Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE LOTE EM CONDOMÍNIO. INEXECUÇÃO DE OBRAS DE INFRAESTRUTURA. RESPONSABILIDADE DO PROMITENTE VENDEDOR. INADIMPLEMENTO. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DA QUANTIA PAGA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Na dicção do artigo 476 do Código Civil, nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro. 2. O promitente vendedor que deixou de cumprir sua obrigação não pode exigir do promissário comprador a quitação. 3. O promissário comprador tem direito à restituição, na integralidade, dos valores pagos, nos termos da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.14.326615-3/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE (S): RUBEM DARIO DOS SANTOS VASCONCELOS – APELADO (A)(S): RESERVA REAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS S.A. – INTERESSADO (S): ELISANGELA DA SILVA ALMEIDA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. MARCOS LINCOLN
RELATOR.
DES. MARCOS LINCOLN (RELATOR)
V O T O
Trata-se de apelação interposta por RUBEM DÁRIO DOS SANTOS VASCONCELOS à sentença de fls. 433/437, proferida nos autos da “ação declaratória de rescisão contratual c/c nulidade de cláusula contratual c/c restituição de valores” ajuizada em desfavor de RESERVA REAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, pela qual a MMª Juíza de Direito decidiu:
“Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para:
DECLARAR A RESCISÃO DO CONTRATO, entretanto, por culpa do autor;
CONDENAR a requerida a restituir ao autor a quantia paga corrigida pelos índices da caderneta de poupança a partir de cada desembolso;
Do total da restituição, autoriza a retenção de 10% do valor corrigido do contrato a título de multa compensatória.
A correção do contrato, também, deverá ser feita pelos índices da caderneta de poupança.
Os juros de mora incidem apenas a partir do trânsito, pois a mora reconhecida na presente decisão é do autor.
Divido a sucumbência em 80% para o autor e 20% para a requerida.
Custas a razão de 80% para o autor e 20% para a requerida.
Fixo os honorários de sucumbência em 10% do valor da condenação, dos quais 20% para o advogado do autor e 80% para o advogado do requerido.” (sic)
Nas razões recursais (fls. 474/485), o autor apelante sustentou a necessidade de reforma da sentença, à alegação de que a rescisão do contrato se deu por culpa exclusiva da ré, promitente vendedora, ao deixar de realizar todas as obras de infraestrutura necessárias ao empreendimento, o qual possuiria, inclusive, “um campo de golf de 18 buracos, Club House, SPA com recepção, quadras esportivas, etc” (sic fl. 481). Demais disso, aduziu ter juntado à inicial Ficha Financeira emitida pela própria apelada, de modo que deveria ser “considerado como efetivamente pago o valor de R$93.796,15 (noventa e três mil setecentos e noventa e seis reais e quinze centavos).” (sic fl. 483)
Contrarrazões às fls. 490/499.
É o relatório.
Passa-se à decisão.
Colhe-se dos autos que o autor, RUBEM DÁRIO DOS SANTOS VASCONCELOS, em 30/05/2011, celebrou com a ré, RESERVA REAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A, contrato de promessa de compra e venda para aquisição de uma unidade imobiliária constituída pelo lote 7, da quadra 25, com área de 1.060,00 m2, localizado no Condomínio Golf Resort, em Jaboticatubas/MG, com data de entrega prevista para 31 de dezembro de 2012, conforme fls. 23/36.
A cláusula 3ª do mencionado contrato estabeleceu tolerância de 120 dias úteis para a entrega das chaves, o que, em tese, prorrogaria o prazo para 30/04/2013 (fl. 26).
Todavia, segundo se infere da exordial, até o ajuizamento desta ação (01/12/2014), a incorporadora sequer havia dado início às obras de infraestrutura, ao argumento de que sua responsabilidade contratual se restringiria à entrega das unidades autônomas.
Com essas alegações, o autor pediu a rescisão do contrato pactuado, bem como a devolução em dobro dos valores despendidos e a aplicação de multa correspondente a 10% (dez por cento) do valor do contrato.
Após regular tramitação do feito, com contestação e impugnação, sobreveio a sentença recorrida, pela qual a MMª Juíza de primeiro grau reconheceu a culpa exclusiva do autor (promissário comprador) na rescisão contratual e julgou os pedidos iniciais parcialmente procedentes, como relatado.
Esses são os fatos.
De início, registre-se que o autor apelante não se insurgiu contra a parte da sentença que julgou improcedente o pedido de fixação da multa contratual, eis que se limitou a requerer a rescisão do contrato por culpa exclusiva da ré/apelada e a restituição da quantia paga.
Pois bem.
Cumpre destacar que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis à espécie, devendo as cláusulas contratuais ser interpretadas favoravelmente ao consumidor aderente, mormente em virtude dos frequentes abusos das incorporadoras e diante da natureza jurídica dos serviços prestados.
Como dito anteriormente, o autor/apelante adquiriu da ré/apelada a unidade constituída pelo lote 7, da quadra 25, com área de 1.060,00 m2, localizado no Condomínio Golf Resort, em Jaboticatubas/MG, com data de entrega prevista para 31 de dezembro de 2012, cujo prazo poderia ser prolongado contratualmente até 30/04/2013 (cláusula 3ª, fl. 26).
