Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
25ª CÂMARA DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
Registro: 2018.0000125637
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1029831-64.2015.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante SILVIO LUIZ RODRIGUES DE CAMARGO, é apelado CONDOMÍNIO EDIFÍCIO MARIA AURORA DE CASTRO.
ACORDAM , em 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores HUGO CREPALDI (Presidente sem voto), CARMEN LUCIA DA SILVA E MARCONDES D’ANGELO.
São Paulo, 1º de março de 2018.
EDGARD ROSA
RELATOR
-Assinatura Eletrônica
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APELAÇÃO Nº 1029831-64.2015.8.26.0224 – VOTO N.º 22.962
APELANTE: SILVIO LUIZ RODRIGUES DE CAMARGO
APELADA: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO MARIA AURORA DE CASTRO
COMARCA DE GUARULHOS 4ª VARA CÍVEL
MMª JUÍZA DE DIREITO: BEATRIZ DE SOUZA CABEZAS
COBRANÇA DE MULTA CONDOMINIAL CONDUTA ANTISSOCIAL MULTAS DE VALOR CORRESPONDENTE AO QUÍNTUPLO E AO DÉCUPLO DA CONTRIBUIÇÃO CONDOMINIAL ORDINÁRIA, APLICADA SEM A OBSERVÂNCIA DO QUÓRUM LEGAL QUALIFICADO
NECESSIDADE DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA E DE OBSERVÂNCIA DE QUÓRUM QUALIFICADO DE TRÊS QUARTOS DOS CONDÔMINOS PARA A APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA PELO ART. 1.337 DO CÓDIGO CIVIL
COBRANÇA RECONHECIDA COMO ILEGÍTIMA EM PARTE.
-Recurso provido em parte.
1) Trata-se de tempestivo e preparado recurso de
apelação, interposto contra a r. sentença de fls. 147/49, cujo relatório se
adota, que julgou procedente em parte a ação de cobrança para condenar o
réu ao pagamento de multas por infração às normas condominiais.
Irresignado, recorre o réu alegando, preliminarmente,
inépcia da inicial, pois o pedido não tem correlação com a causa de pedir, já
que não há pedido de condenação do apelante ao pagamento de multa por
infrações condominiais, descritas na causa de pedir, mas sim ao pagamento
de cotas condominiais. Pela mesma razão entende que a sentença é ultra
petita. No mérito, afirma que a sentença viola os artigos 1336, § 2º e 1.337,
parágrafo único, ambos do Código Civil, pois não foi observado o quórum
fixado em lei, de modo que as multas de 5 e 10 vezes o valor da
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contribuição condominial não podem ser aplicadas. Afirma que a multa de 2 cotas condominiais contém vício de iniciativa, pois não poderia ser aplicada pelo síndico, conforme dispõe o Regimento Interno do Condomínio.
Contrarrazões a fls. 164/66, em que foi requerida a aplicação de multa por litigância de má-fé.
É o relatório.
2) Admito o recurso, reconhecida sua regularidade formal. A apelação é tempestiva e o preparo foi recolhido, ademais foram atendidos aos requisitos do art. 1.010 do CPC.
3 ) As preliminares não comportam acolhimento.
Não há que se falar em inépcia da inicial, eis que dela constam a causa de pedir e o pedido, e da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão, não havendo pedidos incompatíveis entre si (CPC/15, art. 330, § 1).
Tampouco houve julgamento ultra petita. O juízo a quo resolveu o mérito nos limites propostos pelo autor, tendo decidido todos os pedidos formulados, de acordo com a causa de pedir deduzida.
Nos termos do art. 322, § 2º do Código de Processo Civil, o pedido será interpretado considerado o conjunto da postulação e observado o princípio da boa-fé.
Ao comentar referido dispositivo legal, Fredie Didier leciona que:
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“A interpretação sistemática é técnica que também se aplica à interpretação do pedido. O § 2º do art. 322 consagra uma regra de interpretação: o pedido há de ser interpretado de acordo com o conjunto da postulação regra simétrica à prevista para a interpretação da contestação. A causa de pedir, como fundamento do pedido, é, portanto, dado imprescindível para a correta interpretação da postulação. Registre-se: corretamente pensadas as coisas, pedido e causa de pedir são perspectivas do direito material afirmado em juízo. A causa de pedir compõe-se da afirmação deste direito e o pedido se refere ao efeito jurídico material que deste direito decorre. Assim, o objeto do processo não pode ser delimitado sem que se levem em contas essas duas perspectivas. Mesmo antes do CPC atual, o STJ já entendeu que o pedido há de ser interpretado de acordo com o conjunto da postulação: o pedido deve ser inferido a partir de uma exegese lógico-sistémica do completo teor da petição inicial, razão pela qual não pode ser considerado ultra petita o julgado que o interpreta de forma ampla e concede à parte aquilo que foi efetivamente pretendido com o ajuizamento da ação (STJ, 3ª T., REsp n. 1.049.560-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 4.11.2010). ( Curso de direito processo civil. 17ª ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015, p. 587).
Como se vê, o pedido deve ser interpretado não de forma isolada, literalmente, mas de acordo com o conjunto da postulação, devendo ser considerado, para tanto, a causa de pedir e o princípio da boafé, examinando-se a peça vestibular na sua integralidade expositiva.
No caso concreto, embora tenha constado do pedido a condenação ao pagamento das cotas condominiais, de rateio, fundos de reserva e vaga de garagem, a importância discriminada se refere exclusivamente às multas por infração condominial, conforme planilha acostada a fls. 7, em congruência com os fatos narrados na causa de pedir.
Não há, portanto, causa para extinção do feito sem resolução do mérito, assim repelidas as preliminares.
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3) Narra a inicial que o filho do réu, nos dias 22 de março e 9 de julho de 2014, ultrapassou os limites aceitáveis para uma festa na unidade autônoma
“(…) contrariando o disposto no artigo 1º e 4º, Capitulo I, artigo 7º e 9º Capitulo II, artigo 28º Capitulo V, artigo 33º Capitulo VI do Regulamento Interno e Convenção do Condomínio Autor, produzindo barulho após o horário permitido das 22:00 horas, utilizando som em nível de incomodo aos demais moradores, conversas e gritarias no horário das 22:00 horas ás 9:00 horas, permanência de pessoas no hall e na área de acesso comum do condomínio, jovens alterados transitando pelo prédio de torre única, deixaram garrafas e líquidos de bebidas espalhadas pelas escadas e corredor principal. O síndico, por sua vez pediu que o filho do requerido recolhesse todo o lixo e limpasse as escadas e corredores e a reposta que que teve era que ‘meu pai é rico, não vou parar com as festas e pago o condomínio para você limpar’”.
Essa não foi a primeira vez que tal incidente se deu, e considerando que o réu já havia sido advertido anteriormente, foi aplicada multa correspondente a 2 cotas condominiais.
Ocorre que o mesmo problema se repetiu nos dias 4 e 5 de outubro de 2014, sendo aplicada, em 26 de janeiro de 2015, multa equivalente a 5 cotas condominiais, e nos dias 17 e 18 de janeiro de 2015, quando, pela terceira vez, houve descumprimento das regras de convivência social, foi imposta, então, multa equivalente a 10 cotas condominiais.
Em Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 7 de março de 2015, todas as multas foram ratificadas pelos condôminos.
A dívida perfaz o total de R$ 8.225,16.
A matéria devolvida ao Tribunal cinge-se ao alegado descabimento da multa correspondente ao dobro do valor da cota
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condominiais, por suposto vício de competência, bem como sobre o descabimento das multas correspondentes ao quíntuplo e décuplo do valor das cotas, por não ter sido observado o quórum legal.
Não há o alegado vício de competência para a aplicação da multa correspondente a duas cotas condominiais.
Dispõe o artigo 1.336, § 2º do Código Civil que:
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
No caso concreto, o Regimento Interno atribuiu ao síndico o dever de fixação do valor da multa.
De acordo com o art. 53, parágrafo II do Regimento Interno que “o Sr. Síndico (a) juntamente com os Conselheiros terão faculdade e direito de decidir e aprovar o quantum da multa em função da infração, além do infrator ser compelido a reparar demais perdas e danos a que der causa.” (fls. 37).
Anote-se que a incidência da penalidade para as infrações ocorridas a partir de janeiro de 2014 foi fixada em Assembleia Geral Extraordinária, de que participou o réu, conforme se infere dos documentos de fls. 12/16, observado o teto legal.
Sendo assim, considerando que o Regimento Interno trata da estipulação da multa, não há necessidade de observância do quórum qualificado de aprovação de 2/3 dos demais condôminos.
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Destarte, é devida a multa correspondente a duas cotas condominiais.
No entanto, as multas por reiteração, previstas no artigo 1.337 do Código Civil, exigem quórum específico, que não foi observado na espécie.
Na lição do eminente Desembargador Francisco Eduardo Loureiro:
“a multa é sempre imposta em assembleia, com o quórum qualificadíssimo dos condôminos restantes. Conta-se o quórum com base nas frações ideais, salvo se outro critério for previsto na convenção, dos condôminos aptos a votar. Excluem-se, portanto, os condôminos cuja conduta ilícita será avaliada e os inadimplentes. Todos os condôminos são convocados, mas somente os aptos deliberam.
(…)
O parágrafo único do art. 1.337 regula a aplicação de pena agravada, quando a conduta ilícita, além de grave e reiterada, de caráter antissocial, gera incompatibilidade de convivência com os demais condôminos.”
Em ambos os casos (multas correspondentes ao quíntuplo e ao décuplo do valor atribuído à contribuição), é necessária a observância do quórum de ¾ dos condôminos restantes.
Na hipótese, a aplicação das referidas multas não observou o quórum legal.
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Verte dos autos que o condomínio autor conta com 19 unidades condominiais, de modo que, para atingir o quórum de 3/4 seria necessária a presença de 14 condôminos (considerando a hipótese de que todos são adimplentes).
No entanto, a lista de presença acostada a fls. 41 demonstra que apenas 9 condôminos, excluído o réu, compareceram à AGE que tratou da aplicação das multas, o que impõe reconhecer que o requisito legal para incidência das penalidades por reiteração não foi observado, de modo que as multas são indevidas.
Por fim, descabido o pedido de condenação do apelante nas penas por litigante de má-fé, pois improbus litigator, é a parte que age de forma dolosa, causando dano processual efetivo. O recorrente não se enquadra nesse conceito, tendo exercido mero direito de defesa, inclusive, sagrando-se vencedor em parte.
Ante o exposto, dá-se provimento em parte ao recurso, para excluir da condenação as multas correspondentes ao quíntuplo e ao décuplo da cota condominial, ora declaradas inexigíveis, por inobservância do quorum legal, mantida a condenação ao pagamento da multa de duas vezes o valor da referida contribuição, corrigida desde o ajuizamento e com juros moratórios contados da citação, na forma da r.sentença.
Em razão da sucumbência recíproca, cada parte arcará com metade das custas e despesas processuais e o autor arcará com os honorários advocatícios de R$ 1.000,00 (mil reais); o réu, por sua vez, arcará com os honorários advocatícios em favor do patrono do autor,
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arbitrados no mesmo valor, o que se faz a fim de evitar a fixação de
honorários irrisórios em favor do patronos.
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