Senão, vejamos.
- BREVE ESCORÇO HISTÓRICO
Em pouco mais de 20 anos, é certo que os cálculos de débitos condominiais já sofreram algumas alterações, a ver pela edição do art. 1.336, § 1º, do Código Civil[1] que limitou a multa moratória à 2% enquanto a Lei 4.591/64 em seu art. 12, § 3º², expunha tal consectário em 20%.
À época, instalou-se discussões nos seguintes sentidos: (1) se a nova lei (CC/2002) retroagiria para alcançar débitos vencidos anteriormente àquela data, mesmo em processo judicial em andamento; (2) se haveria uma separação de períodos (antes e após a vigência do Código Civil) para se saber o percentual que seria cobrado a título de multa; (3) se as novas ações de cobrança manteriam a multa de 20%, dado alguns condomínios manterem tal previsão em Convenção Condominial.
[1] Art. 1.336. São deveres do condômino:
§ 1 º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
[2] Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.
§ 3º O condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1% ao mês, e multa de até 20% sôbre o débito, que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior a seis meses.
Com efeito, a linha que se adotou desde então foi no sentido de que as cotas condominiais vencidas até janeiro de 2003 permaneceriam com a multa em 20% ou aquela prevista em Convenção Condominial e, após tal data, haveria redução para 2%.
A título de exemplo, confira-se precedente exarado pelo Egrégio TJSP, TJMG e Colendo STJ que respaldam o entendimento:
AÇÃO DE COBRANÇA. Despesas condominiais vencidas e não pagas na vigência da Lei nº 4.591/64 e Código Civil de 2003. Multa moratória que deve ser aplicada, no percentual de 15%, previsto na Convenção condominial, com relação àquelas que se venceram sob a égide da Lei nº 4.591/64, e 2% para aquelas que se venceram após a entrada em vigor do Novo Código Civil (10/01/2003), nos termos do art. 1.336, parágrafo 1º. Recurso provido.
(TJ-SP – APL: 01690553620068260002 SP 0169055-36.2006.8.26.0002, Relator: Maria de Lourdes Lopez Gil, Data de Julgamento: 09/03/2017, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2017)
EMENTA: APELAÇÃO CIVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DESPESAS CONDOMINIAIS. MULTA PREVISTA NA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PERCENTUAL QUE NÃO DEVE PREVALECER. ARTIGO 1.336, § 1º DO CÓDIGO ATUAL. – Após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a multa incidente sobre débitos relativos a despesas condominiais deve ser de até 2% (dois por cento), nos termos do artigo 1.336, § 1º do citado Código, não devendo prevalecer o percentual de 20% (vinte por cento) estabelecido e convenção redigida sob a égide da legislação civil passada.
(TJ-MG – AC: 10000204837827001 MG, Relator: Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 22/10/2020, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/10/2020)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR.
“… Não à toa há reiterados precedentes deste Superior Tribunal de Justiça reconhecendo a necessidade de redução do percentual da multa moratória de 20% para 2% …”
(AgInt no AgInt no REsp n. 1.690.855/MG, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/8/2019, DJe de 30/8/2019.)
Feito tal intróito, passemos a nos aprofundar nas questões técnicas e jurídicas que levaram a tal entendimento.
- PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
Diferentemente do que ocorre no campo penal, em que há exceção autorizando que lei posterior retroaja em situações que beneficie o réu[3], no campo civil não há tal possibilidade.
A propósito, tal noção vem de norma hierarquicamente superior, no art. 5º, XXXVI, da CF/88, bem como do art. 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
No ponto, preleciona o saudoso Caio Mario da Silva Pereira que:
“ … Já vimos (nº 29, supra) que o princípio da não retroatividade da lei encontra as legislações divididas em três correntes, e que neste particular o direito brasileiro tem seguido, quase uniformemente, uma só orientação, desde a Constituição do Império, de 1824, até a Constituição Federal de 1988, todas ditando, com exceção da Carta de 1937, a regra da irretroatividade ao próprio legislador.
…
Segundo a norma, que permanece vigente, ficou estatuído que a lei em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. E ressuscitou as definições da antiga Lei de Introdução. Toda a construção legislativa atual está assentada no respeito do direito adquirido, sob os seus vários aspectos …”[4]
[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
[4] PEREIRA, Caio Mário da S. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil: Teoria Geral de Direito Civil. v.I. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559649105. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559649105/. Acesso em: 26 jul. 2024.
Caminha no mesmo sentido o jurista Sílvio de Salvo Venosa:
“… Uma vez em vigor, a lei terá plena eficácia, total aplicabilidade, mas o art. 6o ressalta a clássica trilogia de garantia de direitos fundamentais: o respeito ao ato jurídico perfeito, o direito adquirido e à coisa julgada. Os parágrafos do artigo conceituam, de forma sintética, esses três institutos. Esse dispositivo trata, como se vê, da obrigatoriedade da lei no tempo.
O princípio constitucional do art. 5o, XXXVI, traça a mesma segurança: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esses princípios integram o rol de direitos e garantias individuais. Cuida-se de uma das denominadas cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4o: os direitos e garantias individuais não podem ser objeto de proposta de emenda para sua abolição. Sendo imutável, não se sujeitam a poder constituinte reformador. Estando esses princípios presentes na carta constitucional, não necessitariam estar repetidos em lei ordinária …”[5]
Dessa forma, entende-se que tudo o que ocorrer antes da vigência da Lei 14.905/2024 fica mantido.
Também sob a ótica da legislação infraconstitucional, o próprio Código Civil tratou de trazer esse princípio da irretroatividade no art. 2.035:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
[5]VENOSA, Sílvio de S. Direito Civil: Parte Geral. v.1. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559775750. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559775750/. Acesso em: 26 jul. 2024.
- MODIFICAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.905/2024
No que tange ao Direito Condominial, notadamente os encargos moratórios que agregam às despesas condominiais em caso de inadimplência, confira-se, lado-a-lado, as alterações realizadas nos artigos 389, 395, 406 e 1.336, § 1º, do Código Civil:
CÓDIGO CIVIL | LEI 14.905 | ||
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. | “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.”(NR) |
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Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. |
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários e honorários de advogado. | ||
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. | Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. § 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.”(NR) |
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Art. 1.336. São deveres do condômino:
§ 1 o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. |
Art. 1.336. …………………………………………………………………………………………….
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito à correção monetária e aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos juros estabelecidos no art. 406 deste Código, bem como à multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito. |
Da leitura dos supramencionados artigos, especialmente os trechos que foram suprimidos dos artigos 389 e 395 do Código Civil, no que tange à correção monetária, fica claro que a intenção do legislador foi dar luz à penumbra que existia no termo “segundo índices oficiais regularmente estabelecidos” para dar lugar a um índice específico, isto é, o IPCA.
Contudo, a aplicação de tal índice de correção monetária somente terá vez caso não convencionado, ou melhor dizendo, se não constar índice específico na Convenção Condominial.
No ponto, confira-se entendimento do Egrégio TJSP, TJRJ e do Colendo STJ:
RATEIOS CONDOMINIAIS – Pretensão de cobrança julgada parcialmente procedente – Correção monetária – Adoção do índice previsto na Convenção Condominial – Admissibilidade – Prevalência do índice pactuado (IGPM) em detrimento da regra geral para a atualização dos débitos judiciais (INPC) – Precedentes – Parcelas que, além da multa, devem ser atualizadas e acrescidas de juros de mora desde a data dos respectivos vencimentos, o que foi observado na planilha que instruiu a inicial, por isso que tais encargos devem ser computados em continuação, a partir da distribuição, o que foi observado na sentença – Apelação parcialmente provida.
(TJ-SP – AC: 10360569020218260224 Guarulhos, Relator: Sá Duarte, Data de Julgamento: 13/09/2023, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO CONTRA DECISÃO QUE, EM FASE DE EXECUÇÃO, REJEITOU A APLICAÇÃO DO IGP-M COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE O MONTANTE EXEQUENDO REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA – ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A ADOÇÃO DO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA ESPECIFICADO PELA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO QUE FOI LIVREMENTE PACTUADO ENTRE AS PARTES É PLENAMENTE POSSÍVEL ¿ ATUALIZAÇÃO PELO IGP-M QUE SE MOSTRA LÍCITA, POIS APENAS TRADUZ A RECOMPOSIÇÃO DO VALOR DA MOEDA EM RAZÃO DO TRANSCURSO DO TEMPO ¿ PREVISÃO NA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO DEMANDANTE DE QUE O ATRASO NO PAGAMENTO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS ENSEJA O IMEDIATO REAJUSTE MONETÁRIO, DE ACORDO COM A VARIAÇÃO PERCENTUAL ACUMULADA DO ÍNDICE GERAL DE PREÇOS-MERCADO IGP-M ¿ PROVIMENTO AO RECURSO.
(TJ-RJ – AI: 00901274720218190000, Relator: Des(a). MARCELO LIMA BUHATEM, Data de Julgamento: 05/04/2022, OITAVA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/04/2022)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DÉBITOS CONDOMINIAIS. CONDENAÇÃO JUDICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE APLICÁVEL.
INPC. 1. Discussão relativa ao índice de correção monetária a ser adotado para atualização de débitos de condomínio, objeto de condenação. 2. Esta Corte decidiu que não há ilegalidade ou abusividade na adoção do IGP-M para atualização monetária de débitos, quando esse índice foi eleito pelas partes. 3. Na hipótese, a convenção de condomínio não prevê qual índice deverá ser adotado para atualização de débitos. 4. A correção pelo INPC é adequada à hipótese, além de estar em consonância com a jurisprudência do STJ, no sentido da utilização do referido índice para correção monetária dos débitos judiciais. Precedentes. 5. Recurso especial desprovido.
(STJ – REsp: 1198479 PR 2010/0114090-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/08/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2013)
Por sua vez, a mesma sistemática deve seguir os juros moratórios, isto é, havendo previsão na Convenção Condominial, devem ser estes seguidos.
Entretanto, em não havendo previsão específica, o cálculo dos juros moratórios será efetuado de acordo com a nova redação do art. 406 do Código Civil, que incluiu os parágrafos 1º a 3º, o certamente demandará uma “ginástica matemática” que será oportunamente explorada.
- DA AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA NA CONVENÇÃO E A SURRECTIO
Conforme melhor exposto no tópico anterior, a nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil deixa bem claro que na ausência de disposição expressa na Convenção Condominial sobre juros moratórios e correção monetária, aplicar-se-á os índices gerais previstos em Lei.
Todavia, e se os juros moratórios e correção monetária não estiverem expressos em Convenção Condominial, mas por conta de reiterados usos e costumes, tenham sido estipulados tacitamente ?
No ponto, trazemos a aplicação de um instituto pouco explorado: Surrectio.
Nos ensina Flávio Tartuce que[6]:
“Trata-se, em suma, de forma específica de evitar o “venire contra factum proprium”, tendo como tônica o decurso do tempo: “surge um direito a favor do devedor, por meio da ‘surrectio’ (‘Erwirkung’), direito este que não existia juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo com os costumes. Em outras palavras, enquanto a ‘supressio’ constitui a perda de um direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo; a ‘surrectio’ é o surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes”
[6]Flávio Tartuce, “Manual de direito civil”, 2ª edição, São Paulo, Método, 2012, p. 543
Nessa mesma linha, confira-se o quanto pontuado pelo Min. Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp nº 1.338.432/SP:
“… Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada por ação ou comportamento …”
Fazendo a subsunção de tal instituto à problemática ora discutida, pensamos que se o Condomínio durante anos aplicou em suas cobranças condominiais juros moratórios de 1% a.m. e correção monetária com base no INPC, por mais que não estivessem expressas em Convenção Condominial, estas devem prevalecer em detrimento das atualizações promovidas pela Lei 14.905/2024, eis que adquirido tal direito pelo decurso do tempo.
No ponto, para aqueles Condomínios que se amoldam à situação supramencionada, recomenda-se a alteração na Convenção para fazer constar tais índices de juros e correção monetária ou, ao menos, que haja ratificação de tais usos e costumes em Assembleia destinada a tal fim.
Contudo e por fim, analisando uma outra ótica, temos a ressalva prevista no § único do art. 2.035 do Código Civil que prescreve:
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Fazendo a interpretação de tal dispositivo, lecionam Costa Machado e Silmara Juny Chinellato que:
“ … O dispositivo prevê a aplicação imediata e retroativa das normas de ordem pública a qualquer convenção que as contrariar. Embora não seja possível traçar uma linha divisória entre a ordem privada e a ordem pública, a doutrina considera as normas de ordem pública como aquelas que tutelam os fundamentais interesses do Estado. O parágrafo em exame apenas exemplifica, ao citar a função social da propriedade e dos contratos, embora outras possam ser lembradas, como as que têm por objeto fixar o estado das pessoas, a organização da família e a relativa à ordem de vocação hereditária. A questão, que é antiga, consiste em saber se o princípio da irretroatividade pode ser contornado em face das necessidades da ordem pública. Há entendimento jurisprudencial no sentido de que o disposto no art. 5º, XXXVI, da CF se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem distinção entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Para a doutrina, o fundamento da ordem pública não pode ir a ponto de atingir casos em que o desconhecimento geraria desequilíbrio social e jurídico. A questão, como se vê, não é pacífica. Ao que tudo indica, o parágrafo único acompanhou o entendimento de respeitável corrente doutrinária, que considera a irretroatividade das leis como um princípio de utilidade social, que não deve ser interpretado com rigor absoluto. Assim, havendo necessidade, por interesse de ordem superior, de sacrificar os direitos de outrem, não há como negar efeito retroativo à lei, ainda que acabe por ferir direitos adquiridos, ato jurídico perfeito ou coisa julgada, porque não há direitos contra os interesses superiores da ordem pública. Há precedentes nesse sentido em nossa jurisprudência, como o que afastou a ofensa ao princípio constitucional da irretroatividade das leis, ao reconhecer aplicável a Lei de Inquilinato aos contratos celebrados na vigência da lei revogada …”[7]
[7] MACHADO, Costa; CHINELLATO, Silmara J. Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri: Editora Manole, 2022. E-book. ISBN 9786555767339. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555767339/. Acesso em: 08 ago. 2024.
- DO ESTÍMULO À INADIMPLÊNCIA
Foi dito no final do tópico 3 “ginástica matemática” não por um acaso, pois, conforme bem anotado por Carlos E. Elias de Oliveira em recente artigo[8]:
Resta saber: qual é o índice de juros moratórios legais?
Após a Lei dos Juros Legais (Lei nº 14.905/2024), o art. 406 do CC passou a prever que os juros moratórios legais correspondem ao resultado positivo da seguinte equação:
Juros Moratórios Legais = Taxa Selic – IPCA |
Trata-se de resultado positivo. Por isso, se essa equação der negativa porque o IPCA é superior à Selic, os juros moratórios legais serão zero
[8] https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/411357/juro-remuneratorio-moratorio-e-correcao-monetaria-apos-lei-14-905-24
Em rápida pesquisa, consta que para o mês de julho/2024 a taxa Selic está em 10,50%[9], enquanto que o IPCA está em 4,23%.[10]
Fazendo uma melhor interpretação do dispositivo e dos cálculos supramencionados, em que pese isso não tenha ficado claro no texto legal, é crível que o resultado apurado (Selic – IPCA), ainda tenha que ser dividido por 12 meses, para fazer jus à periodicidade anual, o que chegaríamos à conta de 0,52%.
No ponto, sairíamos dos costumeiros 1% a.m. para 0,52% a.m. (ref. Julho/2024), o que nesse viés representaria um benefício aos devedores e, consequentemente, desestímulo à quitação de dívidas ou eventuais acordos.
Entretanto, em que pese a hipótese de cálculo e sentimento negativo supramencionados, cremos que tais cálculos ainda serão regulados pelo CMN – Conselho Monetário Nacional, conforme art. 406, § 2º, do Código Civil.
[9] https://www.suno.com.br/guias/taxa-selic-hoje/#:~:text=A%20taxa%20Selic%20hoje%20%C3%A9,novas%20redu%C3%A7%C3%B5es%20no%20curto%20prazo.
[10] https://www.remessaonline.com.br/blog/ipca-hoje/#:~:text=Quanto%20est%C3%A1%20o%20IPCA%20hoje%20(2024)%3F&text=A%20infla%C3%A7%C3%A3o%20acumulada%20em%2012%20meses%20subiu%20de%203%2C93,no%20grupo%20de%20%E2%80%9CTransportes%E2%80%9D.
- CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, há algumas questões ainda pendentes de respostas, a ver pelo futuro posicionamento da CMN sobre a forma de cálculo dos chamados juros moratórios legais, que em tese impactará em estímulo à inadimplência, bem como se o instituto da Surrectio não seria aplicável em casos em que omissa a Convenção Condominial sobre juros moratórios e índice de correção monetária.
Certamente serão temas de amplos debates na doutrina que reverberarão no Poder Judiciário.
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Autor:
Luiz Gustavo F. Rocha
Advogado. Presidente da Comissão de Direito Condominial e Imobiliário da OAB/SP-Santana. Pós-Graduado em Direitos e Negócios Imobiliários e, Direito Notarial e Registral pela IBMEC/Damasio, bem como Pós-Graduado em Direito e Gestão Condominial pela FAAP/SP e Formação Executiva de Líderes pela FGV/SP. Diretor Adjunto da ANACON pelo Estado de São Paulo. Co-autor das obras Direito Condominial Contemporâneo e Novas Vozes do Direito Condominial pela Editora Liberars.