Inteiro Teor
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. VEREADOR. RECEBIMENTO DA DENÚNICIA. QUÓRUM. MAIORIA ABSOLUTA. QUÓRUM PREVISTO NO DECRETO Nº 201/67. APLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STF. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA MANTIDA.
I. Nos termos do art. 28, § 1º, da Lei Orgânica Municipal de Ilicínea, cumulado com o art. 130 do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores e com o art. 5º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67, para ocorrer a cassação de mandato eletivo, mostra-se necessário observar o procedimento, notadamente o quórum estabelecido de maioria absoluta para o recebimento da representação contra agente político.
II. Composta a Câmara Municipal de Ilicínea por 09 (nove) vereadores, estando um impedido por ser esposo da denunciante e não tendo ocorrido a convocação do suplente imediato da impetrante, a anulação da votação de instauração do processo disciplinar por quebra decoro parlamentar instaurada contra a impetrante é medida que se impõe.
REMESSA NECESSÁRIA-CV Nº 1.0000.21.059136-8/001 – COMARCA DE BOA ESPERANÇA – REMETENTE: JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES PENAIS DE BOA ESPERANÇA – AUTOR (ES)(A) S: CLEUSA MARIA RESENDE – RÉ(U)(S): MUNICÍPIO DE ILICINEA – INTERESSADO (S): PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ILICÍNEA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em MANTER A SENTENÇA NA REMESSA NECESSÁRIA.
DES. WASHINGTON FERREIRA
RELATOR
DES. WASHINGTON FERREIRA (RELATOR)
V O T O
Trata-se de reexame necessário à sentença proferida pelo MM Juiz de Direito da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais da comarca de Boa Esperança/MG, que, nos autos do Mandado de Segurança impetrado por CLEUSA MARIA RESENTE contra ato praticado pelo PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ILICÍNEA, concedeu a segurança rogada para anular a votação de instauração do processo ético disciplinar da impetrante que ocorreu na Sessão Ordinária realizada no dia 27 de março de 2019, além da anulação de todos os atos decorrentes do processo de apuração de quebra de decoro parlamentar (Sentença – Ordem nº 53).
Sem honorários, a teor do disposto no ar. 25 da Lei nº 12.016/09.
Não houve interposição de recurso voluntário.
A d. Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Emanuel de Souza Mazzoni, opinou pela confirmação da sentença, na remessa necessária (Parecer – Ordem nº 63).
É o relatório.
Presentes os pressupostos processuais previstos no Código de Processo Civil, bem como no art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09, conheço do reexame necessário.
REEXAME NECESSÁRIO
Segundo consta, Cleusa Maria Resende impetrou o presente mandamus contra ato do Presidente da Câmara Municipal de Ilicínea alegando, basicamente, ser vereadora municipal. Informa que na data de 27 de março de 2019, foi apresentado ao Plenário da Casa Legislativa de Ilicínea requerimento de abertura de processo de cassação de seu mandato eletivo por quebra de decoro parlamentar. Contudo, além de alegar que a denúncia que ensejou a perda do mandato eletivo somente poderia ocorrer por provocação da respectiva Mesa ou Partido Político com representação da Câmara, assegura que houve violação ao quórum para o recebimento da denúncia, violando a Lei Orgânica do Município de Ilicínea e o art. 5º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67.
Após o regular processamento do feito, com emissão de parecer ministerial, o MM. Juiz a quo concedeu a segurança “para ANULAR a votação que acatou a representação (Sessão Ordinária do dia 27/03/19 – ID 67930729) e os atos que dela decorreram, por consequência, de todo o processo de apuração de falta de decoro” (Ordem nº 53).
Essa é, portanto, a sentença sujeito à remessa necessária.
De início, destaco que o ato apontado como coator pela impetrante foi a cassação de seu mandato ocorrida na Sessão Ordinária realizada na Câmara Municipal de Ilicínea, no dia 27 de março de 2019.
No caso, a cassação de mandato de vereador é resultado de votação realizada pela Câmara Municipal, revelando-se, assim, acertada a indicação do presidente da Câmara como autoridade coatora, ante sua legitimidade para representar a instituição, detendo, portanto, legitimidade para representá-la nos autos.
De igual forma, não procede a alegação da impetrante de que cidadão não teria legitimidade ativa para provocar a instauração de processo contra parlamentar para perda de mandato eletivo.
Isto porque, nos exatos termos do art. 130 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores do Município de Ilicínea, compete ao Presidente da Casa Legislativa, “por ato próprio ou em virtude de representação”, instituir o processo disciplinar. Logo, mantenho o ato sentencial que rejeitou a preliminar ilegitimidade.
Sem mais preliminares, passo à análise meritória.
