Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA OU ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM O CONTRÁRIO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 99, §§ 2º E 3º, DO NCPC. TAXAS EXTRAORDINÁRIAS. REALIZAÇÃO DE OBRAS NO CONDOMÍNIO. APROVAÇÃO POR ASSEMBLEIA. VALORES EM ATRASO. PAGAMENTO NÃO COMPROVADO. OBRIGAÇÃO DO PROPRIETÁRIO. QUITAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. O Novo Código de Processo Civil trouxe como regra geral a presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos “deduzida exclusivamente por pessoa natural” (§ 3º, art. 99, NCPC), que somente poderá ser desconstituída “de ofício” pelo Magistrado, “quando houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade” (§ 2º, art. 99, NCPC). Conforme imperativo do art. 1.336 do Código Civil, tem o proprietário do imóvel a obrigação de contribuir para as despesas de condomínio, repartidas de acordo com as frações ideais correspondentes, sendo tal obrigação propter rem, ou seja, relacionada à coisa da qual se deriva. Não comprovado o pagamento de tais obrigações, impõe-se a procedência da Ação de Cobrança.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0342.15.000986-4/001 – COMARCA DE ITUIUTABA – APELANTE (S): SEBASTIANA CRISTINA PERES DA SILVA – APELADO (A)(S): CONDOMÍNIO DO EDIFICIO ORION
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. AMAURI PINTO FERREIRA
RELATOR.
DES. AMAURI PINTO FERREIRA (RELATOR)
V O T O
Cuida-se de Ação de Cobrança de Taxas Condominiais ajuizada por Condomínio do Edifício Órion em face de Sebastiana Cristina Peres da Silva, na qual se requer, em síntese, a condenação da ré ao pagamento do débito relativo às taxas ordinárias e extraordinárias em atraso, bem como os valores vincendos no decorrer da lide, até a data de seu efetivo pagamento, com os acréscimos legais.
Conforme devida intimação, a Ré apresentou contestação, por meio da qual alega a total improcedência dos pedidos formulados.
Prolatada sentença pelo Magistrado da 1ª Vara Cível da Comarca de Ituiutaba, fora o processo extinto, com resolução de mérito, de maneira que julgou procedentes os pedidos deduzidos na exordial. para condenar a ré ao pagamento do valor de R$ 2.158,78 (dois mil cento e cinquenta e oito reais e setenta e oito centavos), corrigido monetariamente pelos índices da CGJMG, desde o ajuizamento da ação, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.
Assim, a ré foi condenada a pagar a quantia de R$ 2.158,78 (dois mil cento e cinquenta e oito reais e setenta e oito centavos), corrigida monetariamente pelos índices da CGJ/TJMG, desde o ajuizamento da ação, acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.
Ademais, a requerida foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Foi indeferido o benefício da justiça gratuita pleiteado pela requerida.
Diante dos termos da r. sentença, Sebastiana Cristina Peres da Silva manejou o presente Recurso de Apelação com o fito de reformá-la, tendo deduzido em suas razões recursais que não são devidas as taxas extraordinárias, vez que não foi observado o quórum de aprovação.
Requer a reforma da sentença, ainda, no ponto em que indeferiu o pedido de justiça gratuita.
Ofertada vista a Apelada apresentou contrarrazões, fls. 179/184.
É o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso, vez que preenche os pressupostos de admissibilidade e processamento, e considerando que a justiça gratuita é objeto recursal.
DA JUSTIÇA GRATUITA
Inicialmente, a apelante se insurge contra o ponto da sentença em que foi indeferido a ela o benefício da justiça gratuita.
Enquanto vigia a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Antigo CPC), que não tecia considerações acerca dos pressupostos necessários à obtenção dos benefícios da gratuidade da justiça, cabia à doutrina e à jurisprudência a orientação quanto à aplicação das disposições contidas na Lei n. 1.060/50, o que gerava entendimentos divergentes entre diversos julgados em um mesmo Tribunal.
Isso porque, enquanto em alguns julgados se entendia que, para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, bastava àquele que os pretendesse declarar sua impossibilidade de arcar com as custas e ônus sucumbenciais, sem prejudicá-lo ou à sua família, em outras decisões, o entendimento era de que a declaração de pobreza firmada pela parte gozava de presunção de veracidade relativa e deveria ser analisada juntamente com os demais elementos de convicção que constam dos autos.
