Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TOMBAMENTO: ANULAÇÃO – DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO – ADMINISTRAÇÃO: OMISSÃO – IMÓVEL: DEMOLIÇÃO: PERMISSÃO ATÍPICA – CONSTRUÇÃO: PROJETO E AUTORIZAÇÃO: APROVAÇÃO – PARECER JURÍDICO: CONTRÁRIO – LEI MUNICIPAL Nº 2.246/2010: INOBSERVÂNCIA. 1. Ofende a Lei Municipal nº 2.246/2010 o Município de Itapecerica se, embora sem responder a pedido formalizado de anulação do tombamento de imóvel, permite a sua demolição. 2. Conquanto constatada a situação atípica, o “Conselho Consultivo Municipal do Patrimônio Artístico e Cultural de Itapecerica” foi favorável à aprovação do projeto de construção, é insuficiente a fundamentação posta em parecer jurídico de apuração de responsabilidades, para negar aprovação definitiva, pois a lei de regência foi ignorada pelo próprio Município, por servidor seu, e não pela proprietária do imóvel. 3. O cidadão não será penalizado por erro interno da própria Administração Pública na condução do pedido de anulação do tombamento de imóvel. 4. No controle da legalidade, não compete ao Poder Judiciário substituir o Poder Executivo, incumbindo ao Município de Itapecirica/MG proceder à análise dos pedidos do cidadão, nos termos da Lei Municipal nº 2.246/2010, considerando as peculiaridades ocorridas no caso concreto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0335.17.002472-3/001 – COMARCA DE ITAPECERICA – APELANTE (S): NELIANA RODRIGUES LOPES – APELADO (A)(S): MUNICÍPIO DE ITAPECERICA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, À UNANIMIDADE, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
DES. OLIVEIRA FIRMO
RELATOR.
DES. OLIVEIRA FIRMO (RELATOR)
V O T O
I – RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO interposta por NELIANA RODRIGUES LOPES contra a sentença (f. 102-106) prolatada na AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER ajuizada em face do MUNICÍPIO DE ITAPECERICA/MG, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, extinguindo o feito nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) do valor da causa, suspendendo a obrigação por lhe ter deferido os benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98 do CPC/2015.
A apelante aduz, em síntese, que: a) – requereu a anulação do tombamento do imóvel situado na Rua NECÉSIO TAVARES, nº 178, Bairro Centro, Itapecerica/MG, protocolo nº 7205/2012, em 16.8.2012, e que o responsável pela Secretaria Municipal de Cultura, à época, Sr. CARLOS ANTÔNIO GONDIM, considerando o estado precário e de iminente risco de desabamento da edificação, permitiu a demolição do imóvel; b) – conforme consta da 26ª Ata do CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL, ficou evidente o consenso entre os conselheiros de que a apelante agiu de boa-fé e que a autorização para demolição do imóvel tombado originou-se do próprio MUNICÍPIO; c) – o CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL aprovou o projeto de construção, apresentado pela requerente/apelante, com a ressalva de que a aprovação definitiva caberia ao parecer do Departamento Jurídico da Prefeitura; d) – existe no endereço do imóvel objeto desta ação apenas o lote, pois a edificação foi demolida com a autorização e ciência do Poder Público, não restando bem a ser protegido pela Lei Municipal nº 2.246/2010; e) – o Departamento Jurídico suspendeu os efeitos da decisão do Conselho até a apuração da responsabilidade da demolição, no entanto, a sentença afastou a responsabilidade da apelante quanto à demolição do imóvel tombado, cabendo ao MUNICÍPIO/apelado o cumprimento da decisão do Conselho, no sentido de aprovar o projeto de construção. Requer o provimento do recurso, para reformar a sentença a fim de determinar ao MUNICÍPIO/apelado que aprove o projeto arquitetônico e autorize a construção de edificação no lote do terreno situado na Rua NECÉSIO TAVARES, nº 178, Bairro Centro, Itapecerica/MG (f. 109-115).
Contrarrazões: No mérito, alega, em síntese, o seguinte: a) – apuração da responsabilidade administrativa não pode ser feita no curso de um processo judicial, sob pena de ofensa ao devido processo legal; b) – a competência consultiva do Conselho Patrimonial se resume a autorização de intervenções no Patrimônio Histórico da Cidade, não podendo isentar a apelante de responsabilidade; d) – a apelante inova ao aduzir a inexistência do imóvel tombado; e) – não há possibilidade de se cancelar o tombamento do imóvel e muito menos analisar projetos para nova construção no local, enquanto não se apurarem as responsabilidades na via administrativa. Requer a manutenção da sentença (f. 116-120).
Preparo: parte isenta (art. 10, II, da Lei Estadual nº 14.939/2003).
Ministério Público: pelo não provimento do recurso (f. 124-125v).
É o relatório.
