Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
31ª Câmara
Registro: 2018.0000537216
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1000980-85.2016.8.26.0642, da Comarca de Ubatuba, em que é apelante CONDOMÍNIO SOLAR DAS EMBAUBAS, é apelado HUMBERTO MAZZAFERRO.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Conheceram em parte do recurso e, na parte conhecida, negaram-lhe provimento. V.U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO AYROSA (Presidente sem voto), ADILSON DE ARAUJO E CARLOS NUNES.
São Paulo, 24 de julho de 2018.
Antonio Rigolin
Relator
Assinatura Eletrônica
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31ª Câmara
APELAÇÃO Nº 1000980-85.2016.8.26.0642
Comarca:UBATUBA 3ª Vara
Juiz: Diogo Volpe Gonçalves Soares
Apelante: Condomínio Solar das Embaubas
Apelado: Humberto Mazzaferro
CONDOMÍNIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE REGIMENTO INTERNO NÃO SUBMETIDO A APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA CONDOMINIAL E DE VOTOS EMITIDOS EM DESCONFORMIDADE À CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO. NULIDADES RECONHECIDAS. PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Para imposição de regimento interno aos condôminos é necessária a deliberação e aprovação em assembleia condominial, conforme estabelece a legislação e a convenção do condomínio, o que não ocorreu. 2. A convenção condominial também estabeleceu que nenhum condômino poderá votar em discussão acerca de matéria que seja de seu interesse particular. Embora tal disposição configure restrição ao direito de voto, é razoável e até esperado que o síndico seja impedido de votar para aprovação das contas de sua própria gestão. 3. De igual modo, a convenção proíbe que membros do conselho fiscal munidos de procuração possam votar em nome de outros condôminos. Assim, considerando que, no caso, o conselho consultivo também exerce a função de conselho fiscal, impõe-se anular os votos emitidos pelo conselheiro em nome de terceiros.
RECURSO. APELAÇÃO. RAZÕES RECURSAIS PARCIALMENTE DISSOCIADAS DO CONTEÚDO DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REGULARIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA. RECURSO NÃO CONHECIDO NESSA PARTE. O sistema recursal civil orienta-se pelo princípio da dialeticidade, de modo que se torna impossível o conhecimento do recurso cujas razões não guardam relação com o contexto do decisório. A falta de questionamento específico a respeito do conteúdo da sentença implica ausência de fundamentação. Assim, não comporta conhecimento o recurso na parte em que se discutiu o valor atribuído à causa.
Voto nº 40.966
Visto.
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1. Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato jurídico proposta por HUMBERTO MAZZAFERRO em face de CONDOMÍNIO SOLAR DAS EMBAÚBAS.
A r. sentença, cujo relatório se adota, julgou procedente o pedido para, assim, declarar nulidade das “Normas Administrativas do Condomínio Residencial Solar das Embaúbas” e dos votos do síndico e das unidades autônomas 14-I, 34-I e 42-II para a aprovação de contas na Assembleia Geral Ordinária, condenando o réu ao pagamento de despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 20% do valor atualizado da causa.
Inconformado, apela o vencido, pleiteando a inversão do resultado, sob a alegação de que o Condomínio não tem regimento interno e a norma administrativa foi aprovada de acordo com a Convenção respectiva. Também sustenta que o síndico tem o direito de votar em assembleia para aprovação das contas de sua gestão, tanto por não se tratar de assunto de seu interesse particular, quanto porque o Código Civil restringiu apenas o voto do inadimplente, derrogando o artigo 9º, item ‘4’, da Convenção. Ademais, os membros do Conselho Fiscal e Consultivo podem votar por outros condôminos na hipótese de lhes terem sido conferidos os poderes necessários, uma vez que o órgão não se confunde com o Conselho Fiscal. Por fim, pede a redução do valor da causa, posto que “a Justiça do Trabalho fixa um mínimo de dois salários mínimos para cabimento de determinados recursos”.
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É o relatório.
2. Segundo a petição inicial, em abril de 2015, o réu editou documento intitulado “Normas Administrativas do Condomínio Residencial Solar das Embaúbas”, deixando de submetê-lo à necessária deliberação e aprovação por 2/3 dos moradores em assembleia, conforme determina o Regimento Interno do Condomínio. Além disso, na oportunidade da Assembleia Geral Ordinária realizada em 23 de janeiro de 2016, foram aprovadas as contas prestadas pelo síndico, referentes ao ano de 2015. Porém, a despeito de a Convenção de Condomínio proibir que condôminos votem em assunto de seu interesse particular e que membros do Conselho Fiscal possam votar como representantes de outros moradores, um dos votos foi do próprio síndico e três outros foram emitidos por um dos conselheiros fiscais com procuração para representar as unidades 14-I, 34-I e 42-II. Daí a propositura da presente ação, objetivando a declaração de nulidade das normas administrativas e dos votos proferidos irregularmente em assembleia.
O réu, ao se defender, alegou que a Convenção é omissa em estabelecer quórum para aprovação de regimento interno, apontando que a norma contestada é mero regulamento para orientação dos moradores. O síndico tem direito a voto se estiver adimplente, o que não pode ser afastado pela Convenção, e não há fundamento legal para questionar os votos emitidos por representante com poderes específicos. Ademais, a aprovação das contas não é de interesse particular do síndico, mas do condomínio como um todo. Por fim, sustentou que o valor atribuído à causa é excessivo, pois deve ser semelhante àquele que a OAB prevê para a remuneração do advogado, ou seja, R$ 4.000,00.
A r. sentença julgou procedentes os pedidos.
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Primeiramente, verifica-se que o documento intitulado “Normas Administrativas do Condomínio Residencial Solar das Embaúbas” configura regimento interno condominial (fl. 77). Isso porque, como bem observado pela r. sentença, impõe obrigações a serem cumpridas por todos os condôminos e regulamenta as atividades dos síndicos e administradores.
Independentemente da motivação para a edição da norma e de ela estar ou não em consonância com as disposições do Código Civil, é certo que na convenção condominial consta expressamente que compete às assembleias gerais ordinárias aprovarem o regimento interno do condomínio ou suas modificações (fls. 14, artigo 11, alínea ‘f’), além de esclarecer que “os resultados das votações serão computados por maioria simples de votos” (fls. 15, artigo 14).
Além disso, o artigo 9º da Lei 4591/64 também estabelece a necessidade de aprovação do Regimento Interno em assembleia:
“Art. 9º Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembleia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações.”
De igual modo, o artigo 1.350 do Código Civil determina a convocação de assembleia geral ordinária para a alteração do regimento interno:
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aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
Sendo incontroversa a ausência de deliberação acerca da aprovação do documento e do preenchimento de todos os requisitos formais, que deveriam estar perfeitamente documentados, impõe-se reconhecer a nulidade das normas administrativas em questão.
Prosseguindo, também se lê expressamente na convenção a impossibilidade de qualquer condômino votar quando estiver sendo discutido assunto de seu interesse particular (fl. 14).
Independentemente de todos os condôminos terem direito a voto em assembleia, a restrição apresentada pela convenção, ainda que ela seja anterior ao Código Civil, é razoável, até porque não faria qualquer sentido que o síndico pudesse aprovar as próprias contas.
Além disso, é descabida a alegação de que a aprovação das contas da gestão do síndico não constitui matéria de seu interesse particular. Por óbvio, há um interesse coletivo em apurar a regularidade das contas apresentadas por ele, mas o interesse primordial é do próprio administrador.
De igual modo, a Convenção afirma, em seu artigo 10, que o condômino pode ser representado em assembleia por procurador com poderes especiais. Porém, com absoluta clareza, exclui a possibilidade de este procurador ser um dos membros do Conselho Fiscal (fl. 14).
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havia sido eleito, em 20 de março de 2015, conselheiro fiscal e consultivo do condomínio (fl. 33).
Não há qualquer fundamento para acolher a assertiva, formulada sem embasamento sério, de que o Conselheiro Consultivo e Fiscal não se enquadra no impedimento do mencionado artigo 10.
A convenção utiliza o termo “conselho fiscal”, atribuindo-lhe as funções de fiscalizar e dar parecer acerca das atividades do síndico e do administrador, examinar contas e relatórios, comunicar irregularidades, etc. (fl. 16). Em seguida, aponta que o “Conselho Consultivo” assessorará o síndico, opinará em assuntos pessoais entre este e o condomínio e oferecerá parecer em matéria relativa a despesas extraordinárias, permitindo que a assembleia decida que o conselho fiscal exercerá as funções do conselho consultivo (fl. 17).
A ata da assembleia que elegeu o conselheiro Lafaiete apontou expressamente que seu cargo seria o de conselheiro consultivo e fiscal (fl. 33). Ainda, a ata da assembleia em que foram aprovadas as contas do síndico comprova que as funções exercidas pelos conselheiros eram fiscais, aduzindo que examinaram as contas da gestão (fls. 37/38).
Assim, também devem ser anulados os votos do síndico e dos condôminos representados por conselheiro na assembleia que aprovou a prestação de contas do ano de 2015.
Por derradeiro, de acordo com a sistemática determinada pelos artigos 291 e 292 do CPC, dois critérios devem orientar a fixação do valor da causa. De um lado, se a causa tem conteúdo econômico imediato, o valor deve representar exatamente a repercussão patrimonial que o
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acolhimento do pedido propiciará ao autor, segundo os termos do seu pedido. De outro, se não existe esse conteúdo, cabe ao autor a liberdade de escolha, até porque a lei apenas exige a atribuição, não traçando o exato critério a ser observado, com a ressalva apenas da possibilidade de interferência do juiz para eliminar eventuais abusos.
Porém, não obstante o expresso enfrentamento da matéria pela sentença, que apontou por se tratar de ação declaratória de nulidade de ato, desprovida de conteúdo econômico imediato, mostra-se plenamente possível a atribuição de um valor de alçada, o qual em nada se relaciona com a Tabela da OAB/SP, nenhuma referência houve a esse respeito, limitando-se o réu a afirmar que “a Justiça do Trabalho fixa um mínimo de dois salários mínimos para cabimento de determinados recursos” (fl. 115).
Há absoluta desconformidade entre o apelo, nessa parte, e a sentença, tornando impossível a realização de qualquer análise.
Ora, o recurso de apelação se destina a obter um juízo de revisão da sentença e por isso deve conter argumentos voltados a identificar a existência de erro de forma ou de substância na sentença.
Há um evidente descompasso entre as razões recursais e o contexto de análise desenvolvido pela sentença, omitindo o apelante a indispensável providência de demonstrar a ocorrência de verdadeiro erro de julgamento, o que torna inadmissível o recurso, nessa parte.
Como se sabe, a sistemática dos recursos no Código de Processo Civil é regida pelo princípio da dialeticidade (artigo 1.010, II), de modo que à parte recorrente cabe formular os argumentos voltados à indicação a evidenciar a invalidade ou a injustiça da decisão recorrida. A
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formulação de razões sem qualquer relação com o contexto do pronunciamento recorrido equivale à ausência de motivação.
É incisivo, a respeito, o ensinamento de Nelson Nery Júnior, que continua atual:
“Sem a vontade de recorrer não há recurso. Essa vontade deve manifestar-se de forma inequívoca, sob pena de não conhecimento. Basta somente a vontade de recorrer, sendo imprescindível a dedução das razões (descrição) pelas quais se pede novo pronunciamento jurisdicional sobre a questão objeto do recurso.
As razões de recurso são elemento indispensável para que o tribunal, ao qual se o dirige, possa julgá-lo, ponderando-as em confronto com os motivos da decisão recorrida que lhe embasaram a parte dispositiva.” 1
No mesmo sentido, Eduardo Arruda Alvim:
“Importante ter-se presente que as razões devem guardar estreita correlação com os termos da decisão impugnada, sob pena do não conhecimento do recurso, consoante já decidiu o 2º TACivSP, que inadmitiu (não conheceu) de recurso ‘na medida em que os réus (ali recorrentes) não adequaram seu recurso à hipótese submetida à apreciação judicial, impugnando matéria diversa da discutida nos autos’. A correlação ou a pertinência que as razões devem ter em relação à decisão, em particular, com a sua fundamentação, evidenciam uma das dimensões dialéticas do processo; ausente essa relação, não há dialeticidade alguma.” 2
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“Situação que se assemelha à ausência de fundamentação da apelação é aquele em que as razões são inteiramente dissociadas do caso em que a apelação é interposta. As razões devem ser pertinentes e dizer respeito aos fundamentos da sentença, ou a outro fato que justifique a modificação dela. Se as razões da apelação forem completamente diversas do objeto litigioso, não há como se admitir o recurso de apelação.” . 3
Assim, não comporta conhecimento o recurso na parte em que se questionou o valor atribuído à causa.
Enfim, na parte conhecida, não comporta acolhimento o inconformismo, devendo prevalecer a r. sentença tal como lançada.
Por derradeiro, cabe observar que não comporta ampliação a verba honorária sucumbencial, pois já fixada em seu percentual máximo (CPC, artigo 85, § 11).
3. Ante o exposto, e nesses termos, conheço parcialmente do recurso, negando-lhe provimento na parte conhecida.
ANTONIO RIGOLIN
Relator