Inteiro Teor
Nº 70065860223 (Nº CNJ: 0271400-61.2015.8.21.7000)
2015/Cível
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
INÍCIO DAS OBRAS DE REPARO NO TELHADO. PRAZO RAZOÁVEL PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO (art. 461, § 4º, do CPC). A decisão que impõe uma obrigação deve fixar prazo razoável para cumprimento do preceito. Considerando as circunstâncias do caso, mostra-se adequada a concessão de 10 (dez) dias para o início das obras de reforma de telhado de edifício.
MULTA (ASTREINTES). Tratando-se de obrigação de fazer e de não fazer, resulta viável juridicamente a imposição de multa em decisão interlocutória, podendo o juiz utilizar-se desta faculdade (art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC).
REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA. Desvirtuamento das astreintes. O valor da multa não pode acarretar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, devendo ser observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE ROVIDO.
Agravo de Instrumento
Décima Nona Câmara Cível
Nº 70065860223 (Nº CNJ: 0271400-61.2015.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
CONDOMÍNIO EDIFICIO ILHA BELA
AGRAVANTE
MARIA DO CARMO PERO DE SOUZA
AGRAVADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Mylene Maria Michel (Presidente) e Des. Eduardo João Lima Costa.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2015.
DES. MARCO ANTONIO ANGELO,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Marco Antonio Angelo (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por CONDOMÍNIO EDIFICIO ILHA BELA contra decisão prolatada na ação de obrigação de fazer ajuizada por MARIA DO CARMO PERO DE SOUZA, com o seguinte conteúdo (fl. 273):
Não há fundamento jurídico para a anulação do acordo. Por isso vai de todo desconsiderado o pedido. Insta referir que pelo acordo o réu concordou em fazer todos os reparos sem ressalvas. Portanto, nenhum tipo de prejuízo poderia até mesmo ser alegado pela parte que se fez presente, por procurador com poderes para transigir, e assinou o termo de audiência. Inclusive surpreende o pedido veiculado pelo mesmo procurador que se fez presente. Ainda, verifico que o prazo estipulado no acordo não se exauriu. Contudo, em face da notícia da aprovação da realização da reforma em assembleia condominial e, também, da existência de verba para tanto, não vejo razão para que não se dê início as obras, tanto que cessem as chuvas, ou que as condições climáticas assim o permitam. Medidas que atenuem o problema também podem ser adotadas, tais como uso de lonas ou outros meios que minimizem os problemas alegados pela autora. Assim, intime-se a ré para cumprimento do acordo, desde já, como antes referido, no prazo de 48h a contar da intimação, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00. No mais, aguarde-se o retorno da MM. Juíza titular para agendamento da audiência requerida por ambas as partes. Intimem-se. Diligências legais.
A parte-ré, declinando suas razões, alega que não pode ser compelida a dar início à obra de reparo no telhado do edifício no prazo de 48 horas, mormente quando o acordo homologado judicialmente previu o prazo de seis meses para seu início. Outrossim, requer o afastamento da multa diária para o caso de descumprimento do preceito ou, alternativamente, a redução do seu valor.
Foram apresentadas contra-razões.
É o relatório.
VOTOS
Des. Marco Antonio Angelo (RELATOR)
O agravo de instrumento interposto pelo condomínio visa discutir três questões: 1) o prazo para cumprimento do preceito 2) a necessidade de afastamento das astreintes 3) alternativamente, a redução do seu valor.
Relativamente ao prazo para início da reforma no telhado do edifico – que vem ocasionando consideráveis transtornos à parte-agravada, segundo indicam os inúmeros documentos anexados aos autos ? a irresignação procede em parte.
Conforme estipulado na transação homologada judicialmente no dia 25.03.2015 ?O Condomínio reconhece a urgência e prioridade da obra de reforma do telhado do Bloco B, sendo que dará início a obra imediatamente que tenha saldo suficiente para sua realização, considerando o prazo máximo de seis meses a contar da data de hoje para o início da obra.? (fl. 92).
Entretanto, a decisão deve fixar um prazo razoável para cumprimento do preceito.
O parágrafo 4º do art. 461 do CPC estabelece o seguinte:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(…)
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Consoante o dispositivo supracitado, não basta a cominação da multa para o caso de descumprimento do preceito, resultando necessária a estipulação de prazo razoável, o qual, uma vez não atendido pelo devedor da obrigação, fará incidir a multa.
Transcrevo:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TELEFONIA. INDENIZAÇÃO. CONSUMIDOR. BRASIL TELECOM. NÃO CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS (\INTERNET BANDA LARGA\). COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. ASTREINTES. CONSOLIDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DE EFETIVO DESCUMPRIMENTO. 1. A cobrança indevida em faturas de telefonia caracteriza dano moral, conforme a situação haja acarretado estresse e desgaste psíquico revelado pela renitência da operadora de telefonia em manter as cobranças indevidas, não obstante as solicitações administrativas de cancelamento. No caso em apreço, mostram-se devidos os danos morais. 2. A verba indenizatória deve ser equânime, não se afastando de hipóteses parelhas apreciadas por esta Corte. 3. É descabida a consolidação das astreintes quando não há evidência segura de que a demandada deixou de cumprir a medida antecipatória em prazo razoável (artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil). APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70044549020, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 12/04/2012).
Nesse ponto, saliento que o acordo homologado foi muito claro ao estabelecer que o agravante ?… dará início a obra imediatamente que tenha saldo suficiente para sua realização?, inexistindo qualquer controvérsia acerca da existência de recursos, conforme se verifica também das razões do agravo.
Aliás, a medida foi aprovada em assembléia condominial e o condomínio selecionou a empresa SK Estruturas Metálicas para realizar a obra.
Entretanto, a alegação do condomínio agravante no sentido de que o prazo de 48 horas é exíguo para o início dos trabalhos possui verossimilhança.
Na verdade, independentemente das condições climáticas verificadas, pode-se afirmar que uma obra deste porte depende da aprovação de projeto e de algumas outras medidas que demandam maior tempo para realização.
Assim, no caso concreto, considerando as circunstâncias da lide, mostra-se adequada a concessão do prazo de 10 (dez) dias para o cumprimento da decisão judicial.
Relativamente à cominação da multa diária, tratando-se de obrigação de fazer e de não fazer, resulta viável juridicamente a imposição de multa em decisão interlocutória, podendo o juiz utilizar-se desta faculdade.
Com efeito, ?Da leitura dos §§ 3º e 4º do artigo 461 do CPC, depreende-se que a multa poderá ser imposta no momento do deferimento de liminar ou sentença? (Guilherme Rizzo Amaral. As astreintes e o Processo Civil brasileiro, Livraria do Advogado Editora, 2004, Porto Alegre-RS, pág. 106).
No mesmo sentido: ?é possível a aplicação de multa coercitiva para constranger ao cumprimento de decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos, sempre que neles se impor a observância de um fazer ou não-fazer. É possível aplicar multa coercitiva para outorgar efetividade à tutela antecipatória, à tutela cautelar ou a tutelas finais. Do ponto de vista do direito material, cabe a aplicação de multa coercitiva para o cumprimento de fazer ou não-fazer fungíveis ou infungíveis? (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Código de Processo Civil Comentado, Ed. RT, São Paulo, 2008, pág. 429-30).
A decisão que determina a realização de obra de reforma no edifício impõe uma obrigação de fazer, razão pela qual admite, para a hipótese de descumprimento do preceito, a aplicação de multa na forma do art. 461 do CPC.
No mesmo sentido, Jurisprudência do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DETERMINAÇÃO DE EXCLUSÃO DO NOME DO AUTOR DO CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. ART. 461 CPC.
VALOR DA MULTA. QUESTÃO NOVA. MATÉRIA NÃO SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS. VEDAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
1. Revela-se assente nesta Corte Superior que a decisão que manda excluir do cadastro de proteção ao crédito o nome do devedor, por tratar de obrigação de fazer, admite a fixação de multa diária por seu descumprimento e efetiva-se no próprio processo em que é proferida, dispensando ação subseqüente. Precedentes.
[…]
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 783.017/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/05/2010).
Na hipótese dos autos, a multa foi estipulada em decisão interlocutória determinando o cumprimento do acordo entre as partes.
Os requisitos necessários para a imposição da multa encontram-se presentes, ou seja, relevância do fundamento da demanda e justificável receio de ineficácia do provimento final.
Impõe-se, pois, a manutenção da multa diária estabelecida pelo juízo a quo.
Por fim, Consoante o § 6º do art. 461 do CPC ?o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva?.
No caso em apreço, verifica-se desde logo que a multa restou fixada em valor excessivo, o que enseja a sua redução. Isso porque o valor da multa não pode acarretar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, devendo ser observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Ora, o excessivo valor da multa implica desvirtuamento das astreintes, tendo em vista que torna a vultosa quantia mais desejada do que a pretensão deduzida na petição inicial.
Note-se que ?não há dúvidas quanto à possibilidade de alteração do valor da multa, bem como de sua periodicidade, durante sua incidência? (Guilherme Rizzo Amaral, obra já citada, pág. 130).
Transcrevo:
PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA MULTA COM BASE NOS CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRAZO INICIAL PARA A CONTAGEM DOS JUROS MORATÓRIOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. – É lícito ao Julgador, a qualquer tempo, modificar o valor e a periodicidade da multa (art. 461, § 4º c/c § 6º, do CPC), conforme se mostre insuficiente ou excessiva. Precedentes. […] Recurso especial da ré parcialmente conhecido e provido. Recurso especial adesivo não conhecido. (REsp 1060293/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 18/03/2010).
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. FIXAÇÃO EM VALOR ELEVADO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO AO VALOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. SÚMULA 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS LEGAIS EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. \É possível a redução das astreintes fixadas fora dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, fixada a sua limitação ao valor do bem da obrigação principal, evitando-se o enriquecimento sem causa\ (REsp 947.466/PR, DJ de 13.10.2009). Incidência da súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça. […] (AgRg no REsp 541.105/PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 08/03/2010).
Nesses termos, sopesadas as circunstâncias peculiares, para a hipótese de descumprimento do preceito, reduzo o valor da multa para R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais) por dia, o que é suficiente e compatível com a obrigação.
Esclareço que o valor e/ou a periodicidade da multa ora estabelecidos não fazem coisa julgada material, razão pela qual ainda poderão ser modificados se, no curso da lide ou mesmo após o seu encerramento, restar configurada alguma das hipóteses do § 6º do artigo 461 do CPC.
Impõe-se, pois, a reforma parcial da decisão agravada.
EM FACE DO EXPOSTO, voto em dar parcial provimento ao agravo de instrumento para fixar o prazo de dez dias para o início das obras de reforma do telhado e para reduzir o valor da multa diária nos termos da fundamentação.
Des. Eduardo João Lima Costa – De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Mylene Maria Michel (PRESIDENTE) – De acordo com o (a) Relator (a).
DES.ª MYLENE MARIA MICHEL – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70065860223, Comarca de Porto Alegre: \DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.\
Julgador (a) de 1º Grau:
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