Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PROCESSUAL CIVIL – INOVAÇÃO RECURSAL NÃO VERIFICADA – CERCEAMENTO DE DEFESAS – PRELIMINARES REJEITADAS – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS, COBRANÇA DE MULTA CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – COMPRA E VENDA DE LOTE EM “CONDOMÍNIO FECHADO” – INADIMPLEMENTOS DA VENDEDORA – CLÁUSULA ABUSIVA ONERANDO PARCELAS DEVIDAS PELO COMPRADOR – DEMORA NA ENTREGA DAS OBRAS – INEXECUÇÃO ADEQUADA DO EMPREENDIMENTO (“CONDOMÍNIO ABERTO”) – MULTA CONTRATUAL INTEGRALMENTE DEVIDA PELA VENDEDORA – VALORES ADIMPLIDOS PELO COMPRADOR – IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO PARCIAL – RESTITUIÇÃO INTEGRAL – DANOS MORAIS – ABALOS PSICOLÓGICOS DURADOUROS – DIREITOS PERSONALÍSSIOS – OFENSA – NÃO VERIFICAÇÃO – PARCELAS A SEREM RESTITUÍDAS – CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA – TERMOS INICIAIS.
1- A veiculação no recurso de questões oportunamente suscitadas pelas partes e decididas na sentença não constitui inovação recursal, que é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
2- Sendo inútil e desnecessária a dilação probatória, deve ser rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa.
3- A multa contratual estipulada no contrato particular de promessa de compra e venda de lote em “condomínio fechado” ora analisado deve ser imposta integralmente à ré, como sendo a parte contratante que agiu com culpa exclusiva pela existência de cláusula abusiva que tornou onerosas as parcelas contratadas, pelo atraso na entrega das obras e pela inexecução adequada do empreendimento.
4- Se o desfazimento do contrato de compra e venda de bem imóvel ocorreu por força de inadimplementos da vendedora, não há campo para a retenção de qualquer quantia dos valores adimplidos pelo comprador, devendo ser restituída a integralidade do montante quitado.
5- A indenização por danos morais é cabível quando verificada a ocorrência de danos ao psicológico da vítima, os quais devem ser duradouros, de difícil reparação e devem afetar os direitos personalíssimos do atingido, o que não ocorre no caso presente.
6- As parcelas a serem restituídas deverão ser corrigidas monetariamente a partir das respectivas datas de desembolso.
7- Em se tratando de responsabilidade civil contratual, é aplicável o disposto no art. 405 do Código Civil, contando-se os juros de mora desde a citação.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0433.15.026093-6/001 – COMARCA DE MONTES CLAROS – APELANTE (S): BALLESTEROS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, HERNANE SILVA FERREIRA – APELADO (A)(S): BALLESTEROS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, HERNANE SILVA FERREIRA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR AS PRELIMINARES DE INOVAÇÃO RECURSAL E DE CERCEAMENTO DE DEFESA; NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL; DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.
DES. CLARET DE MORAES
RELATOR.
DES. CLARET DE MORAES (RELATOR)
V O T O
Apelações interpostas por BALLESTEROS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (ré/apelante principal) e por HERNANE SILVA FERREIRA (autor/apelante adesivo) contra sentença (ordem nº 25) por meio da qual o MM. Juiz Fausto Geraldo Ferreira Filho, da 2ª Vara Cível da Comarca de Montes Claros, na presente ação, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos finais:
“Em face do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido do Requerente, para declarar a nulidade da cláusula nº 3.1 do contrato e determinar a rescisão do contrato. Condeno, ainda, a requerida a proceder com a devolução do valor pago pelo requerente, qual seja, R$ 48.565,25 (quarenta e oito mil, quinhentos e sessenta e cinco reais e vinte e cinco centavos), devendo a requerida reter 20% (vinte por cento) desse valor.
Esse valor deverá ser devidamente corrigido pela tabela da CGJMG, a partir da prolação da sentença e acrescid6 de juros moratórios de 1% ao mês, contados a partir da citação.
Condeno, ainda, a requerida ao pagamento de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais), a título de multa contratual.
