Inteiro Teor
AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA DE URGÊNCIA – REQUISITOS – CONDOMÍNIO – RESCISÃO DE CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA – ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – QUÓRUM PARA APROVAÇÃO – CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. Nos termos da norma estabelecida no caput do art. 300 do Novo Código de Processo Civil, poderá ser liminarmente deferida a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Entre os condôminos, a convenção é a lei maior, a qual possui o condão de regular as questões internas para o bom exercício dos direitos da propriedade em comum. Destarte, considerando seu caráter estatutário, deve ser observada e cumprida, pois obriga a todos os que adquirem parte do domínio. É cabível a suspensão dos efeitos decorrentes de deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária, quando as votações são realizadas em descompasso com as disposições previstas na convenção de condomínio.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.19.040952-4/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – AGRAVANTE (S): CONDOMÍNIO TARAUACA SAVASSI HOTEL – AGRAVADO (A)(S): BHG SA BRAZIL HOSPITALITY GROUP
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DESA. CLÁUDIA MAIA
RELATORA
DESA. CLÁUDIA MAIA (RELATORA)
V O T O
Trata-se de agravo de instrumento interposto por CONDOMÍNIO TARAUACÁ SAVASSI HOTEL na tutela de urgência antecipada em caráter antecedente para suspensão imediata de efeitos de assembleia geral extraordinária, que lhe move BHG S.A. BRAZIL HOSPITALITY GROUP, contra decisão proferida pelo Exmo. Juiz de Direito da 16ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, deferindo a tutela antecipada requerida para suspender os efeitos das deliberações da Assembleia Geral Extraordinária, que aprovou a rescisão do contrato de administração com a LA Hotels e aprovou a contratação da sociedade empresária Macna Administradora Hoteleira Ltda.
Em suas razões recursais a agravante sustenta a nulidade da decisão agravada por ausência de fundamentação. No mérito, afirma, em síntese, que os quóruns exigidos por lei ou por convenção para votações em assembleias de condomínio devem ser calculados sobre o número de condôminos aptos a votar, tendo sido correto o procedimento adotado na AGE. Aduz que, em razão de expressa cláusula condominial, é lícito ao condômino ser representado nas assembleias gerais extraordinárias por procurador com poderes especiais, desde que não seja o síndico, razão pela qual não existe irregularidade na votação que aprovou a rescisão de contrato com a administradora do empreendimento. Alega a inexistência de impedimento, na convenção de condomínio, para que os condôminos, em assembleia e por maioria simples, contratem a administradora hoteleira que queiram, sem qualquer restrição relativa à “notória reputação e experiência no setor”, porquanto essa restrição se limita à escolha feita de forma isolada pelo síndico. Sustenta, ainda, a existência de perigo de dano reverso, caso seja mantida a suspensão da rescisão contratual, haja vista que a agravada estava praticando diversos atos de má-gestão. Pugna pelo provimento do recurso.
Os autos foram, inicialmente, distribuídos por sorteio ao Des. Ramom Tácio, o qual deferiu a concessão de efeito suspensivo ao recurso.
Devidamente intimado, o agravado apresentou contrarrazões (documento de ordem 111) tecendo argumentos em prol da manutenção da decisão agravada.
Por meio da decisão inserida no documento de ordem 127, foi determinada a suspensão do feito, para que as partes pudessem tentar a auto composição do litígio.
Conforme ofício inserido no documento de ordem 131, avoquei a competência para julgamento do recurso, razão pela qual os autos vieram a mim conclusos.
As partes pugnaram por nova suspensão do feito, com o intuito de realizar tratativas para auto composição, o que foi deferido. Todavia, após o decurso do prazo, não havendo notícias de êxito na conciliação, vieram os autos conclusos para voto.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
PRELIMINAR ARGUIDA PELA AGRAVANTE
Nulidade da decisão – Ausência de fundamentação
Como é cediço, o princípio da motivação das decisões judiciais ganhou status de garantia constitucional do jurisdicionado e está consagrado no art. 93, inciso IX, da Constituição da República.
Sendo assim, cumpre ao julgador fundamentar adequadamente todas as suas decisões de forma a dar conhecimento às partes das razões que formaram o seu convencimento e viabilizar o controle pela via difusa da democracia.
Da análise detida dos autos, vejo que a decisão não padece de nulidade, pois da fundamentação nela esboçada é possível aferir que o julgador a quo enfrentou as teses afirmadas pelos demandantes, frente ao conjunto probatório que forma os autos.
Ademais, não são necessárias a análise e a interpretação de cada um dos fundamentos jurídicos apresentados pelas partes frente ao caso proposto, devendo o julgador, contudo, apresentar fundamentação suficiente para amparar a tese adotada na decisão, sendo este exatamente caso dos autos.