II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Vistos os pressupostos de admissibilidade, conheço da APELAÇÃO, que recebo nos efeitos suspensivo e devolutivo (art. 1.012, caput do CPC/2015)
III – MÉRITO
O pedido inicial, nesta ação, consiste em determinar “que o réu aprove o projeto arquitetônico e autorize a construção de edificação no lote de terreno situado na Rua Necésio Tavares, nº 178, Bairro Centro, Itapecerica-MG, nos termos da legislação e resoluções vigentes; bem como determine a anulação do tombamento pelas razões apresentadas, ou subsidiariamente, o cancelamento do tombamento do imóvel, tendo em vista que inexiste bem histórico a ser protegido após a demolição autorizada pelo Réu” (f. 15).
O imóvel objeto da lide foi tombado pelo Decreto Municipal nº 038/2006 (f. 25-30), e não resta comprovada a sua nulidade pela autora, desde que ele não foi revogado, expressamente, pela Lei Municipal nº 2.246/2010, que estabelece as normas de proteção do Patrimônio Cultural do Município de Itapecerica/MG, institui o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município, seu respectivo procedimento e dispõe em seus artigos 6º, 24 e 27:
Art. 6º Compete ao Conselho Municipal do Patrimônio Cultural:
(…)
III – emitir parecer prévio, do qual dependerão os atos de registro e tombamento, revalidação do título de registro e cancelamento de tombamento;
IV – emitir parecer prévio, atendendo a solicitação do órgão competente da Prefeitura para:
(…)
c) – a modificação, transformação, restauração, pintura, remoção ou demolição, no caso, nesta última hipótese, de ruína contendo ameaça de desabamento iminente, de bem tombado pelo Município;
Art. 24. Após o tombamento provisório ou definitivo, qualquer pedido de alvará de construção ou reforma ou solicitação de alteração no bem tombado ou em seu entorno será remetido pela Prefeitura ao Conselho Municipal do Patrimônio Cultural para parecer.
Art. 27. O tombamento só poderá ser cancelado, revisto ou alterado por decisão unânime dos membros do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Itapecerica, homologada pelo Prefeito Municipal.
Parágrafo único. A decisão do Conselho prevista no “caput” será baseada em parecer conclusivo emitido por órgão técnico, preferencialmente público, especializado na matéria. (f. 32-44).
A autora realizou, de fato, em 16.8.2012, o requerimento formal (Protocolo nº 7205/2012, f.46), solicitando a anulação do tombamento do imóvel objeto da lide junto ao MUNICÍPIO DE ITAPECERICA/MG, este que, de sua parte, não observou o procedimento da Lei Municipal nº 2.246/2010, pois apenas consta no requerimento o seguinte registro: “considerando o estado do edifício, permite-se a demolição” (f. 46), com a assinatura do servidor municipal Sr. CARLOS ANTÔNIO GONDIM. Diante da permissão pelo MUNICÍPIO, a autora demoliu o imóvel (f. 4).
Cabe considerar que o tombamento é uma forma de intervenção na propriedade pelo Poder Público, com o fim de proteger imóveis que retratam arquitetura de ordem histórica. E, no caso, embora silente sobre o pedido de anulação do tombamento do imóvel, a o MUNICÍPIO permitiu a demolição do bem tombado, restando no local apenas o lote.
Registre-se que a apelante adquiriu o imóvel, em questão, por meio da herança de seu pai e doação da viúva meeira, conforme escritura pública de arrolamento e partilha, de 10.11.2011 (f. 67-69), e formalizou uma carta de intenção de compra do lote com o Sr. HÉLIO DERCI DE OLIVEIRA GARCIA, em 4.2.2017 (f. 73-74), sendo que este apresentou ao MUNICÍO o pedido de aprovação de construção.
Em relação à análise do pedido de aprovação para construção no imóvel, importa colacionar o conteúdo da Ata da 26ª (vigésima sexta) reunião ordinária do CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DE ITAPECERICA, realizada no dia 17.3.2017:
Esta edificação estava situada no perímetro de tombamento do Núcleo Histórico de Itapecerica, e fazia parte dos imóveis tombados, foi demolida de forma irregular por parte de quem autorizou a demolição. Ficou constatado que o Processo de “autorização” da aludida demolição foi atípica, qual seja, não houve aprovação dos conselheiros à época (ano de 2012) não havendo, portanto, registro em ata desta aprovação; não houve também o conhecimento do Presidente do Conselho da época, a autorização para a demolição foi através de um despacho exarado no papel próprio de Protocolo onde se solicitava a aludida demolição, pelo Sr. Carlos Antônio Gondim, que, à época, prestava serviços à Secretaria Municipal de Cultura como voluntário. Houve a demolição e o lote foi vendido ao Sr. Hélio que agora solicita a aprovação para construção de residência naquele local. Devido à situação atípica, e como não houve dolo por parte da antiga proprietária, Sra. Neliana Lopes Oliveira, o Conselho, após deliberar, aprovou a construção visto que o projeto apresentado pelo Sr. Hélio está em acordo com os parâmetros que valorizam o Núcleo Histórico e não irá impactar a paisagem, nem tampouco prejudicá-lo. Entretanto, sua aprovação definitiva será emitida através de um “Parecer Jurídico” por parte do Departamento Jurídico da Prefeitura Municipal, para que, no futuro, não pairem dúvidas de que a demolição foi autorizada de forma irregular e que o Conselho atual está aprovando tão só, exclusivamente, o projeto de construção no aludido lote. A senhora Neliana solicitou ao Setor de Cadastro Técnico da Prefeitura Municipal de Itapecerica a “regularização” da ficha cadastral de “Propriedade-residência” para “lote”, o que deverá constar no aludido Parecer. (f. 53)
Embora o CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DE ITAPECERICA tenha declarado que aprovou o projeto de construção apresentado pelo comprador (carta de intenção de compra, f. 73-74), a aprovação definitiva não ocorreu, pois o parecer jurídico, além de salientar a impossibilidade de cancelamento do tombamento, diante do disposto no art. 27 da Lei Municipal nº 2.246/2010, e irregularidade na demolição (art. 4º da Lei Municipal nº 2.246/2010), concluiu que “não há possibilidade de se cancelar o tombamento do imóvel e muito menos analisar projetos para nova construção no local, enquanto não houver a devida apuração de responsabilidades” (f. 58).