Determino a extinção do processo, conforme art. 487, I, do CPC, com sucumbência proporcional, condenando as partes ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, de forma que a parte autora deve arcar com 50% (cinquenta por cento) da sucumbência, e a parte ré, também, com 50% (cinquenta por cento) da sucumbência. Fixo os honorários advocatícios, com base no art. 85, § 2º, do CPC, em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Vedada a compensação, nos termos do ad. 85, § 14, do CPC.
Expeça-se mandado de reintegração de posse do imóvel em favor da requerida.”
A ré/apelante principal, pelas razões recursais de ordem nº 28, requer seja acolhida a preliminar de cerceamento de defesa, determinando-se a imediata remessa dos autos à primeira instância, de modo a se permitir que todos os seus questionamentos sejam respondidos acerca das demais estruturas do loteamento onde foi realizada a inspeção judicial. Alega que seu objetivo é demonstrar a inexistência de qualquer atraso de obras, a fim de que seja afastada a multa prevista na cláusula penal.
Ultrapassada a preliminar arguida, requer seja provido o seu recurso, reformando-se a decisão para se julgar improcedente o pedido de aplicação de multa penal formulado pelo autor, ora apelado principal, argumentando que não causou atraso na conclusão das obras no empreendimento objeto do presente litígio e que não poderia sofrer penalidade em razão de fatos que dependiam de órgãos da administração pública e concessionárias. Sustenta que tão logo houve a autorização para o início das obras de lazer, rapidamente diligenciou a sua construção para que houvesse o adimplemento total das suas obrigações perante os inúmeros promissários compradores do empreendimento.
Subsidiariamente, em caso de manutenção da sentença recorrida, pede “que seja determinada a incidência de juros sobre os valores a serem devolvidos a partir do trânsito em julgado, tendo em vista a robusta prova documental de que o suposto atraso ocorrido ocorreu por conta da municipalidade”.
Contrarrazões ofertadas pelo autor/apelado principal (ordem nº 34), que pugna pelo desprovimento do apelo principal.
O autor/apelante adesivo, em suas razões recursais de ordem nº 31, alega que a ré/apelada adesiva descumpriu o prazo de 30 (trinta) meses para entrega das obras de lazer previstas no Termo de Compromisso de Obras. Diz que ela descumpriu a promessa de entrega do empreendimento como condomínio fechado, especialmente porque o mesmo foi aprovado pela Prefeitura de Montes Claros como loteamento aberto, nos termos da certidão constante dos autos, devendo-se também por este motivo ser declarada a rescisão do contrato por culpa da demandada, com sua condenação no pagamento da multa contratual prevista na cláusula 9 do contrato. Argumenta que deve ser afastada a retenção de 20% sobre o valor que pagou, ante a ausência de sua culpa pela rescisão do contrato. Sustenta que a correção dos valores a lhe serem devolvidos deve se dar desde a data de cada desembolso. Defende a tese de que houve aumento abusivo do valor mensal das prestações e que a atitude da ré/apelada adesiva lhe causou dano moral passível de reparação.
Contrarrazões ofertadas pela ré/apelada adesiva (ordem nº 36), que suscita preliminar de inovação recursal e, no mérito, pugna pelo desprovimento do apelo adesivo.
Em razão do despacho de ordem nº 38, o autor/apelante adesivo se manifestou em ordem nº 39, acerca da preliminar de inovação recursal suscitada pela ré, em contrarrazões de ordem nº 36.
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
I – Apelo principal.
Conheço do apelo principal, por considerar atendidos os pressupostos de admissibilidade, incluindo o preparo.
II – Apelo adesivo. Preliminar de inovação recursal.
A ré/apelada adesiva arguiu preliminar de não conhecimento do recurso adesivo, alegando que o autor/apelante adesivo teria trazido ao exame da instância recursal tema não abarcado na postulação inicial.
Razão não lhe assiste, data venia.
A alegação de que a ré/apelada adesiva descumpriu a promessa de entrega do empreendimento como “condomínio fechado” foi feita na peça de emenda à inicial (ordem nº 5), assim como o argumento de que as obras de infraestrutura de lazer e segurança prometidas não seriam executadas pela ré/apelada adesiva “a curto prazo”.
Assim, houve expressa referência à natureza do empreendimento no início do processo, com posterior respeito ao direito da ré ao contraditório e à ampla defesa, com final prestação jurisdicional, mediante sentença fundamentada que tratou do tema.
Destarte, não se há de falar em inovação recursal, sendo permitido ao autor se insurgir contra a parte da sentença que lhe foi desfavorável, tendo como enfoque essa destacada matéria.
Rejeito a preliminar de inovação recursal e, por considerar atendidos os pressupostos de admissibilidade do apelo adesivo, incluindo o preparo, também dele conheço.
PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA
Em 29/06/2008, foi realizada inspeção judicial no loteamento denominado Pampulha Tennis Residence, onde estiveram presentes o MM. Juiz singular, seu assessor, o escrivão judicial substituto e também o autor, seu procurador e o representante legal da ré.
Quando da referida inspeção judicial, constataram-se os seguintes aspectos:
“- o empreendimento possui acesso controlado, por duas portarias. Controle feito através da identificação (via documento pessoal) e anotação da placa veicular, pelo porteiro. Todavia, o acesso é livre a qualquer pessoa que queira ir ao local, desde que se identifique; – que o empreendimento é todo fechado (parte por muro de alvenaria e parte por tela de arame, com concertina); que o empreendimento é dotado de infraestrutura básica (água e esgoto). Constatou-se ainda, que as obras não foram totalmente concluídas, tal qual o folder de divulgação e vendas do empreendimento. Conforme registro dos moradores presentes no ato da referida inspeção e fotos tiradas, no local e anexas a este termo. (…)” (ordem nº 19)
Em 25/07/2018, a ré peticiona, requerendo ao juiz singular que “esclareça se o empreendimento em questão possui iluminação pública e energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação”. O magistrado a quo indeferiu o requerimento, sob o fundamento de que a inspeção judicial se resume naquilo que foi relatado (ordem nº 20).
Agora, em sede de apelação principal, a ré argumenta que tal decisão do juiz cerceou o seu direito de defesa.
Novamente, razão não lhe assiste.
Conforme visto, o juiz foi claro e objetivo no relato de sua inspeção judicial, que lhe serviu para constatar in loco que as obras não haviam sido totalmente concluídas, “tal qual o folder de divulgação de vendas do empreendimento”.
Na condição de destinatário das provas, ao indeferir o requerimento da ré de esclarecimentos sobre a iluminação pública, energia elétrica e vias de circulação (ordem nº 20), não lhe pareceu útil e até mesmo necessário ao deslinde da lide adentrar em aspectos diversos daqueles que ele já havia relatado para fins de apurar se a obra havia sido ou não concluída. Enfim, ele já tinha visto que a obra não estava completa, na data da inspeção judicial. E isso já bastava para decidir.
Ademais, por obvio, a estratégia argumentativa que agora a ré inaugura em sua preliminar de cerceamento de defesa trata de questão que não mais poderia ser resolvida, já que o ambiente físico inspecionado pelo juiz já se modificou após passados anos.
Rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.
MÉRITO
Analisarei o mérito de ambos os recursos conjuntamente.
Em 1º/04/2014, as partes firmaram contrato de compra e venda do lote 09 da quadra 09 do loteamento denominado Pampulha Tennis Residence, na cidade de Montas Claros/MG, com área de 360 metros, cuja forma de pagamento já foi descriminada na inicial.
Foi estabelecido o prazo de 30 meses para entrega das obras de infraestrutura e lazer, a contar da data da assinatura do contrato.
Portanto, o prazo estipulado para término das obras de infraestrutura e lazer terminaria em 1º/10/2016.
A presente ação foi ajuizada em 06/08/2015. Inicialmente (ordem nº 1), o autor postulou revisão contratual, para que fossem modificadas as parcelas por ele devidas, para que fosse extirpada a aplicação de juros mensais de 1%, a fim de que a ré fosse condenada a lhe devolver valores pagos em excesso (R$1.446,91) e a lhe pagar indenização por danos morais.