Nestes termos, REJEITO a preliminar.
MÉRITO
Ao adentrar no mérito, cumpre registrar que, por meio do agravo de instrumento nº 1.0000.19.059494-5/001, julgado nesta mesma sessão, foi deferida a tutela de urgência requerida pela parte LA HOTELS EMPREENDIMENTOS 1 LTDA para restabelecer a vigência do contrato de administração hoteleira celebrado entre as partes, bem como determinar a desocupação imediata da Administradora Macna e a remoção de toda identidade visual alterada na fachada do prédio, retornando com as identificações visuais anteriores do Hotel Tulip Inn – BH.
Nesta ordem de ideias, considerando que o objeto de ambos os recursos são os efeitos decorrentes das deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária, realizada no dia 08.04.2019, entendo que a decisão, contra a qual se insurge o agravante no presente recurso, deve ser mantida por estar em consonância com o decidido no recurso supramencionado. Por oportuno, confira-se o teor do julgado:
Inicialmente, cumpre registrar que nos termos da norma estabelecida no caput do art. 300 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), poderá ser liminarmente deferida a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Pois bem. Na hipótese dos autos, vislumbro o preenchimento de tais requisitos, sendo cabível a concessão da medida pleiteada.
Com efeito, presente a probabilidade do direito alegado pelo agravante, haja vista ser patente o desrespeito ao disposto na convenção do condomínio, acerca do quórum de votação necessário para rescisão do contrato de administração hoteleira.
Nesse sentido, faz-se necessário examinar as disposições contidas na Convenção de Condomínio a respeito do quórum necessário para aprovação de matérias dessa natureza.
A Convenção de Condomínio e Regimento Interno do Tarauacá Savassi Hotel, inserida nos documento de ordem 27-29, no que tange a assembleia geral e quórum para rescisão de contrato de administração, estabelece que:
CLÁUSULA DÉCIMA – ASSEMBLEIA GERAL
10.1 Cada Parte do HOTEL terá uma Assembleia Geral (Assembleia Geral do ESTACIONAMENTO e Assembleia Geral da PARTE HOSPEDAGEM), constituída pela reunião de condôminos das respectivas unidades autônomas, regularmente convocada e instalada, sendo soberana para tratar de todos os assuntos de interesse de cada Parte. As Assembleias gerais poderão ser convocadas para o mesmo dia, em horários subsequentes e serão dirigidas por um Presidente eleito dentre os presentes no início dos trabalhos e secretariada por quem este escolher, sendo vedado ao Síndico presidir as Assembleias.
(…)
10.11. As decisões serão tomadas por maioria simples de votos, ou seja, pela deliberação de metade mais 1 (um) dos votos presentes à Assembleia geral, salvo nos casos seguintes, quando será exigido quorum especial, considerando-se a totalidade dos condôminos de cada Parte:
(…)
d) votos que representem, no mínimo 75% (setenta por cento) as unidades autônomas de cada uma das Partes para aprovação de rescisão do contrato com a ADMINISTRADORA HOTELEIRA/ADMINISTRADORA DO ESTACIONAMENTO.
Por oportuno, registro que apesar do erro material constante no instrumento presente nos autos (divergência entre a forma numeral e a forma por extenso), para fins de análise deste recurso será considerado o quórum de 75%, utilizado como parâmetro pelas próprias partes na AGE (documento de ordem 55).
Nesta ordem de ideias, considerando que o condomínio é composto por 240 unidades autônomas, com base nas disposições constantes convenção supramencionada seriam necessários 180 votos para atingir o quórum suficiente e consequentemente rescindir o contrato de administração hoteleira, celebrado entre as partes. Todavia, conforme consta na ata da Assembleia Geral, foram atingidos 154 (cento e cinquenta e quatro) votos favoráveis a rescisão do contrato de administração, ou seja, quórum inferior ao necessário.
Outrossim, da referida ata da assembleia, nota-se que durante a AGE, os condôminos, ao arrepio do previsto na Convenção de Condomínio, fizeram alguns ajustes de modo a impedir que o ex-síndico do condomínio Sr. Frederico Augusto dos Santos Amaral e a condômina BHG S/A BRAZIL HOSPITALITY GROUP, tivessem direito a voto, por terem interesse pessoal na questão da rescisão contratual, razão pela qual foram conflitados 64 votos.
Convencionaram, ainda, a exclusão de tais votos do número total de unidades autônomas, e por conseguinte reduziram o quórum para rescisão do instrumento contratual, passando para 75% das 176 unidades contabilizadas, o que resultou num quórum mínimo de 132 votos para aprovação da rescisão (fls. 12-14 do documento de ordem 55).
Contudo, entendo que, a princípio, tais deliberações tomadas pelos condôminos, visando claramente a redução do quórum, de modo a tornar viável a rescisão do contrato de administração, não podem subsistir, por não possuírem qualquer embasamento legal.
Na hipótese dos autos, é notório que a condômina BHG S/A BRAZIL HOSPITALITY GROUP, a qual possui laços comerciais/empresariais com a agravante, na condição de proprietária de 60 unidades autônomas no condomínio, possui o condão de influenciar diretamente qualquer escrutínio realizado pelo condomínio. Entretanto, tal fato não pode ser modificado por meio de condutas arbitrárias dos demais condôminos, quando estes possuírem interesses contrários aos daquela.
Cumpre registrar que entre os condôminos, a convenção é a lei maior, a qual possui o condão de regular as questões internas para o bom exercício dos direitos da propriedade em comum. Destarte, considerando seu caráter estatutário, deve ser observada e cumprida, pois obriga a todos os que adquirem parte do domínio.
Importante, ainda, registrar o disposto no Art. 1.334 do Código Civil Brasileiro, que estabelece ser da competência da convenção de condomínio determinar, entre outras matérias a competência das assembleias, a forma de sua convocação e o quórum exigido para as deliberações, senão vejamos:
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
(…)
III – a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações; (destaquei)
Assim, em que pese a convenção de condomínio determinar quórum elevados para aprovação de determinadas matérias, não se mostra possível sua mitigação em situações eventuais e de forma extrajudicial, por vontade de parte de condôminos.
Ora, o processo rígido de alteração da administradora hoteleira é oriundo de ato de deliberação dos próprios condôminos, quando da elaboração da convenção, e sua alteração depende de deliberação específica para modificar o texto do regramento condominial, com o quórum previsto no art. 1.351 do Código Civil:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.
Doutro norte, mostra-se presente também o perigo de dano, posto que o afastamento abrupto da Administradora pode acarretar consequências críticas à administração do empreendimento explorado, que podem vir até mesmo inviabilizar a continuação do negócio explorado pela agravante, mormente considerando a existência de possíveis clientes que possam ter realizado reservas de quartos pelos canais disponibilizados pela própria Administradora.
Por conseguinte, considerando que, a princípio, a rescisão contratual foi realizada em descompasso com as disposições previstas na convenção, deve ser deferida a tutela de urgência pleiteada pela parte agravante.
Por oportuno, registro que, no presente momento processual, revela-se desnecessária a análise dos demais vícios apontados pelo agravante, em razão de todos serem decorrentes da rescisão contratual. Assim, a suspensão da referida rescisão, por si só, já produz todos os efeitos almejados
Com esses fundamentos, confirmo a decisão deferindo a antecipação da tutela recursal e DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para restabelecer a vigência do contrato de administração hoteleira celebrado entre as partes, bem como determinar a desocupação imediata da Administradora Macna e a remoção de toda identidade visual alterada na fachada do prédio, retornando com as identificações visuais anteriores do Hotel Tulip Inn – BH, sob pena de incidência de multa diária de 5.000,00, limitada a R$500.000,00.
Custas recursais pela parte agravada.
Outrossim, necessário ainda acrescentar que o fato de alguns condôminos possuírem grande quantidade de unidades autônomas, o que reflete em um número expressivo de votos e consequentemente um poder maior de intervenção nas matérias postas em deliberação, deveria ter sido observado no momento da elaboração da convenção, de modo a prever quóruns especiais para hipóteses como a versada nos autos, visando evitar o engessamento de determinadas situações, em razão do interesse de determinado grupo de condôminos.
Destarte, o silêncio eloquente quando da elaboração da convenção de condomínio, não autoriza mudanças arbitrárias emergidas de conchavos estabelecidos em AGE, principalmente no que tange aos quóruns de votações.
Registro, ainda, que, em qual sentido, o suposto inadimplemento contratual por parte da Administradora do Hotel e os alegados atos de má gestão por ela praticados, também não podem ser utilizados como subterfúgio para alteração do quórum necessário para aprovação de determinada matéria. Assim, a princípio, caso os agravantes se sintam lesados, e não obtenham êxito em atingir sua pretensão de forma extrajudicial, devem se valer da via judicial para afastar eventuais abusos na gestão do condomínio.
Por fim, volto a frisar que entre os condôminos a convenção é a lei maior, a qual possui o condão de regular as questões internas para o bom exercício dos direitos da propriedade em comum. Destarte, considerando seu caráter estatutário, deve ser observada e cumprida, pois obriga a todos os que adquirem parte do domínio.
Diante do exposto, com respaldo nos princípios do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, REJEITO a preliminar de nulidade da decisão por ausência de fundamentação e NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas recursais pelos agravantes.
DES. ESTEVÃO LUCCHESI – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. MARCO AURELIO FERENZINI – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”