Inteiro Teor
Apelação Cível n. 2013.049284-9, de Joinville
Relator: Desembargador Substituto Odson Cardoso Filho
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRIMEIRA FASE. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECLAMO DO RÉU.
ILEGITIMIDADE ATIVA. DEMANDA PROPOSTA POR ÚNICA MORADORA DO CONDOMÍNIO. PRETENSÃO INDIVIDUAL DE REVISÃO DAS CONTAS REFERENTES À MEDIÇÃO DE GÁS, GASTOS COM A MANUTENÇÃO DE ANTENA PARABÓLICA E FUNDO DE RESERVA. INVIABILIDADE.
CONTAS, ADEMAIS, DEVIDAMENTE APRESENTADAS PELO SÍNDICO EM ASSEMBLÉIA GERAL. APROVAÇÃO DOS BALANCETES PELO CONSELHO CONSULTIVO. AUSÊNCIA DE INTERESSE EM PLEITEAR NOVA DEMONSTRAÇÃO DOS CÁLCULOS PELO CONDOMÍNIO.
SENTENÇA CASSADA. EXTINÇÃO DO FEITO, NOS TERMOS DO ART. 267, VI, DO CPC.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.049284-9, da comarca de Joinville (1ª Vara Cível), em que é apelante Condomínio do Edifício Jung Frau, e apelada Marise Malinski:
A Quinta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conheceu do recurso e deu-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 27 de março de 2014, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 31 de março de 2014.
Odson Cardoso Filho
Relator
RELATÓRIO
Na comarca de Joinville, Marise Malinski ajuizou “Ação de Prestação de Contas c/c Repetição do Indébito, Obrigação de Fazer e Danos Morais” (n. 038.11.012962-5) em face de Condomínio Jung Frau.
Alega ser proprietária e moradora de unidade autônoma do condomínio réu e que, diante de seu descontentamento com a forma pela qual o edifício é administrado, buscou queixar-se dos problemas que reputa existentes para o síndico e outros condôminos, porém, nunca recebeu atenção ou apresentação de soluções.
Indica que o fornecimento de gás do prédio é canalizado com medições individuais; entretanto, os valores cobrados mensalmente não correspondem ao consumo real de seu apartamento.
Argui que os custos com a instalação e manutenção da antena parabólica coletiva foram superfaturados, além de não terem sido aprovados na assembléia de moradores.
Aponta irregularidades no fundo de reserva do condomínio e cogita que este não está sendo empregado adequadamente pela administração.
Noticia a existência de vazamento de água do ar condicionado do apartamento n. 1.103 sobre uma das janelas de seu imóvel e acentua que as lixeiras do condomínio, nas quais bicicletas e motocicletas são prendidas pelos moradores, localizam-se atrás de sua vaga de garagem, causando prejuízos ao seu veículo e dificultando, inclusive, o estacionamento.
Defende, também, ter suportado prejuízos extrapatrimoniais, pois teria recebido críticas e sido agredida verbalmente por outros moradores.
Ao final, pugna pela: (a) condenação do réu à prestação de contas referente à quantidade de gás consumida por sua unidade habitacional, aos gastos com a instalação/manutenção da antena parabólica e no que diz respeito à utilização do fundo de reserva; (b) concessão de tutela antecipada para compelir o condômino do apartamento 1.103, e para que sejam solucionados os problemas relativos à lixeira do prédio e às bicicletas e motocicletas deixadas próximas a seu box de garagem; (c) repetição do indébito referente aos valores pagos indevidamente pelo consumo de gás; e, (d) condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 2-23).
Pelas razões de fls. 112-113, foi indeferida a petição inicial no que diz respeito aos pedidos b e d, prosseguindo em relação à prestação de contas.
Formada a relação jurídica processual e observado o contraditório, o magistrado a quo, com arrimo no art. 330, I, do CPC, julgou procedente o pedido formulado na exordial, a fim de “condenar o réu a apresentar as contas referentes à medição de gás e os respectivos valores lançados nos meses de setembro/2009 a março/2010, saldo de fundo de reserva e gastos com conserto de antena parabólica, no prazo de 15 (quinze) dias” (fls. 205-209).
Opostos embargos de declaração (fls. 223-225), rejeitados à fl. 234.
Insatisfeito, o demandado apelou. Preliminarmente, aponta a ilegitimidade da demandante e, no mérito, diz que apresentou diversos documentos, os quais seriam suficientes para atender à pretensão da demandante, motivo pelo qual os pedidos iniciais devem ser julgados improcedentes (fls. 212-220).
Com as contrarrazões (fls. 237-241), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.
E, no mérito, entendo que é digno de provimento.
