Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ |
IMPETRANTE | : | RICARDO CÉSAR FRANCO – DEFENSOR PÚBLICO |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE | : | LUIZ CARLOS ANDRADE FILHO (PRESO) |
RELATOR | : | MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ |
IMPETRANTE | : | RICARDO CÉSAR FRANCO – DEFENSOR PÚBLICO |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE | : | LUIZ CARLOS ANDRADE FILHO (PRESO) |
LUIZ CARLOS ANDRADE FILHO, paciente neste habeas corpus, estaria sofrendo coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o HC n. 990.09.166633-5.
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal.
O impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, ao argumento de que a sessão do júri em que o paciente foi julgado somente foi possível de ser realizada porque houve o empréstimo de 3 jurados para completar o quorum mínimo de 15 jurados, o que impossibilitou a ampla defesa do acusado e a eventual arguição de suspeição dos membros emprestados.
Pondera que “não se pode exigir que a defesa consulte todos os jurados de todas as listas de todos os plenários do Tribunal que estão sob a competência da Defensoria Pública” (fl. 4), de modo que o julgamento do paciente é absolutamente nulo, por inobservância ao disposto no art. 442 do Código de Processo Penal (com redação anterior à Lei n. 11.689⁄2008).
Requer a concessão da ordem, para que seja declarada a nulidade do julgamento do acusado, “determinando-se, por conseguinte, a submissão do paciente a novo julgamento e a expedição de alvará de soltura em seu favor” (fl. 6).
A liminar foi indeferida e, depois de as informações terem sido prestadas, o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem.
I. Habeas corpus substitutivo
Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
Sob tais premissas, não identifico suficientes razões, na espécie, para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.
II. Contextualização
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal.
A defesa, então, ingressou com remédio constitucional no Tribunal de origem, por meio do qual alegou a nulidade absoluta do julgamento a que foi submetido o paciente, em razão do empréstimo de jurados. A ordem, no entanto, foi denegada pelos seguintes fundamentos (fls. 11-13):
III. Convocação de jurados de outro plenário
Com efeito, consta da ata da sessão do júri que, no dia do julgamento do paciente, compareceram 16 jurados, dos quais os números 14, 15 e 16 vieram de outro plenário para compor o número legal, com a concordância das partes (fl. 49).
Sobre a matéria posta em discussão, destaco que este Superior Tribunal possui o entendimento consolidado de que “a convocação de jurado de um dos plenários do Tribunal do Júri da Capital de São Paulo para complementar o número regulamentar mínimo de quinze jurados do conselho de sentença de outro plenário não caracteriza nulidade por violação da regra do art. 442 do CPP (redação anterior à da Lei n. 11.689, de 6⁄6⁄2008). Precedentes.” (HC n. 227.169⁄SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 11⁄2⁄2015).
Ainda, menciono o seguinte julgado da Sexta Turma desta Corte:
Assim, não identifico nenhuma irregularidade na formação do Conselho de Sentença que condenou o paciente pela prática do crime de homicídio.
Ademais, verifico que, declarada aberta a sessão plenária de julgamento, a defesa, em nenhum momento, se insurgiu contra a formação do Conselho de Sentença. Ao contrário, consta da referida ata que “os jurados de nº 14 a 16 vieram vieram do Plenário 8 para compor o número legal, com a concordância das partes” (fl. 49, destaquei).
Registro que, em nenhum momento, a defesa do paciente impugnou a ata de julgamento ou questionou a maneira pela qual foi formado o Conselho de Sentença, de modo que não se mostra possível, agora, suscitar eventual nulidade ocorrida na sessão de julgamento. Também não consta da ata nenhum requerimento, protesto, impugnação ou reclamação não atendida.
Saliento que a ata de julgamento, cujo conteúdo é a expressão fiel de todas as ocorrências da respectiva sessão (art. 495 do Código de Processo Penal), reveste-se de importância essencial neste momento. Meras alegações da parte, desprovidas de qualquer comprovação, não se revelam suficientes para descaracterizar o teor de veracidade que esse registro processual reflete, tampouco para comprovar qualquer nulidade porventura ocorrida.
Assim, entendo que a ausência de reclamação ou de protesto da defesa do paciente, em relação ao fato de três jurados terem vindo de outro plenário para compor o número legal, acarreta, de modo irrecusável, a preclusão da faculdade processual de arguir qualquer vício eventualmente verificado durante o julgamento, máxime porque, conforme bem ressaltou o Tribunal de Justiça estadual, “houve interposição de apelação criminal, na qual sequer foi arguida a nulidade do julgamento” (fl. 12) – afirmação que, aliás, encontra-se devidamente confirmada pelas razões de apelação, aqui juntada às fls. 54-55.
Por fim, ressalto que o Conselho de Sentença foi formado pelos seguintes jurados: Ione Maria Batista Mariano; Marcos Bruschi; Pedro Pereira de Carvalho; Ricardo Gomes Lopes; Carlos de Assis Dias; Luciane da Penha Maciel dos Santos e Dirce Marchetti da Silva. Ou seja, o Conselho de Sentença não contou com nenhum dos jurados que foram “tomados por empréstimo” de outro Plenário (fl. 49), o que reforça a ausência do alegado constrangimento ilegal de que estaria sendo vítima o paciente.
Não se pode olvidar que, para a declaração de nulidade de determinado ato processual, deve haver a demonstração de eventual prejuízo concreto suportado pela parte, não sendo suficiente a mera alegação da ausência de alguma formalidade, mormente quando se alcança a finalidade que lhe é intrínseca, consoante o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal. Daí a expressão utilizada pela doutrina francesa: pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo).
Vale dizer, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada, se não for demonstrado, concretamente, o prejuízo suportado pela parte, exatamente como no caso.
Aliás, a jurisprudência deste Superior Tribunal é uníssona em exigir, mesmo quando é absoluta a nulidade, a demonstração do prejuízo. Exemplificativamente: HC n. 287.139⁄RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 2⁄9⁄2014. Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da questão: RHC n. 114.739⁄PA, Rel. Ministro Dias Toffoli, 1ª T., DJe 10⁄12⁄2012.
Por fim, apenas ad argumentandum, registro que o paciente foi submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença em 9⁄2⁄2007 (fl. 49) e este habeas corpus foi impetrado apenas em 20⁄4⁄2010, portanto mais de 3 anos depois. Aliás, o próprio recurso de apelação foi julgado em 16⁄12⁄2008 (fl. 34), de modo que, também em relação a esse, verifico que este remédio constitucional foi manejado somente muito tempo depois.
Assim, a meu juízo, a proposta do impetrante é que está a revelar verdadeira ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem verdadeiros pilares de sustentação do sistema jurídico-processual.
Por lealdade processual compreende-se uma postura honesta e franca, sem a utilização de artimanhas, embustes ou artifícios para a consecução de uma finalidade. Traduz-se no respeito à justiça, não só pelas declarações que são levadas à juízo, mas em especial pela maneira de atuação no curso de todo o processo.
Trata-se de um dever das partes, a quem se impõe conduta proba e reta em todas as suas intervenções no processo, pautando-se na boa-fé durante a prática de atos. A confiança, elemento central do princípio da boa-fé processual, impõe a todos os sujeitos do processo posturas condizentes com o dever geral de cooperação, que deve imperar durante todo o curso processual (de cognição ou de revisão), exigindo-se condutas éticas de todos que participam do processo (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, oficiais de justiça, testemunhas, peritos, intérpretes, escrivães, auxiliares da justiça etc).
IV. Dispositivo
À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, por entender inadequado o uso do writ como substitutivo do meio impugnativo próprio. E, ao examinar seu conteúdo, não identifico constrangimento ilegal que pudesse me levar a, ex officio, conceder a ordem postulada.
Número Registro: 2010⁄0061735-0 | HC 168.263 ⁄ SP |
MATÉRIA CRIMINAL |
EM MESA | JULGADO: 20⁄08⁄2015 |
IMPETRANTE | : | RICARDO CÉSAR FRANCO – DEFENSOR PÚBLICO |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
PACIENTE | : | LUIZ CARLOS ANDRADE FILHO (PRESO) |
CORRÉU | : | EDUARDO DE OLIVEIRA FILHO |
CORRÉU | : | LUCIANO ARTUR DE NOVAES |
CORRÉU | : | JURANDIR RAMOS DOS SANTOS |
CORRÉU | : | JOSÉ EPRIGIO DE CARVALHO SILVA |
CORRÉU | : | EZEQUIEL DA ROCHA PITA |
CORRÉU | : | ADEMIR SOUZA TERRA |
CORRÉU | : | ALESSANDRO JOSÉ DA SILVA |
CORRÉU | : | ALEXANDRO JOUBERT DA SILVA TORRES |
CORRÉU | : | ANDRÉ FRANCISCO DA SILVA |
CORRÉU | : | BRIVALDO FRANCISCO DOS SANTOS |
CORRÉU | : | EDSON BARBOSA DA SILVA |
CORRÉU | : | THIAGO FARIAS MUNHOS |
CORRÉU | : | TONY ANDERSON DA SILVA |
CORRÉU | : | WAGNER DOS SANTOS |
CORRÉU | : | RICARDO BRAGA DO NASCIMENTO |
CORRÉU | : | MANOEL GOMES REGO |
CORRÉU | : | ROBERTO APARECIDO FREITAS DE LIMA |
Documento: 1432748 | Inteiro Teor do Acórdão | – DJe: 08/09/2015 |