Colocando uma pá de cal sobre o assunto e esclarecendo quaisquer divergências, porventura existentes em relação à possibilidade de concessão das benesses a que alude a Lei n. 1.060/50, o Novo Código de Processo Civil trouxe como regra geral a presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos “deduzida exclusivamente por pessoa natural” (§ 3º, art. 99, NCPC), que somente poderá ser desconstituída “de ofício” pelo Magistrado, “quando houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade” (§ 2º, art. 99, NCPC).
É certo que os parâmetros utilizados para averiguar a miserabilidade jurídica são relativos, mormente quando se cotejam os padrões de vida de cada cidadão e os aspectos socioculturais.
No presente caso, entendo que a parte recorrente comprovou, suficientemente, a sua hipossuficiência financeira.
Isto, através da documentação de fls. 171/177, que demonstra a inexistência de declaração de renda na base de dados da Receita Federal, relativamente ao último período; a situação regular do CPF; além dos relatórios de faturamento da autora, em sua atividade profissional, referentes aos meses de maio, junho e julho de 2018, registrando cerca de R$ 1.000,00 (um mil reais) mensais.
À vista de tais considerações, considerando a inexistência de elementos a afastar as provas de hipossuficiência, impõe-se a parcial reforma da sentença, para que seja deferida a justiça gratuita à apelante.
DA COBRANÇA DE TAXAS EXTRAORDINÁRIAS
Conforme relatado, a apelante almeja a parcial reforma da sentença, para que seja julgada improcedente a presente ação de cobrança, relativamente às despesas condominiais de caráter extraordinário.
No caso em estudo, a apelada ajuizou Ação de Cobrança de Taxas Condominiais em face da apelante, alegando, em suma, que a Apelada é proprietária do imóvel descrito na exordial e se encontra em atraso com as obrigações de taxas ordinárias e extraordinárias.
Sobre o dever de quitação das taxas condominiais, dispõe o art. 1.336 do Código Civil:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
(…)
§ 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.
§ 2o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Assim sendo, tem o proprietário do imóvel a obrigação de quitar as despesas de condomínio, repartidas de acordo com as frações ideais correspondentes, sendo tal obrigação propter rem, ou seja, relacionada à coisa da qual se deriva.
Em suas razões recursais, a apelante não se insurge contra a condenação ao pagamento das despesas ordinárias, o que sustenta é a nulidade das assembleias do condomínio que aprovaram as taxas extraordinárias abarcadas pela presente ação de cobrança, alegando a ausência do quórum necessário para aprovação daquelas.
Acerca da obra relativa à cobertura de garagem, afirma que deveria ter sido aprovada por 2/3 do total de condôminos, contudo, apenas 21 de um total de 64 teriam aprovado a sua efetivação.
Diga-se, inicialmente, que a cobertura de garagem se trata de benfeitoria útil, com a finalidade específica de proteger os veículos das intempéries, não se caracterizando como obra meramente voluptuária, para fins estéticos, conforme defende a apelante.
Assim, aplica-se à hipótese o quórum de maioria simples dos condôminos (50% + 1), nos termos do art. 1.341, II, do Código Civil, reproduzido no art. 17 da convenção de condomínio, fl. 12v.
Ademais, acrescente-se que o número de unidades autônomas do condomínio, no presente caso, não corresponde ao número de condôminos, posto que, nos termos da ata de fl. 129, verifica-se que a Construtora Cima possuía onze unidades.
Registre-se que, na ata da assembleia, consta que foi aprovada pelos presentes o orçamento da empresa Sombra Light para colocação das coberturas, no valor de R$ 1.487,20 (um mil quatrocentos e oitenta e sete reais e vinte centavos) para todas as garagens.
O apelante, por sua vez, não trouxe aos autos a lista de presença dos condôminos que participaram da assembleia geral realizada em 02/02/2013, em segunda chamada, para fins de verificar quantos condôminos votaram para aprovar o orçamento nos termos acima, fazendo referência, apenas, aos votos registrados para a escolha dos materiais.