No entanto, a permissão para demolição do imóvel decorreu da autorização atípica do próprio MUNICÍPIO, não podendo ser atribuída à autora qualquer responsabilidade sobre tal ato administrativo.
A providência a ser tomada pela Administração Pública para apuração interna quanto ao ato irregular praticado pelo servidor municipal, fora dos parâmetros da lei de regência, não constitui fundamento válido para negar o pedido de aprovação do projeto e autorização da construção no lote do imóvel, eis que os dispositivos legais, citados na fundamentação do “Parecer Jurídico”, foram ignorados pelo próprio servidor municipal, não pela proprietária do imóvel.
O fato é que, desde o requerimento da autora, em 2012, o MUNICÍPIO DE ITAPECERICA/MG ignorou o procedimento legal do pedido de anulação de tombamento, feito pela apelante, omitindo-se quanto a tal pleito, desde a época do protocolo, não podendo a autora ser penalizada pelo erro interno cometido na condução do procedimento, por servidor público.
Por outro lado, não incumbe ao Poder Judiciário fazer às vezes do Poder Executivo de forma a anular o tombamento, aprovar o projeto de obra e autorizar a construção no imóvel tombado, pois, ao realizar o controle da legalidade, não compete ao Judiciário substituir o CONSELHO CONSULTIVO MUNICIPAL DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DE ITAPECERICA e a homologação do Prefeito Municipal (art. 27 da Lei Municipal nº 2.246/2010), sob pena de violar o princípio da separação dos poderes.
Logo, tendo em vista a irregularidade inicial, qual seja, a ausência do réu de qualquer manifestação expressa quanto ao que fora requerido no protocolo pela autora, afigura-se mais coerente determinar ao réu que proceda a adequada análise do pedido de anulação de tombamento, aprovação e autorização de construção no imóvel da autora, nos termos da Lei Municipal nº 2.246/2010, considerando as peculiaridades ocorridas no “caso concreto”.
IV – CONCLUSÃO
POSTO ISSO, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para determinar ao réu que proceda a adequada análise dos pedidos de anulação de tombamento, aprovação e autorização de construção no imóvel da autora, situado na Rua NECÉSIO TAVARES, nº 178, Bairro Centro, Itapecerica/MG, nos termos da Lei Municipal nº 2.246/2010, considerando as peculiaridades ocorridas no “caso concreto”.
Na espécie, a sucumbência é recíproca e não equivalente, eis que a apelante obteve o êxito parcial, na fase recursal, para o fim de sanar a omissão do réu quanto ao direito da análise de seus pedidos, conforme a lei. Assim, redistribuo a sucumbência à razão de 70% (setenta por cento) pelo requerido/apelado e 30% (trinta por cento) pela apelante.
Nos termos do art. 85, §§ 1º, 3º, 4º, e 5º, do CPC/2015, condeno as partes, na proporção da sucumbência, ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, até 200 (duzentos) salários-mínimos, e 8% (oito por cento) sobre o que excedeu a este patamar, considerando todo o trabalho desenvolvido pelos causídicos, em ambas as instâncias, a relativa simplicidade da causa, instruída somente com prova documental, eis que não demandou dilação probatória, a sede dos advogados, situada na mesma Comarca que tramitou a ação e a duração do feito, sentenciado em 1 (um) ano contado da distribuição da ação e julgada a apelação em menos de 1 (um) ano de sua distribuição neste Tribunal, sendo restrito trabalho em sede recursal à apresentação da apelação e das contrarrazões, sem demandar o deslocamento dos profissionais; suspensa a condenação em relação à apelante, uma vez que beneficiária da “justiça gratuita” (art. 98, § 3º do CPC/2015), observando que “a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência” (art. 98, § 2º do CPC/2015).
Custas: pelas partes, nas mesmas proporções, isentas (art. 10, I e II da Lei Estadual nº 14.939/2003).
É como voto.
DES. WILSON BENEVIDES – De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. ALICE BIRCHAL – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO”