Inteiro Teor
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA DE URGÊNCIA – NULIDADE DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – QUÓRUM MÍNIMO – INOBSERVÂNCIA – REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC/15 – PRESENÇA – RECURSO DESPROVIDO. Para a antecipação de tutela devem estar presentes os requisitos cumulativos do art. 300 do CPC/2015, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco de resultado útil do processo, aliado à reversibilidade do provimento. Configurado nos autos a inobservância ao quórum mínimo previsto no Código Civil e adotado pela Convenção de Condomínio, qual seja de 1/4 dos condôminos, deve ser declarada a nulidade da assembleia geral extraordinária convocada, bem como suspensos efeitos dela decorrentes. Recurso desprovido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0346.16.002382-3/001 – COMARCA DE JABUTICATUBAS – AGRAVANTE (S): WAGNER TULIO SACCHETTO MORANDI – AGRAVADO (A)(S): CONDOMÍNIO CANTO DA SIRIEMA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. AMORIM SIQUEIRA
RELATOR.
DES. AMORIM SIQUEIRA (RELATOR)
V O T O
Trata-se de agravo de instrumento interposto por WAGNER TULIO SACCHETTO MORANDI, contra a decisão constante no documento de fls. 447/448v – TJ proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Jaboticatubas/MG, nos autos da “ação de medida cautelar inominada c/c anulação de assembleia” ajuizada por CONDOMÍNIO CANTO DA SIRIEMA.
O Magistrado a quo, em sua esclarecedora decisão, consignou que a lei 4.591/64, conhecida como lei dos condomínios, admitia a estipulação na Convenção de um quórum próprio para destituição do síndico. Entretanto, com a vigência do CC/02, ressaltou a necessidade de estarem presentes na assembleia pelo menos 2/3 dos condôminos, sendo imperiosa a votação da maioria absoluta pelo afastamento do síndico, entendendo como maioria absoluta a metade mais um, conforme posicionamento jurisprudencial. Ao analisar todos os fundamentos e fatos trazidos aos autos, o juiz singular salientou estar a Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 13/11/2016 eivada de irregularidades, haja vista possuir o condomínio mais de 500 condôminos, sendo que apenas 202 foram convocados e somente 68 compareceram. Por fim, concluiu pela perda superveniente do pedido liminar pleiteado pelo autor, ora agravado, tendo em conta a realização de nova AGE na data 11/12/2016, na qual a outrora síndica fora reconduzida ao seu cargo, bem como declarada a nulidade da AGE de 13/11/2016. Sendo assim, determinou a prevalência da decisão até ulterior julgamento, já que a vontade dos moradores foi de fato representada.
Em suas razões recursais, o recorrente sustentou ter o juiz de primeiro grau inobservado todos os fundamentos trazidos em sede de contestação e os fatos expostos na audiência de conciliação.
Pontuou a necessidade de a petição inicial ter sido desde o início indeferida, diante da sua inépcia, haja vista não poder a síndica figurar o polo ativo da lide, em virtude da sua destituição na data 13/11/2016.
Asseverou a inadmissibilidade de se considerar válida a AGE convocada dia 11/12/2016, considerando que fora realizada por alguém destituído da função de síndico, demonstrando, inclusive, uma afronta ao processo judicial em curso.
Reiterou ter se valido apenas de argumentos da parte agravada, desconsiderando o seu contraditório e ampla defesa.
Afirmou destoar a presente demanda de toda a legislação em vigor, por diversas razões, dentre elas o fato de o condomínio estar irregularmente representado; o ajuizamento de uma ação para declarar nula uma assembleia e a realização de uma posterior, desrespeitando o processo judicial.
Sendo assim, postulou o recebimento do recurso e o deferimento do pedido de antecipação de tutela recursal, determinando o seu exercício como síndico do Condomínio Canto da Siriema até o julgamento final da lide.
No mérito, requereu o seu provimento, a fim de confirmar o pleito de antecipação de tutela recursal e seja, ainda, determinado o desentranhamento dos documentos juntados nas fls. 280/249 dos autos originais, ou então, que lhe seja dada vista destes.
Ausente o preparo, uma vez que há pendencia de análise do pedido de justiça gratuita em primeira instância.
Realizado o exame de admissibilidade, o recurso foi recebido em decisão de ff.515/516-TJ, sendo indeferida a antecipação da tutela recursal, pois ausentes os requisitos legais.
Devidamente intimado, o agravado apresentou tempestivamente contraminuta às ff. 518/530-TJ, na qual afirmou ter sido realizada nova AGE em 11/12/2016, na qual a síndica fora reconduzida ao seu cargo, bem como declarada a nulidade da AGE de 13/11/2016. Ressaltou ter sido tal assembleia convocada irregularmente, não atendendo aos requisitos do art. 13 da Convenção de Condomínio, bem como art. 14 do Regimento Interno, inobservada a convocação de no mínimo 1/4 dos condôminos. Ponderou não terem sido apresentadas provas das alegações de supostas regularidades praticadas pela Síndica e Conselho, pontuando, ainda, sequer haver na AGE quórum suficiente para a destituição de síndico.
Requereu, desta forma, o desprovimento do recurso, com a manutenção da decisão agravada.
Sem mais a relatar, decido.
Adentrando ao mérito, verifica-se que a agravante pretende, com o manejo do presente agravo de instrumento, a reforma da decisão concessiva da tutela de urgência, consistente na declaração de nulidade da assembleia geral extraordinária ocorrida em 13/11/2016 e suspensão de seus efeitos.
A providência pretendida, anteriormente disciplinada pelo art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, recebeu novo regramento e roupagem, sendo caracterizada atualmente, com a vigência do CPC/2015, como tutela provisória satisfativa, ou, simplesmente, tutela antecipada, e se justifica pela existência de uma situação que exija preservação imediata, nos termos dos artigos 294 e 300 da Lei 13.105/2015, que trazem a seguinte redação:
Art. 294: A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único: A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Art. 300: A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º: Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º: A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º: A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Sobre o tema, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira assim lecionam:
“A tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou satisfativa (antecipada). Em ambos os casos, a sua concessão pressupõe, genericamente, a demonstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como” fumus boni iuris “) e, junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda do comprometimento da utilidade do resultado final que a demora do processo representa (tradicionalmente conhecido como”periculum in mora”) (art. 300, CPC).
Percebe-se, assim, que” a redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada “(enunciado n. 143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).
(…) A tutela provisória de urgência satisfativa (ou antecipada) exige também o preenchimento de pressuposto específico, consistente na reversibilidade dos efeitos da decisão antecipatória (art. 300, § 3º)
(Curso de direito processual civil: teria da prova, direito probatório, ações probatórias decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela/Fredie DidierJr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 11.ed – Salvador: Ed. Jus Podium, 2016, v. 2, pp.607/608).
Tecidas tais considerações e reportando-me ao caso concreto, entendo não merecer reforma a decisão agravada, posto que configurados os requisitos para a concessão da tutela de urgência pretendida.
No tocante a probabilidade do direito, como cediço, a destituição de síndico que praticar irregularidades, não prestar contas ou não administrar convenientemente o condomínio somente pode ser realizada mediante convocação de assembleia extraordinária por um quarto dos condôminos. Ainda, é imprescindível o quórum de maioria absoluta dos membros, conforme disposição contida nos artigos 1.355 e 1.349 do Código Civil.
Art. 1.355: Assembléias extraordinárias poderão ser convocadas pelo síndico ou por um quarto dos condôminos.
Art. 1.349: A assembléia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.
Por maioria absoluta, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento, ao interpretar o mencionado dispositivo legal, de ser esta a maioria dos membros presentes na assembleia geral extraordinária.
Nesse sentido, confira-se:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. SÍNDICO. DESTITUIÇÃO. QUÓRUM DE VOTAÇÃO. ART. 1.349 DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO. MAIORIA DOS MEMBROS PRESENTES NA ASSEMBLEIA. 1. O quórum exigido no Código Civil para a destituição do cargo de síndico do condomínio é a maioria absoluta dos condôminos presentes na assembleia geral extraordinária. 2. Interpretação literal e teleológica do artigo 1.349 do Código Civil. 3. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1266016/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 05/02/2015)
Sobre o tema, confira-se a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias:
A assembleia extraordinária poderá ser convocada pelo síndico ou por um quarto dos condôminos, na forma prevista na convenção de condomínio (art. 1.355 do CC). O seu objeto será a deliberação de todas as matérias de interesse do prédio que não estão abrangidas pelo art. 1.350 do Código Civil. Assim, caso haja necessidade de alteração da convenção do condomínio ou a destituição do síndico, a qualquer tempo poderá realizar-se a convocação. (Curso de Direito Civil, Volume 5, Editora JusPodivm, 8ª edição, 2012, pg. 748)
Pois bem.
Após detida análise da documentação coligida ao recurso, cheguei à mesma conclusão do Juízo singular quanto à irregularidade da Assembleia Geral Extraordinária ocorrida em 13/11/2016, em que decidida pela destituição da atual síndica e nomeado síndico interino e Conselho Administrativo.
Primeiramente porque, sem considerar as supostas irregularidades apontadas nas assinaturas pela parte agravante, a convocação da assembleia não observou o mínimo de 1/4 dos condôminos prevista na legislação e no art. 14 da Convenção de Condomínio (f. 43-TJ), uma vez que o abaixo assinado de ff. 166/185-TJ conta com 206 assinaturas dentre 905 condôminos existentes (ff.300/324-TJ), ou seja, quantidade inferior à exigida.
Ademais, ainda que assim não fosse, o recurso somente foi instruído com cópia da ata da reunião, sem a assinatura de todos os presentes, motivo pelo qual não é possível se concluir com certeza se foi alcançada a maioria absoluta dos votos.
Desta mesma forma já decidiu este Tribunal em outra ocasião:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE – CONDOMÍNIO – ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES DE CONVAÇÃO – AUSÊNCIA DE QUORUM MÍNIMO – NULIDADE – DESPESAS REALIZADAS – SÍNDICA – DEVER DE INDENIZAR. – Constatada violação às formalidades de convocação e presença mínima de condôminos para a realização de assembléia extraordinária, reputam-se nulas tanto a convocação quanto as deliberações da assembléia. – A síndica deve indenizar o condomínio pelas despesas extraordinárias que realizar sem autorização para tanto, em razão de tal conduta violar o dever do administrador de respeitar a convenção de condomínio e as determinações da assembléia. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.07.669163-3/001, Relator (a): Des.(a) Elpídio Donizetti , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/06/2009, publicação da sumula em 17/07/2009)
Ainda, como bem salientado pelo Juiz a quo, o fato de ter sido a anterior síndica reconduzida a seu cargo após deliberação em assembleia ocorrida no dia 13/11/2016 reflete a vontade da maioria dos moradores.
Por fim, quanto ao risco de lesão grave e de difícil reparação, este se mostra evidenciado pela simples possibilidade de o Condomínio autor ser representado por síndico destituído de poderes, podendo tomar decisões muitas vezes irreversíveis e contrárias ao desejo da maioria dos moradores.
Pelo exposto, tenho por bem manter a decisão agravada, sendo o desprovimento do recurso medida imperativa.
Neste contexto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas ao final.
DES. JOSÉ ARTHUR FILHO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. PEDRO BERNARDES – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:”NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”