MÉRITO
Como se sabe, o mandado de segurança é ação constitucional para proteção de direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, em caso de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente no exercício de atribuições do Poder Público, nos moldes do artigo 5º, LXIX e LXX, da Constituição da Republica de 1988, e do artigo 1º da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Isso é indiscutível.
No caso em exame, o intuito da impetrante, na condição de Vereadora do Município de Ilicínea, é obter a concessão da ordem para anular a votação de instauração do processo ético disciplinar ocorrido na Sessão Ordinária realizada no dia 27 de março de 2019.
Para a impetrante, na Sessão Ordinária realizada no dia 27 de março de 2019, dos nove vereadores presentes, um estava impedido, por ser esposo da denunciante. Contudo, os elementos dos autos asseguram que além de não ter ocorrido a convocação do suplente imediato da impetrante – vereadora denunciada -, o suplente do vereador impedido também não foi convocado para participar da Sessão. Logo, apesar de os sete vereadores votantes terem opinado pela abertura do processo administrativo disciplinar contra a impetrante, sendo quatro votos favoráveis e três contrários, não houve observância da maioria absoluta, conforme dispõe o art. 28, § 2º da Lei Orgânica Municipal, in verbis:
Art. 28. Perderá o mandato o Vereador,
[…]
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
[…]
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e V, a perda do mandato será decidida pela Câmara de Vereadores, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado na Câmara, assegurada ampla defesa;
De uma leitura do dispositivo transcrito cumulado com o art. 130 do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Ilicínea e com o art. 5º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67, para ocorrer a cassação de mandato eletivo, mostra-se necessário observar o procedimento, notadamente o quórum estabelecido de maioria absoluta para o recebimento da representação.
Considerando, portanto, que a representação foi apresentada ao Plenário da Câmara Municipal na data de 27 de março de 2019 quando estavam presentes apenas nove vereadores, dos quais um estava impedido (esposo da impetrante), não tendo sequer sido convocado o suplente da impetrante, a Casa Legislativa de Ilicínea deixou de observar o quórum de maioria absoluta para o recebimento da denúncia.
Portanto, indiscutível que o quórum necessário ao recebimento da denúncia em processo contra membros do Poder Legislativo é de maioria absoluta, o que não foi respeitado no caso ora em análise.
Portanto, conforme já me pronunciei em outras oportunidades, diferentemente do quórum da maioria simples para cassação de agente político previstos no inciso II, do art. 5º do Decreto Lei nº 201/67, para a instauração da denúncia em processo contra membros do Poder Executivo é de maioria absoluta.
Nesse sentido, esta 1ª Câmara Cível deste egrégio TJMG, sob a Relatoria do Des. ARMANDO FREIRE, já se pronunciou sobre o tema:
EMENTA:
– Conforme orientação da Súmula Vinculante 46, as normas de processo e julgamento de infrações político-administrativas dos agentes políticos se inserem no âmbito da competência legislativa privativa da União.
– As regras do Decreto-lei 201/67 foram recepcionadas parcialmente pela Constituição Federal, devendo ser observadas no processo de apuração de infrações político-administrativas passíveis de levar à cassação do mandato do Vereador, quando não conflitantes com os preceitos da Constituição Federal.
– A denúncia contra Vereador por fatos que possam importar em perda de mandato pode ser apresentada por partido político representado na Câmara Municipal, estando o seu recebimento sujeito à aprovação por maioria absoluta dos seus membros, em decorrência da previsão do art. 55, § 2º, da CF, aplicável no âmbito municipal pelo princípio da simetria com o centro.
– A denúncia apresentada por partido político não configura impedimento em relação aos Vereadores filiados a esse partido para que constituam a Comissão Processante e participem do julgamento.
– Descabe ao Judiciário reapreciar o mérito do julgamento político-administrativo. (TJMG – Ap Cível/Rem Necessária 1.0472.15.003747-2/002, Relator (a): Des.(a) Armando Freire , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/04/2017, publicação da sumula em 03/05/2017)
Diante do que foi apresentado e com amparo no que estabelece o art. 28, § 2º da Lei Orgânica Municipal, o quórum para o recebimento de denúncia contra membro do Poder Legislativo é maioria absoluta, razão pela qual mantenho a douta sentença que concedeu a segurança.
Ante o exposto, MANTENHO A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.
Sem honorários advocatícios, porquanto incabíveis na espécie, em observância ao comando contido no artigo 25, da Lei nº 12.016/09, reforçado pelo enunciado nº 512 da Súmula do STF.
É como voto.
DES. MÁRCIO IDALMO SANTOS MIRANDA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. GERALDO AUGUSTO – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “MANTIVERAM A SENTENÇA NA REMESSA NECESSÁRIA.”