Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2016.0000650635
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0004606-82.2013.8.26.0045, da Comarca de Santa Isabel, em que é apelante CONDOMÍNIO ARUJAZINHO I, II E III, é apelada MARIA HILDA SILVA BUCHICCHIO.
ACORDAM , em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE NETO (Presidente sem voto), LINO MACHADO E MARCOS RAMOS.
São Paulo, 31 de agosto de 2016.
Maria Lúcia Pizzotti
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado
APELAÇÃO Nº 0004606-82.2013.8.26.0045
Voto 15906 (yf)
APELANTES: CONDOMÍNIO ARUJAZINHO I, II e III
APELADOS: MARIA HILDA SILVA BUCHICCHIO
COMARCA: SANTA ISABEL
JUIZ SENTENCIANTE: Dr (a). PATRICIA PADILHA ASSUMPÇÃO
(yf)
EMENTA
APELAÇÃO CONDOMÍNIO DECLARATÓRIA
NULIDADE DE ASSEMBLEIA QUÓRUM PARA ALTERAÇÃO DE CONVENÇÃO NORMA COGENTE DO CÓDIGO CIVIL QUÓRUM QUALIFICADO ‘ASSEMBLEIA CONTINUADA’ VIOLAÇÃO DO PROCEDIMENTO
MANUTENÇÃO DA DECISÃO DA R. PRIMEIRA INSTÂNCIA.
– Ausência de conexão ou continência a justificar a redistribuição para a C. 31ª Câmara de Direito Privado descabida interpretação extensiva do artigo 105, do RITJSP, inviável a reunião dos feitos na mesma turma julgadora (art. 55, § 1º, do NCPC), cuja decisão tem mera natureza persuasiva (precedente);
– Natureza cogente do artigo 1.351, do Código Civil, que se sobrepõe inclusive às convenções condominiais anteriores ao Código necessária estabilidade do documento “normativo” do condomínio necessária a aprovação de 2/3 para a alteração da convenção condominial quórum não alcançado para a pretendida reforma do rateio condominial precedentes;
– A “assembleia continuada” baseada na audiência em continuação (art. 365, do Novo Código de Processo Civil) não se confunde com a manutenção da votação por tempo indeterminado, para a adesão escrita na portaria do prédio contrariedade à essência da assembleia. Ausência de decisão assemblear apta de alterar a convenção do condomínio quórum e procedimento não atingidos;
– Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo;
RECURSO NÃO PROVIDO.
Vistos.
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 156/158, cujo relatório adota-se, que julgou PROCEDENTE o pedido inicial, declarando nula a alteração das taxas de condomínio e inexigível o rateio determinado aos proprietários de
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mais de dois lotes e reconhecendo a quitação pelos valores consignados. Diante da sucumbência, o réu foi condenado ao pagamento das custas e honorários
Vencido, insurge-se o demandado, Condomínio Arujazinho I, II e III. Repetiu a tese da legalidade do ato assemblear, que manteve “aberta por tempo indeterminado” a Assembleia de Condôminos, para a colheita de assinatura e obtenção do quórum necessário. Disse a hipótese da “assembleia continuada” se justifica ante a dificuldade de reunião de 2/3 dos condôminos, dado o tamanho do condomínio. Sustenta que teve a adesão para a alteração da Convenção , tendo sido amplamente divulgado o propósito da assembleia e preenchidos os requisitos legais . Pugnou, assim, pela reforma da decisão.
Regularmente processado, vieram contrarrazões e os autos foram remetidos a este E. Tribunal.
É o relatório.
Maria Hilda Silva Buchicchio, ora apelada, ajuizou demanda declaratória de nulidade de assembleia condominial em face de Condomínio Arujazinho I, II e III. Narrou, em apertada síntese, que ao arrepio do procedimento previsto na convenção e aa lei, foi indevidamente alterado o art. 4º, da Convenção Condominial, que estabelecia a forma de recolhimento do rateio das despesas. Consequentemente, requereu a nulidade da alteração, consignando os valores segundo o critério primitivo.
Por sentença (fls. 156/158), o MM. Magistrado julgou PROCEDENTE o pedido inicial. Fundamentou que o recolhimento de assinaturas por meses não merece ser admitido como forma de manifestação da vontade na “assembleia continuada”, evidente o descumprimento do disposto no artigo 1.351, do Código Civil (quórum de 2/3). Asseverou que a assembleia de 23/06/2013 não foi convocada para o propósito e que não foi alcançado o quórum . Contra a r. decisão, insurge-se o demandado.
Preliminarmente, cumpre rejeitar a prevenção suscitada na véspera do julgamento. Inexiste conexão deste feito com a demanda n. 0004590-31.2013.8.26.0045, já julgada na R. 31ª Câmara de Direito Privado. A reunião dos feitos não prospera por força da exclusão expressa do § 1º, do artigo 55, do Código de Processo Civil. Igualmente, a prevenção baseada no simples liame fático ampliaria excessivamente a norma regimental (art. 105, do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça) sem prejuízo da natureza persuasiva da decisão ali prolatada.
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A documentação colacionada permite verificar que a assembleia extraordinária de 16 de dezembro de 2012 não alcançou o ‘quórum’ qualificado para a alteração da convenção condominial. Com efeito, o Nobre Patrono que conduzia a AGE evidenciou a “ estratégia ” para a obtenção dos 2/3 dos condôminos necessários para a aprovação (fl. 22). Constou da ata:
“Dr. Márcio esclarece que (…) precisamos mudar a convenção e equalizar a forma de cobrança por lote (…) propôs aos condôminos que como é feito em vários condomínios do país, esta assembeia permanece aberta por tempo indeterminado, para que possamos coletar assinaturas e atingir o quórum necessário e voltar a esta assembleia para mudar a forma de rateio, ele explica que se trata de uma assembleia continuada é uma construção recente da jurisprudência e do mercado imobiliário” (sic fl. 22).
Nesta senda, a decisão da R. Primeira Instância merece ser prestigiada . Seja porque compatível com o V. Acórdão, seja pela plena compatibilidade com a legislação atinente. Para tanto, cumpre, preliminarmente, reafirmar a natureza cogente do artigo 1.351, do Código Civil.
Como leciona a doutrina, a exigência legal “prevalecente sobre a convenção (…) incide também sobre as convenções anteriores ao atual Código Civil” e o faz em nome
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da “estabilidade” . E, justamente em prol da estabilidade , não há como admitir o argumento de que a longevidade da norma justificaria a flexibilização do procedimento para sua atualização. O fato de a convenção retratar uma realidade primitiva não permite ao Condomínio a adoção de procedimento inadequado para alterá-la.
Sobre o tema, já se manifestou o C. Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITOS REAIS. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. REGIME JURÍDICO DAS VAGAS DE ESTACIONAMENTO. REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL POR DECISÃO JUDICIAL. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO. NECESSIDADE DE QUORUM QUALIFICADO. 1. A convenção de condomínio é o ato-regra, de natureza institucional, que disciplina as relações internas entre os coproprietários, estipulando os direitos e deveres de uns para com os outros, e cuja força cogente
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LOUREIRO, Francisco Eduardo in PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado, 2012. São Paulo:
Manole, p. 1350.
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alcança não apenas os que a subscreveram mas também todos aqueles que futuramente ingressem no condomínio, quer na condição de adquirente ou promissário comprador, quer na de locatário, impondo restrições à liberdade de ação de cada um em benefício da coletividade; e estabelece regras proibitivas e imperativas, a que todos se sujeitam, inclusive a própria Assembleia, salvo a esta a faculdade de alterar o mencionado estatuto regularmente, ou seja, pelo quorum de 2/3 dos condôminos presentes (art. 1.351 do CC) . Precedentes. 2. Às convenções de condomínio anteriores à vigência do Código Civil de 2002 são aplicadas imediatamente as normas deste diploma legal, haja vista que não são elas simples contratos, mas atosregras geradores de direito estatutário. Precedentes. (…) 5. Recurso especial provido” (REsp 1177591/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 25/05/2015)
Os documentos colacionados e a praxe de condomínios grandes evidenciam a dificuldade da gestão do condomínio, plenamente legítima a pretensão dos condôminos de alterarem o critério estabelecido para o rateio estabelecido na convenção
especialmente porque em desacordo com as normas (dispositivas) do Código Civil vigente. Isto, contudo, não permite a afronta à lei , com a adoção de estratégia contrária ao ordenamento, contrária ao próprio conceito de “assembleia”.
Neste sentido, irretocável o entendimento da Nobre Magistrada de que a colheita de assinaturas em período de “dias, e até meses não integram a Assembleia Geral Extraordinária do dia 16 de dezembro de 2016”. Ainda que as assinaturas colhidas demonstrem a intenção das partes, carece-lhes a formalidade necessária para a reforma da convenção condominial, “ao arrepio da legislação e do Estatuto vigente”.
A “assembleia continuada” tem inequívoco precedente na audiência de instrução e julgamento em continuação (art. 365, do Novo Código de Processo Civil); e, longe de ser objeto de “jurisprudência”, poderia ser admitida se considerados os requisitos ínsitos de sua razão de existir. Como leciona a própria doutrina suscitada pelo recorrente, é possível que se “designe data para continuação dos trabalhos”, o que não se amolda à hipótese fática dos autos.
Evidente que a manutenção de livro de assinaturas na portaria ou a busca de porta em porta da adesão não corresponde à natureza de decisão assemblear e, portanto, não merece qualquer crédito. Ainda que notável o desafio na reunião de tantos condôminos, as “estratégias” não podem fugir do critério da legalidade . A continuação da assembleia significaria a designação de nova data para a obtenção do quórum ou de procurações
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específicas. Jamais se poderia cogitar a continuação indefinida , para a votação por adesão escrita.
Consequentemente, a assembleia de 23 de junho de 2013 também não teve aptidão para alterar a convenção seja pelo vício na convocação, seja pela falta do quórum necessário. As assinaturas não servem como “procuração” para um item da pauta que sequer constou expressamente da convocação . Ademais, os números não batem, porque inviável a adoção do quórum da convenção.
Aqui, embora não reconhecida a conexão plenamente compatível com o critério flexível do Novo Código de Processo Civil tampouco verificado o trânsito em julgado, evidente a eficácia persuasiva da decisão prolatada na ação nº 0004590-31.2013.8.26.0045, julgada pela 31ª Câmara de Direito Privado deste E. Tribunal, cuja ementa transcrevo:
“APELAÇÃO. CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL CUMULADA COM PEDIDO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. FORMA DE RATEIO. ALTERAÇÃO QUE PASSA PELA MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULA PREVISTA EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. NÃO OBEDIÊNCIA AOS REQUISITOS LEGAIS PARA ALCANÇAR SUA EFETIVAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE QUORUM. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.351 DO CÓDIGO CIVIL (CC). PREVALÊNCIA DA CITADA NORMA SOBRE A LEI INTERNA DO CONDOMÍNIO QUE EXIGIA QUORUM AMPLAMENTE MENOR. IMPOSSIBILIDADE. POSIÇÃO PERFILHADA COM JURISPRUDÊNCIA DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA. DELIBERAÇÃO DE MATÉRIA IMPORTANTE JÁ MENCIONADA QUE DESCUMPRIU SISTEMÁTICA DE VOTAÇÃO E PROCEDIMENTO PARA DELIBERAÇÃO. IMPUGNAÇÃO ACEITA. DECLARAÇÃO DE INVALIDADE CONFIGURADA. RECURSO IMPROVIDO. No caso concreto, exsurge manifesta violação à sistemática de votação na assembleia convocada para votar sobre a forma de rateio das cotas condominiais. Havia previsão escrita na Convenção Interna de maioria simples, mas, contrariando regra específica na legislação civil (art. 1.361, do CC), os condôminos presentes à reunião deliberaram suspender a reunião até que se angariasse número suficiente de assinatura para reabrir e dar continuidade à assembleia anteriormente suspensa. Novo ato convocatório foi marcado, mas a matéria da ordem do dia, em confronto com a ata, não deixou expressamente claro o que ocorreria nessa convocação. Além disso, após a colheita de assinatura de alegado número de condôminos aceitáveis
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para modificação da forma do rateio, em procedimento amplamente inválido e irregular, os condôminos presentes à assembleia simplesmente ratificaram o ato materializado no “livro de assinatura” sem colocar em votação a questão de cunho e ordem vinculativa à Convenção do Condomínio, que exigia formalidade rigorosa. As provas produzidas neste processo foram valoradas e bem examinadas à luz da situação fática. Não ficou comprovada, como defende o réu, a validade das convocações para as assembleias em que se decidiu sobre o modo de cobrança das taxas condominiais, inclusive o “quorum” para as respectivas deliberações. Não há que se falar também em convocação de assembleia apenas para votar pela colheita das assinaturas, pois, já demonstrado, tal sistemática, em verdade, inexistiu” (Relator (a): Adilson de Araujo; Comarca: Santa Isabel; Órgão julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 14/06/2016; Data de registro: 14/06/2016)
Destarte, a sentença da R. Primeira Instância deve ser prestigiada, por seus próprios e bem lançados fundamentos.
Para tanto, valho-me do artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. Referido dispositivo estabelece que “Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.
O COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem prestigiado este entendimento quando predominantemente reconhece “a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no decisum” (REsp nº 662.272-RS, 2ª Turma, Rel.Min. João Otávio de Noronha, j. de 4.9.2007; REsp nº 641.963-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. de 21.11.2005; REsp nº 592.092-AL, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.12.2004 e REsp nº 265.534– DF, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j de 1.12.2003).
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
MARIA LÚCIA PIZZOTTI
Relatora