Do exame dos autos, infere-se que a versão apresentada com a exordial é a de que a ré, até o ajuizamento da ação, sequer havia dado início às obras de infraestrutura, ao argumento de que sua responsabilidade contratual se restringiria à entrega das unidades autônomas; que somente em julho de 2013 e após o inadimplemento da promitente vendedora deixou de pagar as parcelas contratadas.
Em defesa, a ré não negou as alegações iniciais, limitando-se a afirmar que “jamais constou no contrato em questão qualquer obrigação ou compromisso da ré em entregar a totalidade da infraestrutura do empreendimento Reserva Real simultaneamente à entrega dos seus lotes de terreno, até porque grande parte das obras em questão dizem respeito a equipamentos de lazer cujo uso e fruição dependem de prévia associação às entidades criadas para gerir tais equipamentos de lazer, tais e qual o chamado Star Club, bem como a Hípica e outros equipamentos mais” (sic fl. 83). Além do mais, asseverou que a culpa pela rescisão contratual seria do autor, eis que estaria inadimplente desde julho de 2013.
No caso concreto, analisando com cuidado e atenção o cotejo probatório, depreende-se que o ‘Contrato de Promessa de Compra e Venda’ de fls. 25/36 não previu expressamente a responsabilidade da ré apelada na execução de obras de infraestrutura voltadas à construção do centro comercial ou da área de lazer informada pelo autor apelante.
Contudo, à míngua de previsão contratual, denota-se pelas reportagens de fls. 129/134 e 175/177 que a ré, de fato, prometeu uma infraestrutura de alto padrão, a qual daria aos consumidores um amplo centro comercial e área de lazer, com campo profissional de Golf de 18 buracos, pista de pouso, baias de hípica, quadras poliesportivas e espaço gourmet.
Diante disso, com fulcro no artigo 51, inciso VI, do CDC c/c artigo 373, II, do NCPC, incumbia à ré apelada comprovar que efetuou todas as obras de infraestrutura, notadamente aquelas relativas ao centro comercial e à área de lazer, prova essa que não veio aos autos.
Isso porque, de acordo com a contestação, a ré apelada admitiu ter efetuado apenas as obras necessárias à infraestrutura e entrega do loteamento Golf Resort, “quais sejam, (i) projeto urbanístico, (ii) drenagem pluvial, (iii) abastecimento de água, (iv) esgotamento sanitário, (v) geração e destinação dos resíduos sólidos, (vi) via pública, (vii) iluminação viária.” (sic fl. 84)
Vale anotar ainda que, diante da grande repercussão gerada nos meios de comunicação, no dia 16.10.2015, a TV Alterosa, inclusive, produziu uma reportagem sobre o caso, disponível no link www.alterosa.com.br/app/belo-horizonte/noticia/jornalismo/ja—1ed/2015/10/16/noticia-ja-1edicao,141382/lote-em-condomínio-de-luxo-vira-dor-de-cabeca-para-compradores.shtml, a fim de demonstrar a precariedade do empreendimento entregue aos promissários compradores.
Com efeito, não há duvida de que quem inadimpliu primeiro foi a promitente vendedora, pois não entregou o empreendimento com todas as obras de infraestrutura contratadas em 30/04/2013.
Em assim sendo, aplicável à espécie a cláusula denominada exceção de contrato não cumprido – exceptio non adimpleti contratus -, de que fala o art. 476 do Código Civil, nos seguintes termos: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.
Sobre a matéria, Orlando Gomes, em sua obra Contratos, 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 78, leciona, in verbis:
“Visto que a interdependência das obrigações é da essência dos contratos sinalagmáticos, cada contraente não pode, antes de cumprir sua obrigação, exigir do outro adimplemento da que lhe incumbe. Diz-se que pode opor ao outro, paralisando a execução do contrato, a exceção da inexecução, conhecida como exceptio non adimpleti contratus, literalmente exceção de contrato não cumprido”.
Logo, tendo em vista que o autor só deixou de adimplir as parcelas após a inexecução do contrato por parte do promitente vendedor, a sentença hostilizada deve ser reformada.
Dessa maneira, aplica-se à espécie o teor da Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. (Súmula 543, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015)
Assim, a restituição ao consumidor há de ser integral, observando-se a quantia histórica de R$88.004,08 (oitenta e oito mil quatro reais e oito centavos), a ser corrigida desde o efetivo desembolso, acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, fl. 47.
É que, admitir como devido o montante de R$93.796,15 (noventa e três mil setecentos e noventa e seis reais e quinze centavos) seria incidir duplamente os consectários legais sobre o valor da dívida, o que não é permitido em nosso ordenamento jurídico.
Desta feita, o apelo nesse tocante não merece ser provido.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para reformar em parte a sentença, a fim de reconhecer a rescisão contratual por culpa exclusiva da promitente vendedora, ora ré apelada, e determinar a restituição ao autor apelante da quantia de R$88.004,08 (oitenta e oito mil quatro reais e oito centavos), a ser corrigida monetariamente pela tabela da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais a partir do efetivo desembolso, acrescida de juros de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.
Diante do novo resultado da lide e da sucumbência recíproca, condena-se o autor ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas, inclusive recursais, e de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil reais); já a ré arcará com o restante das custas (80%) e honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, para as duas instâncias, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 11, do NCPC.
DES. ALEXANDRE SANTIAGO – De acordo com o (a) Relator (a).
JD. CONVOCADO ADRIANO DE MESQUITA CARNEIRO – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO”