Inteiro Teor
Trata-se de Agravo de Instrumento, interposto contra decisão (mov. 20.1) proferida nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Assembleias Condominiais nº 9967-60.2020.8.16.0030, da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, promovida por JOSÉ RUY ALEXANDRE e LUIZ ANTONIO DE GASPERIN em face do CONDOMÍNIO RESIDENCIAL FECHADO PORTO SEGURO, que indeferiu o pedido de suspensão dos efeitos das deliberações tomadas pelas assembleias realizadas nos dias 08/11/2018, 29/04/2019 e 25/11/2019, ao fundamento de “que é necessária a instauração do contraditório, pois, além da lide envolver o interesse de uma coletividade, representada pelo condomínio réu, a questão, diante das alegações de superfaturamento, direcionamento indevido de obras e inobservância das normas condominiais, exige amplo debate e cognição, o que mostra a impossibilidade de qualquer decisão em sede de juízo perfunctório”.
Os Autores/Agravantes sustentam, em síntese, que as obras de reforma na portaria, salão de festa e área da churrasqueira não contaram com o quórum qualificado (de 2/3 dos condôminos) estabelecido na Convenção do Condomínio.Elencam (mov. 1.1, pp. 6/7) diversas pretensas irregularidades nas Assembleias, aduzindo que nada obstante alcance o interesse de uma coletividade, há provas pré-constituídas demonstrando que as decisões nelas tomadas violaram preceitos da Convenção.Alegam, ainda, que os expressivos valores aprovados para as reformas já estão sendo cobrados dos Agravantes (conforme notificação da Síndica de mov. 1.14), podem ser utilizados pelo Condomínio agravado para realização de diversos negócios relacionados às reformas e projeto arquitetônico que, se uma vez rescindidos por conta da declaração de nulidade das Assembleias que elegeram a empresa vencedora, poderão ensejar a cobrança de multas contratuais, outras sanções e até mesmo futuras ações judiciais visando discutir o contrato rescindido.Destaca também o significativo valor da obra, orçada em R$ 1.866.645,37 (um milhão oitocentos e sessenta e seis mil seiscentos e quarenta e cinco reais e trinta e sete centavos), cabendo a cada morador o pagamento de R$ 24.875,30 (vinte e quatro mil, oitocentos e setenta e cinco reais e trinta centavos).Aduzem, por fim, que os documentos indispensáveis à propositura da ação somente foram fornecidos aos agravantes por ocasião da audiência de conciliação realizada no dia 14 de fevereiro de 2020 perante o 3º Juizado Especial Cível de Foz do Iguaçu, referente ao processo nº 36939-04.2019.8.16.0030, ajuizado pelo Agravante JOSÉ RUY ALEXANDRE em face da Síndica do Condomínio, visando obter os documentos relacionados às Assembleias impugnadas.Requereram a antecipação dos efeitos da tutela recursal, ao fito de determinar a suspensão das deliberações tomadas nas Assembleias dos dias 08/11/2018, 29/04/2019 e 25/11/2019 até o julgamento final da demanda, determinando que o Condomínio requerido se abstenha de encaminhar boletos ou qualquer outro tipo de cobrança aos Agravantes referentes às obras em discussão. Subsidiariamente, seja determinada a suspensão das reformas, com imposição de multa diária por descumprimento.A decisão de mov. 7.1 concedeu parcial efeito suspensivo ao recurso, nos moldes do pedido subsidiário, somente para autorizar os Recorrentes que deixem de efetuar o pagamento das suas cotas referentes às obras/reformas objeto da ação declaratória.Os Agravantes pugnaram pelo reconhecimento da revelia do Condomínio Recorrido (mov. 21.1), reiterando o pedido de provimento do Agravo. O CONDOMÍNIO RESIDENCIAL FECHADO PORTO SEGURO ofereceu então extensas contrarrazões (72 páginas, mov. 23.1), que foram seguidas de nova manifestação dos Recorrentes (mov. 27.1) insistindo não fossem recebidas as contrarrazões por serôdias, e a aplicação de multa ao Agravado por litigância de má-fé. Por fim, o Condomínio Réu impugnou os termos da última manifestação de JOSÉ RUY ALEXANDRE e LUIZ ANTONIO DE GASPERIN.É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Os Agravantes foram intimados da decisão recorrida em 29/04/2020 (mov. 28 dos autos da Ação Declaratória), e interpuseram o recurso tempestivamente, em 30/04/2020, acompanhado da guia de recolhimento das custas respectivas. A insurgência se enquadra na hipótese do inciso I do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, e por isso o Agravo merece ser conhecido.Na decisão prefacial, ponderei que os Recorrentes haviam demonstrado indícios de irregularidades na obra do Condomínio, “como por exemplo a deliberação e aprovação de vultuoso orçamento para realização das obras no Condomínio, sem que tal assunto estivesse pautado como item a ser apreciado e discutido na ordem do dia na Assembleia em questão, além de os Instrumentos de procuração serem apresentados sem o reconhecimento das assinaturas, contrariando o disposto no artigo 19 da Convenção”.Assim, servindo-me de um juízo de proporcionalidade, autorizei os Agravantes a “deixar de efetuar o pagamento das suas cotas referentes às obras/reformas objeto da ação declaratória, até o julgamento do mérito deste Agravo de Instrumento”, entendendo que “verificadas as irregularidades apontadas, há evidente periculum in mora em relação aos Agravantes, de quem estão sendo exigidas cotas mensais superiores a R$ 4.000,00 (quatro mil reais) exclusivamente por conta das obras/reformas”.Desde então, a ação seguiu um trâmite célere, tendo o preclaro Magistrado a quo proferido decisão (mov. 103.1) decretando a revelia do CONDOMÍNIO RESIDENCIAL FECHADO PORTO SEGURO, por intempestividade da contestação, e anunciando em 15/02/2021 o julgamento antecipado do feito (mov. 114.1), por entender que “a controvérsia se delimita às questões de natureza exclusivamente jurídica, e de fatos que dispensam dilação probatória”.Dito isto, no âmbito deste recurso está em debate a concessão de tutela antecipada, com o pedido principal no sentido de determinar a suspensão das deliberações tomadas nas Assembleias dos dias 08/11/2018, 29/04/2019 e 25/11/2019.Assim, o objeto do Agravo de Instrumento está circunscrito à existência, ou não, das circunstâncias autorizadoras da providência recursal – quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora.Com amparo nos elementos probatórios apresentados pelos próprios Agravantes – notadamente, as listas de presença apresentadas com as atas das sobreditas assembleias contendo diversos instrumentos de procuração e cópias dos editais (movs. 1.6/1.9) (movs. 1.6/1.10) – é possível inferir que as obras foram autorizadas pela Assembleia de Condôminos, por 46 (quarenta e seis) dos 67 (sessenta e sete) condôminos, quando o mínimo seria de 44 (quarenta e quatro). Tendo em vista que a previsão da alínea ‘c’ do parágrafo único do artigo 16 da Convenção do Condomínio (mov. 1.11, p. 3 dos autos nº 9967-60.2020.8.16.0030) é no sentido de serem necessários 2/3 (dois terços) dos proprietários do total dos lotes exclusivos, está aparentemente preenchida a condição formal à “Execução de construções, obras e serviços que alterem a situação original do condomínio”.Dentro desse contexto, a autorização das obras parece estar formalmente correta.Por outro lado, não é possível deixar de considerar o fato superveniente à interposição do recurso, que é a revelia decretada pelo Juízo. Em que pese a impossibilidade de o Tribunal se sobrepor ao exame do mérito da demanda, que nesse momento depende do exame pelo Juiz da causa, pena de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, cumpre desde logo reconhecer a aplicabilidade dos efeitos da revelia.O Código de Processo Civil dispõe:Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.
Portanto, não verificadas as hipóteses dos incisos I a III do artigo 345 do CPC, a regra é a presunção de veracidade dos fatos articulados pela parte autora, que não forem inverossímeis ou colidam com a prova dos autos.As alegações de fato dos Autores/Agravantes assentam em: a) descumprimento da Convenção do Condomínio e preceitos legais; b) irregularidades nos Editais de Convocação e nas Assembleias realizadas; c) ausência de quórum necessário para apreciação e votação das matérias do dia, em especial as obras, que alegam serem 1 (uma) necessária e 2 (duas) voluptuárias; d) superfaturamento nos orçamentos apresentados; e) direcionamento quanto ao executor das obras; f) manipulações legais; g) sonegação de informações pela atual síndica; h) fraude ou manipulação na Assembleia Geral Ordinária onde foi eleita a atual síndica; i) houve fraude ou manipulação na Assembleia Geral Ordinária que aprovou as obras; j) fraude na assinatura da Lista de presença dessa assembleia, afirmando que “…apenas 25 condôminos assinaram a lista de presença relacionada a Ata da Assembleia do dia 08/11/2018”; k) presença de rasuras que comprometeram a lisura, transparência e legitimidade da Ata e consequentemente da Assembleia; e l) fraude na apresentação das procurações da Assembleia do dia 08/11/2018 pelo então síndico, que somente num momento posterior ao ato buscou assinaturas de condôminos em procurações para anexar à Ata da Assembleia.Afora os itens ‘a’, ‘b’ e ‘c’, que tangem diretamente às formalidades das assembleias, os demais referem-se a fatos que não são de todo inverossímeis, nem contradizem a prova dos autos – mesmo porque deveriam ser apurados em regular instrução probatória, que o Juízo entendeu pela desnecessidade ao anunciar o julgamento no estado do processo.Tendo isso em conta, ao menos até que seja proferida a sentença, a revelia faz militar a presunção de que as irregularidades apontadas nas assembleias existiram: se não estão acompanhadas de provas consistentes e congruentes com as alegações dos Autores/Apelantes, é porque não lhes foi dada oportunidade de produzi-la.No sentido do exposto, vale conferir os seguintes precedentes desta Corte sobre o tema:“APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. PLEITO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA DE EMBARCAÇÃO COM DEFEITO NO MOTOR. FORNECEDOR QUE SE RECUSOU A SOLUCIONAR O DEFEITO, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE ERA DE CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. EMPRESA RÉ QUE DEVIDAMENTE CITADA NÃO COMPARECEU AOS AUTOS. EFEITOS DA REVELIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS QUE NÃO SEJAM INVEROSSÍMEIS OU EM CONTRADIÇÃO COM A PROVA DOS AUTOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 345 CPC. REQUERENTE QUE LOGROU ÊXITO EM PROVAR OS FATOS POR SI ALEGADOS. DIREITO À RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. ART. 18, § 1º, III DO CDC. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 405 CC. CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DO DESEMBOLSO. PRECEDENTES. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO”. (TJPR – 8ª C.Cível – 0001243-65.2017.8.16.0194 – Curitiba – Rel.: Desembargador MARCO ANTONIO ANTONIASSI – J. 12.09.2019)
“AÇÃO ANULATÓRIA DE TÍTULO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. APELAÇÃO CÍVEL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. QUITAÇÃO DO DÉBITO CONSUBSTANCIADO NA DUPLICATA OBJETO DOS AUTOS ALIADA À DECRETAÇÃO DA REVELIA DOS RÉUS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS AFIRMADOS PELO AUTOR. INCIDÊNCIA DO ART. 344 DO NOVO CPC. APONTAMENTO A PROTESTO POR TÍTULO JÁ PAGO. SUCUMBÊNCIA. MANUTENÇÃO. (…) Reconhecida a revelia dos réus, reputam-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, nos termos do art. 344 do Novo CPC. Isso porque não estão presentes nenhuma das hipóteses do art. 345 do Novo CPC, as quais impediriam que a revelia produzisse o efeito da presunção de veracidade dos fatos alegados pela autora, eis que nenhum dos réus contestou a ação tempestivamente, o litígio versa sobre direitos disponíveis, a petição inicial foi devidamente instruída com os documentos indispensáveis e as alegações de fato formuladas pela autora são verossímeis e se encontram em consonância com a prova constante nos autos. – Ante o desprovimento do recurso de apelação, deve ser mantida a distribuição da sucumbência fixada na sentença. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA”.(TJPR – 16ª C.Cível – AC – 1484848-9 – Sertanópolis –
Rel.: Desembargador PAULO CEZAR BELLIO – Unânime –
J. 18.05.2016)
Vale destacar que se o Juiz não estiver plenamente convencido da verossimilhança do afirmado na petição inicial, deverá determinar de ofício a produção de prova, ou instar Requerentes/Recorrentes a apresentar melhores elementos de convicção. Não o fazendo, poderá o Tribunal ordená-lo, na hipótese de o Condomínio Agravado manejar o recurso adequado:“RESPONSABILIDADE CIVIL. REVELIA. NECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVAS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE APOIEM OU REFUTEM AS ALEGAÇÕES DO AUTOR. ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO TRIBUNAL. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. JULGAMENTO DA APELAÇÃO PREJUDICADO. A revelia não decorre uma presunção absoluta de veracidade das alegações de fato deduzidas pelo autor. Todavia, não sendo verossímeis essas alegações, o Juiz não poderá julgar antecipadamente a lide sem antes conferir ao autor oportunidade de produzir provas, mais ainda quando a relação controvertida for de consumo. Apelação prejudicada. Sentença anulada de ofício”.(TJPR – 10ª C.Cível – AC – 622083-5 – Curitiba –
Rel.: Desembargador ALBINO JACOMEL GUÉRIOS – Unânime –
J. 10.12.2009)
Em conclusão, convergem o fumus boni juris e o periculum in mora, este caracterizado pela possibilidade de os Agravantes virem a sofrer prejuízo de difícil reparação, se forem obrigados a entregar ao Condomínio vultosas quantias de dinheiro para custear obras oriundas de decisões tomadas por assembleias de condôminos possivelmente viciadas. Nesse tópico, vale ponderar que diante do grau de litigiosidade das partes, os valores eventualmente comprometidos com a cotas-partes dos Autores dificilmente serão ressarcidos pelo condomínio sem a necessidade de uma nova demanda judicial, na hipótese de os pedidos serem julgados procedentes.Por todos esses fundamentos, voto pelo parcial provimento do recurso, para o fim de confirmar a liminar anteriormente concedida, antecipando os efeitos da tutela recursal no sentido de isentar os Recorrentes do pagamento das suas cotas referentes às obras/reformas objeto da Ação Declaratória de Nulidade de Assembleias Condominiais nº 9967-60.2020.8.16.0030, até que seja proferida a sentença de mérito.