Vale registrar que a apelante não demonstrou qualquer oposição à benfeitoria, à época de sua aprovação – no ano de 2.013 – suscitando a questão apenas na presente ação de cobrança.
A parte sequer colacionou provas a corroborar sua alegação de que a cobertura de garagem adquirida era de qualidade inferior, reconhecendo, em suas razões recursais, que ela ainda se encontra instalada na sua vaga, aduzindo:
“Caso o condomínio queira, poderá retirar as coberturas, deixando a vaga da garagem da ré no estado em que se encontrava antes. Nada mais!” (fl. 165)
Feitas estas considerações, verifico que o apelante não logrou desconstituir a higidez da assembleia que aprovou a realização da benfeitoria útil.
A mesma conclusão se aplica às despesas extraordinárias decorrentes da assembleia extraordinária realizada em 30/11/2013, fl. 130, em segunda convocação.
Em tal assembleia, aprovou-se ajuste nas taxas ordinárias, tendo em vista o déficit verificado para pagamento de 13º, férias e SAE, observando-se o quórum previsto no art. 1.352 e 1.353, Código Civil:
“Art. 1.352. Salvo quando exigido quorum especial, as deliberações da assembléia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais.
Parágrafo único. Os votos serão proporcionais às frações ideais no solo e nas outras partes comuns pertencentes a cada condômino, salvo disposição diversa da convenção de constituição do condomínio.
Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembléia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quorum especial.”
Além disso, a assembleia deliberou acerca da necessidade de rateio das despesas com a obra de cobertura de garagem, tratada acima, considerando a existência de condôminos inadimplentes. Assim, não houve aprovação de nova taxa extraordinária, apenas a distribuição de custas para cobrir o saldo devedor.
No contexto delineado, não foram demonstradas as nulidades alegadas pela parte recorrente, impondo-se a manutenção da sentença que julgou totalmente procedente a presente ação de cobrança, condenando a apelante ao pagamento do débito que engloba despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio.
A propósito, é o entendimento desde eg. Tribunal de Justiça:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – TAXAS CONDOMINIAIS – OBRIGAÇÃO “PROPTER REM” – RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO – RÉU REVEL – EFEITOS DA REVELIA – APLICABILIDADE – DESPESAS CONDOMINIAIS – TAXAS EXTRAS – APROVAÇÃO EM ASSEMBLÉIA – RATEIO ENTRE OS CONDÔMINIOS – HONORÁRIOS CONTRATUAIS – INTEGRALIDADE DO VALOR – IMPOSIÇÃO À PARTE DEMANDADA – NÃO CABIMENTO – CONDOMÍNIO – PROPRIETÁRIO – CONTRIBUIÇÃO À MEDIDA DE SUA FRAÇÃO IDEAL.
– As obrigações referentes a débito condominial possuem natureza “propter rem”, a qual acompanha o bem, impondo àquele que tem o imóvel registrado em seu nome a responsabilidade pelo pagamento das obrigações resultantes do direito de propriedade.
– Operada a revelia, somente a existência de matéria de direito contrária à pretensão autoral seria hábil a levar à improcedência dos pedidos iniciais.
– o art. 1.336, inciso I, do Código Civil de 2002, estabelece que é dever do condômino, dentre outros, contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.
– Os custos decorrentes da contratação de advogado para o ajuizamento de ação, por si só, não são indenizáveis.
– Ao se tratar de um Condomínio Edilício, onde as despesas ordinárias e extraordinárias são rateadas entre os proprietários, cabível a divisão da verba honorária contratual entre os condôminos, à medida de sua fração ideal. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.117648-9/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/08/2017, publicação da sumula em 22/08/2017)
DISPOSITIVO
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, apenas para deferir à parte autora a justiça gratuita, mantendo a sentença quanto à procedência da presente Ação de cobrança.
Custas pela apelante.
Com fulcro no art. 85, § 1º, CPC/15, majoro os honorários advocatícios para 12% (doze por cento) do valor da condenação.
Suspensa a exigibilidade das custas e honorários para a apelante, ante o benefício da gratuidade deferido.
DES. LUCIANO PINTO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.”