Posteriormente (ordem nº 5), em aditamento à inicial em 18/04/2016, postulou declaração de nulidade da cláusula contratual que estabelece a incidência dos juros mensais de 1%, com rescisão do contrato por culpa da ré por lhe impor cláusula contratual abusiva, bem como condenação da ré a lhe devolver todos os valores já pagos, devidamente corrigidos, no importe total de R$ 48.565,25, condenação da ré a lhe pagar a multa pela rescisão de contrato, conforme previsão item 9 do contrato, no importe de 20% do valor do contrato.
É de se notar que, antes mesmo do término previsto para entrega das obras de infraestrutura e lazer, o autor se utilizou desta mesma ação para também postular a rescisão contratual, emendando a inicial, já vislumbrando o atraso na entrega das obras.
E, de fato, não foram entregues a tempo e modo.
Ficou demonstrado que o atraso das obras se deu por culpa da ré, que tenta se escudar na tese insustentável, data venia, de que a culpa pelo atraso das obras foi de terceiro; no caso, a administração pública municipal.
Observo, em meio às reflexões sobre o caso concreto, que a ré nem mesmo se insurgiu contra a parte da sentença que declarou a nulidade da cláusula nº 3.1 do contrato e determinou a rescisão do contrato. Com isso, ficou decidido que havia, no contrato, cláusula abusiva, que estabelece a capitalização de juros, além da cumulação dos juros correspondentes à remuneração plena dos depósitos da caderneta de poupança com os juros remuneratórios de 1%, configurando bis in idem. Cláusula abusiva que, por óbvio, ocasionou o desequilíbrio contratual e afetou o próprio interesse do autor em manter o negócio, na medida em que a demora na conclusão das obras também se revelou aos olhos deste comprador e por que a ré contrariou a sua justa expectativa quando deixou de cumprir promessa de entrega do empreendimento como “condomínio fechado”.
Igualmente, ficou consolidado o afastamento da culpa do autor pela rescisão do contrato, bem como da condenação de infração contratual ou de cláusula penal.
Parece-me correta a conclusão do magistrado singular quanto à culpa da ré pelo atraso da obra, que se revelou junto com a declarada abusividade contratual. E esse atraso também se faz acompanhado do fato de que, conforme anotado, a ré contrariou a justa expectativa do autor ao descumprir promessa de entrega do empreendimento como “condomínio fechado”.
Peço vênia ao sentenciante para concluir que a culpa da ré não poderia ser minimizada em razão de questões burocráticas que esta diz ter enfrentado junto à administração pública municipal e a ponto de afetar o valor da multa contratual pelo descumprimento do contrato entabulado em razão do atraso na entrega do empreendimento.
Ainda mais que não se poderia transferir à Prefeitura de Montes Claros parte da culpa pelo atraso na entrega das obras e pela inexecução adequada do empreendimento.
No caso presente, vistas suas peculiaridades, entendo que a obra pode até ter sofrido atrasos em razão da demora de autorização por parte do poder público. Mas, tudo se deu por culpa exclusiva da ré, que, pelo visto, deu entrada no procedimento administrativo para obtenção do alvará de licença para construção apenas no ano de 2016 (ordem nº 10), conforme alertado pelo autor.
Correto afirmar, sem ressalva, que medidas deveriam ter sido tomadas tão somente pela ré, as quais não necessitavam de autorização do poder público e ainda assim não foram atendidas ao tempo e modo pactuados.
Com isso, afasto a ideia de que, no final das contas, deva também ser computada a citada demora do poder público em liberar o projeto arquitetônico e, por conseguinte, que deva ser reduzido o valor da multa contratual de 20% para 10% sobre o valor total do contrato.
Em julgamento de caso similar, envolvendo análise de fatos semelhantes no mesmo Pampulha Tennis Residence, no Município de Montes Claros/MG, a douta 9ª Câmara Cível concluiu, à luz do voto condutor do eminente Relator:
“Dentre os contratos assinados entre os litigantes, para aquisição pelo apelante de três lotes, localizados no empreendimento Pampulha Tennis Residence, no Município de Montes Claros, incluiu-se, na parte final dos respectivos instrumentos, documento intitulado TERMO DE COMPROMISSO DE OBRAS, assinado pela própria imobiliária recorrida, se comprometendo, expressamente, a entregar obras de infraestrutura e lazer ali discriminadas, e a seguir reproduzidas do documento original, no prazo de trinta meses, a contar da assinatura da avença (DESTACADO), sendo elas:
* Rede de água;
* Rede de Energia Elétrica;
* Sistema de Drenagem Pluvial;
* Rede de Esgoto;
* Asfaltamento das ruas;
* FECHAMENTO DO EMPREENDIMENTO (MURO) Destacado.
* Controle de acesso, nas duas entradas;
* Espaço Gourmet;
* Espaço Teen;
* Espaço Kids;
* Espaço Zen;
* Quadra de Tênis;
* Quadra Poliesportiva;
* Pista de Skate;
* Pista de bicicross;
* Pista de boliche;
* Bar molhado e piscina com raias (adulto e infantil);
* Sauna Masculina e Feminina;
* Play ground;
* Espaço Fitness;
* Parque ecológico;
* Pet Place
Extrai-se, do próprio instrumento assinado pelos litigantes, a indicação acerca do fechamento do loteamento, além de diversos produtos e serviços inerentes a qualquer empreendimento de natureza privada e de características de empreendimento fechado.
Inegável, portanto, que a imobiliária se comprometeu em alienar imóveis em loteamento privado e de natureza fechada, não sendo crível admitir que todos os serviços, produtos e benefícios assumidos contratualmente se referissem a loteamento sem características privadas, particulares, de acesso restrito, o que evidencia, de modo indubitável, tratar-se de compromisso de compra e venda de lotes em condomínio fechado, conforme expressamente previsto no próprio instrumento.
Ainda que os agentes responsáveis pelo empreendimento afirmem não se tratar de venda de lotes em condomínio fechado, o instrumento lista obras a serem concluídas que asseguram a natureza de condomínio fechado, considerando-se, ainda, que por revelar relação de consumo, a interpretação das cláusulas contratuais deve ser feita em beneficio da parte hipossuficiente.
No que se referem às propagandas de divulgação do produto e demais veículos publicitários, estes são coerentes e adequados à própria previsão contratual, informando tratar-se de empreendimento de alto padrão e, em algumas destas propagandas, chega-se a referir a loteamento fechado, ainda que veiculadas por empresas terceirizadas, como se extrai de sites de imobiliárias diversas e corretores credenciados de imóveis.
O Ministério Público, após reclamações feitas por consumidores no Procon, recomenda ao empreendimento que altere as propagandas e produtos publicitários, caso pretenda comercializar seus bens como diversos de loteamento fechado, buscando afastar dúvidas aos consumidores.
Indiscutível, portanto, que havendo o compromisso contratual, com disposição expressa acerca de obras para fechamento do loteamento, a ausência de conclusão do empreendimento e obras assumidas dentro do prazo contratualmente assinalado representa descumprimento da avença por parte da empresa recorrida, a ensejar o rompimento do vínculo contratual e rescisão da avença, nos termos do art. 475, CC/02, assegurando ao lesado requerer a resolução do contrato, se não preferir-lhe o cumprimento, podendo, ainda, pleitear perdas e danos (art. 475 CC/02).
Comprovada a rescisão da avença por culpa de um dos pactuantes, por descumprimento das cláusulas estipuladas no instrumento, impõe-se o reconhecimento acerca da extinção do vínculo contratual, com reparação dos danos causados e restituição de valores, além de multa, caso contratualmente prevista.(…)”
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.18.002179-2/001, Relator (a): Des.(a) Luiz Artur Hilário, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/11/2018, publicação da sumula em 13/11/2018)
Com o reforço de tal importante precedente, concluo que a multa contratual estipulada no contrato particular de promessa de compra e venda de lote em “condomínio fechado” ora analisado deve ser imposta integralmente à ré, como sendo parte contratante que agiu com culpa exclusiva pela existência de cláusula abusiva que tornou onerosas as parcelas contratadas, pelo atraso na entrega das obras e pela inexecução adequada do empreendimento.
Portanto, considerando que não foi apenas o atraso na entrega das obras o único inadimplemento da ré, considero com razão o recorrente adesivo ao postular o valor integral da multa contratual prevista na cláusula nona.
Outrossim, razão lhe assiste em sua insurgência contra a retenção de 20% sobre o valor que pagou.
Conforme manifestei em julgamento da 15ª Câmara Cível, na Apelação Cível nº 1.0702.14.056549-1/001, se o desfazimento do contrato de compra e venda de bem imóvel ocorreu por força do inadimplemento da vendedora, não há campo para a retenção de qualquer quantia do valor adimplido pelo comprador, devendo ser restituída a integralidade do montante quitado.
A este respeito, este egrégio Tribunal de Justiça já se manifestou em outra ocasião:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL -COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – DESCUMPRIMENTO DO CRONOGRAMA DAS OBRAS – CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA CONFIGURADA – RESTITUIÇÃO DA INTEGRALIDADE DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE ENTRADA.
Verificada a culpa exclusiva da construtora pela rescisão contratual, devem ser devolvidos ao comprador os valores pagos, em sua integralidade. (TJMG – Apelação Cível 1.0701.15.013754-8/002, Relator (a): Des.(a) Aparecida Grossi, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/07/2016, publicação da sumula em 29/07/2016)”
Com relação aos danos morais, sabe-se que representam compensação pelo abalo psicológico sofrido pela vítima em razão de ato ilícito causado por outrem. Tais danos devem ser duradouros, de difícil reparação e devem afetar os direitos personalíssimos do atingido.
O inadimplemento contratual, em regra, não enseja a reparação por danos morais, exceto quando comprovada circunstância excepcional que caracterize violação aos direitos da personalidade capaz de causar dor ou sofrimento psíquico, configurando prejuízos imateriais.
Embora o autor afirme ter sofrido danos de ordem moral pelo negócio jurídico realizado com a requerida, especialmente em virtude do “aumento abusivo do valor mensal das prestações”, entendo que ele não prova sua alegação.
Embora não se olvide dos aborrecimentos causados pelos fatos narrados e constatados nestes autos, entendo não ter sido comprovada a ocorrência de abalos psicológicos nos moldes citados.
Logo, deve ser julgado improcedente o pedido de indenização por danos morais, tal como decidido.
Por fim, parece-me óbvio, data venia, que as parcelas a serem restituídas deverão ser corrigidas monetariamente pelos índices informados na tabela da CGJMG a partir das respectivas datas de desembolso, devendo, pois, ser reformada a sentença nesse aspecto.
Por sua vez, em se tratando de responsabilidade civil contratual, é aplicável o disposto no art. 405 do Código Civil, contando-se os juros de mora desde a citação, conforme decidido.
CONCLUSÃO
À luz do exposto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa, nego provimento ao recurso principal e dou parcial provimento ao recurso adesivo, para 1) condenar a ré ao pagamento integral da multa contratual prevista na cláusula 9 do contrato firmado pelas partes (20% sobre o valor total do contrato); 2) não reconhecer direito da ré à retenção de 20% sobre o valor pago pelo autor (R$48.565,25) que esta deverá restituir ao mesmo; 3) estabelecer que as parcelas a serem restituídas deverão ser corrigidas monetariamente pelos índices informados na tabela da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais a partir das respectivas datas de desembolso.
Quanto ao mais, a sentença fica confirmada.
Custas e despesas processuais, incluindo as recursais, bem como honorários advocatícios ora majorados de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) do valor da condenação (art. 85, § 11, do CPC), divididos entre as partes, na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) pela ré e 25% (vinte e cinco por cento) pelo autor, sendo vedado qualquer tipo de compensação.
É como voto.
DESA. JAQUELINE CALÁBRIA ALBUQUERQUE – De acordo com o (a) Relator (a).
JD. CONVOCADO FABIANO RUBINGER DE QUEIROZ – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “REJEITARAM AS PRELIMINARES DE INOVAÇÃO RECURSAL E DE CERCEAMENTO DE DEFESA; NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL; DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.”