É certo que ao síndico recai o dever de prestar contas ao condomínio, em assembleia geral competente, consoante previsto no art. 1.348, VIII, do Código Civil e art. 22, § 1º, f, da Lei n. 4.591/64. Imperativo dizer, também, que, “uma vez cumprido o dever legal e obtida aprovação da assembleia, nenhum direito resta aos condôminos, individualmente, de reclamar do síndico prestação jurisdicional de contas” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 87; grifei).
E este Tribunal tem entendido que carece de legitimidade ativa o condômino para exigir contas do síndico (Apelação Cível n. 2006.040599-2, de Tubarão, rel. Des. Fernando Carioni, j 03-04-2007; e Apelação Cível n. 1988.086307-0, da Capital, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 16-11-1995). A Corte Gaúcha não destoa (Apelação Cível n. 70047117239, de Porto Alegre, rela. Desa. Nara Leonor Castro Garcia, j. 16-02-2012; e Apelação Cível n. 70039332937, de Porto Alegre, rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 06-12-2011)
Ainda que a demandante fosse parte legítima para propor a actio, no caso dos autos, o réu demonstrou, satisfatoriamente, que o síndico prestou contas ao condomínio, em assembleia geral extraordinária (fls. 124-126), além de ter juntado os balancetes – inclusive com as medições de gás das unidades habitacionais -, os quais tiveram aprovação do Conselho de Moradores (fls. 132-190) sem maiores ressalvas.
No que diz respeito à manutenção da antena parabólica do edifício, o documento de fl. 183 revela o respectivo débito suportado pelo condomínio, e rateado entre os moradores, não havendo motivos para que se tenha dúvida em relação à sua legitimidade.
Portanto, apresentadas as contas devidamente assinadas pelo Conselho Consultivo, tratou o síndico de exercitar adequamente o seu papel quanto à obrigação que lhe competia.
Nesse sentido, THEODORO JÚNIOR ensina:
No condomínio por propriedade horizontal incide a regulamentação da Lei nº 4.864, de 29.11.65, que prevê um sistema específico de administração através do síndico, ao qual incumbe o dever de prestar contas à assembléia geral dos condôminos. […] Se algum comunheiro considera irregular a aprovação da assembleia, o que lhe compete é a ação de anulação da deliberação social. Enquanto tal não ocorrer, quitado estará o síndico da obrigação de prestar contas. (THEODORO JÚNIOR. op. cit., p.87)
Mutatis mutandis, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, NA MODALIDADE “DAR CONTAS”, PROPOSTA POR COOPERATIVA EM FACE DE EX-COOPERADOS – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR, NO VIÉS NECESSIDADE – VERIFICAÇÃO – NOS TERMOS LEGAIS E/OU ESTATUTÁRIOS, A ASSEMBLÉIA GERAL, OU ÓRGÃO EQUIVALENTE, PROCEDE AO ACERTAMENTO DE CONTAS DE CADA EXERCÍCIO SOCIAL – REPETIÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM JUÍZO – IMPOSSIBILIDADE – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – CARÁTER DÚPLICE – COBRANÇA DE VALOR DEFINIDO – INADEQUAÇÃO DA AÇÃO – OCORRÊNCIA – CONHECIMENTO DA PRESENTE AÇÃO COMO DE COBRANÇA – INVIABILIDADE – EXTINÇÃO DA AÇÃO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO – NECESSIDADE – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I – A prestação de contas de cada exercício social é, por determinação legal e/ou estatutária, realizada pela Assembléia Geral ou órgão equivalente, sendo certo que, no momento em que o acertamento de contas é efetivado, adimplido está o dever de prestar contas, não se admitindo sua repetição na via judicial, porque absolutamente despicienda; […]. (Recurso Especial n. 1.102.688/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 07-10-2010)
Desta feita, não fosse a ilegitimidade ativa da demandante, seria o caso de improcedência do pedido de prestação de contas, em face do seu cumprimento administrativo pela pessoa do síndico.
Enalteço, por fim, ser impossível confundir a ausência de prestação de contas com a discordância quanto aos gastos ordinários e investimentos empreendidos; nesta última hipótese, o debate deve ser travado na própria Assembleia Geral do condomínio.
Em face do que foi dito, imperiosa a extinção do feito, sem resolução do mérito, ante a reconhecida ilegitimidade ativa.
Diante de tal cenário, necessária a redistribuição dos ônus de sucumbência, arcando a recorrida com o pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), com fundamento no art. 20, § 4º c/c o seu § 3, do Código de Processo Civil.
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de cassar a sentença e julgar extinto o feito, nos termos do art. 267, VI, do CPC; e redistribuir os ônus sucumbenciais, na forma acima exposta.
É o voto.
Gabinete Desembargador Substituto Odson Cardoso Filho