual é corolário o princípio da ampla defesa, garante-se aos litigantes o direito de produção de provas que demonstrem a existência (ou inexistência) do direito material perseguido na ação e o seu deferimento é medida de rigor a possibilitar a aproximação da verdade real.
Cabe ao magistrado, na condução do
processo, buscar aproximar-se, tanto quanto possível, da verdade real, carreando para o processo elementos suficientes que lhe permitam um juízo máximo de certeza acerca dos fatos narrados pelas partes e que tiveram sua ocorrência fora do processo.
Sendo o magistrado o destinatário da
prova, incumbe-lhe verificar se o que consta do processo é suficiente para o julgamento da lide ou se outras providências devem ser realizadas, visando formar o seu convencimento.
Não é demais anotar que o processo
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moderno prima pela efetividade e para solucionar o conflito social a decisão deve cunhar-se no princípio da verdade real. Nesse passo, o alargamento da instrução probatória, se necessário para a justa composição da lide, não pode ser preterido.
No caso concreto, a embargada sustenta
ser credora da embargante, uma vez que ela deixou de fazer os aportes necessários à consecução do contrato, sendo que esses aportes teriam sido suportados pela embargada no valor atualizado de R$ 12.306.237,59.
Em seus embargos monitórios, a
embargante contradiz a embargada, requerendo, para tanto, a produção de prova pericial contábil e de engenharia civil para comprovar os fatos por ela alegado.
A liderança na execução do contrato de
consórcio entre as partes era embargada (Cláusula, 1.5, fls. 44/64).
A par disso, as partes constituíram o
instrumento denominado de Normas e Procedimentos Operacionais
NPO, que, no item 2.3 dispõe que “todas as decisões das empresas consorciadas, que venham a onerar ou comprometer o CONSÓRCIO, resultando em responsabilidade solidária das PARTES, terão que ser previamente acordadas entre as mesmas, sob pena de assunção de responsabilidade da empresa em falta pelo não cumprimento de tal formalidade”.
São órgãos internos do consórcio:
Conselho Consultivo, Gerência Operacional, Conselho de Diretores, Gerente de Contrato, Responsáveis de Produção, Responsável de Planejamento, Responsável Administrativo-Financeiro e Mestre de
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Obras, com suas atribuições definidas no instrumento (fls. 65/112).
Com relação à parte de Recursos
Humanos, dispôs-se que, “excetuando-se a GERÊNCIA, o pessoal necessário para a execução do PROJETO deverá ser, por princípio, contratado diretamente no mercado pelo CONSÓRCIO.” Assim, não cabe na esfera judicial tecer qualquer juízo a respeito da melhor equipe a ser contratada pelo consórcio e/ou o menor custo com a folha de pagamento, por ser esta uma decisão interna do Consórcio.
Com relação às falhas técnicas
reclamadas pela embargante em face da embargada e, por conseguinte, uma elevação dos custos financeiros do empreendimento, bem como que diversos contratos com valores superiores a 1 milhão de reais firmados pelo Consórcio não tiveram deliberação prévia do Conselho Consultivo, há de se registrar que essas questões não foram dirimidas pela prova pericial contábil, especialmente porque muitos dos quesitos apresentados pela embargante não foram respondidos pelo perito, uma vez que reputados prejudicados, por estarem ‘fora do escopo da perícia contábil deferida” (fls. 9687/9690).
Ora, sabendo que cada parte, na
proporção de sua participação, deve suportar os custos diretos e indiretos e também auferir lucros decorrentes da execução dos serviços e obras objeto do contrato, deve ser deferida à embargante ampla cognição probatória para que possa refutar os valores cobrados pela embargada.
Há de se considerar, para tanto, se os
reclamados custos com retrabalhos despendidos pelo consórcio decorrem de algum ato falho da embargada na gestão do
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empreendimento e que possam ser imputados a ela por sua responsabilidade exclusiva; se foram realizados contratos com valores superiores a 1 milhão de reais, com ou sem deliberação do Conselho Consultivo e se esses contratos foram executados em prol do Consórcio.
Essas questões não foram, efetivamente,
esclarecidas no laudo pericial contábil, razão pela qual deve a prova pericial ser complementada, se o caso, ainda com a produção de prova auxiliar de engenharia civil para que o perito contábil se entender necessário tenha todos os elementos para estabelecer se os valores cobrados pela embargada são efetivamente devidos, bem como aferir o desenvolvimento do empreendimento a partir do resultado econômicofinanceiro e da atuação em concreto das consorciadas.
Neste contexto, então, anula-se a r.
sentença, para que seja ampliada a prova pericial, restando prejudicado o recurso da embargada.
Em face do exposto, DÁ-SE
PROVIMENTO ao recurso da embargante para anular-se a sentença e JULGA-SE PREJUDICADO o da embargada.
MAURÍCIO PESSOA
Relator