Inteiro Teor
EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CÂMARA MUNICIPAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA E INSTAURAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE. CASSAÇÃO DE VEREADOR. QUÓRUM. DECRETO-LEI 201/67. REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DE SÃO BENTO ABADE. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL. QUÓRUM DE MAIORIA ABSOLUTA DOS MEMBROS. DESRESPEITO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
– O Órgão Especial do Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Bento Abade, porque estabeleceu quorum mais rígido que o previsto nas Constituições Federal e Estadual para recebimento de denúncia contra vereador.
– Em homenagem ao princípio da simetria com o centro, em face das normas da Constituição Federal e Estadual acerca do processo contra os membros do Poder Legislativo, o quorum de recebimento da denúncia é de maioria absoluta.
– Desrespeitado o quorum, recebida a denúncia por apenas quatro dos nove vereadores, não convocados os suplentes dos impedidos de votarem, anula-se o processo que deu início ao processo de apuração de falta de decoro.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0693.15.010210-3/002 – COMARCA DE TRÊS CORAÇÕES – APELANTE (S): MARLUCE APARECIDA GARCIA OLIVEIRA – APELADO (A)(S): CÂMARA MUNICÍPAL SÃO BENTO ABADE – AUTORI. COATORA: PRESIDENTE DA MESA DA CÂMARA DE VEREDORES DO MUNICÍPIO DE SÃO BENTO ABADE, PRESIDENTE DA COMISSÃO PROCESSANTE – INTERESSADO (S): NEURO DE JESUS NEPOMUCENO ATRIBUIÇÃO DA PARTE EM BRANCO PRESIDENTE DA MESA DA CÂMARA DE VEREADORES DE SÃO BENTO ABADE, ELDER JUNQUEIRA REZENDE ATRIBUIÇÃO DA PARTE EM BRANCO PRESIDENTE DA COMISSÃO PROCESSANTE
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO APELO.
DES. ALBERTO VILAS BOAS
RELATOR
DES. ALBERTO VILAS BOAS (RELATOR)
V O T O
Conheço do apelo.
1 – A espécie em exame.
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Marluce Aparecida Garcia Oliveira contra ato do Presidente da Câmara de Vereadores de São Bento Abade e outros objetivando a declaração de nulidade do recebimento de denúncia de infração político- administrativa e a subsequente formação da comissão processante.
Sob a ótica da impetrante, a denúncia foi recebida mediante maioria simples, sendo certo que o texto constitucional e o Dec. lei nº 201/67, exigiria, mesmo que para os Vereadores, o quórum qualificado de dois terços.
Nesse particular, a pretensão está fundada no art. 86, CF, art. 91, CE, dispositivos da Lei Orgânica Municipal, Regimento Interno da Câmara de Vereadores e Dec.lei nº 201/67, pois deve ser aplicado a regra da simetria com o centro.
A medida liminar foi indeferida na primeira instância e concedida, por meio de agravo de instrumento, na segunda instância, e, ao final, a segurança foi denegada (f. 208/213).
Inconformada, a impetrante reiterou, na essência, os argumentos contidos na inicial, e desenvolveu argumentação no sentido de que o mesmo tratamento jurídico que é dado aos membros dos parlamentos federal e estadual devem ser estendido ao Vereador no que concerne ao quorum para o recebimento da denúncia por infração político-administrativa.
E, malgrado as normas municipais sejam omissas e limitam-se a fazer remissão ao Dec.lei nº 201/67, o quorum de maioria simples é ofensivo ao texto constitucional federal e estadual, e, por isso, a sentença deve ser reformada e concedida a segurança.
2 – Mérito.
Cinge-se a discussão à nulidade da votação que tratou do recebimento de denúncia para instauração de processo de cassação contra a apelante, a partir de denúncia de quebra de decoro parlamentar.
Estabelece o § 1º do art. 7º do Dec.lei nº 201/67 que o processo de cassação de mandato de Vereador deve, naquilo que couber, seguir as disposições contidas no art. 5º do referido ato normativo, que é o mesmo estabelecido para o processo e julgamento de Prefeito Municipal.
No entanto, em razão de expressa norma constitucional, verifica-se relevante distinção quanto ao quorum exigido para recebimento da denúncia, bem como para cassação do mandato quando comparados o cargo de prefeito e de vereador.
Nesse sentido, leciona José Nilo de Castro que:
“O quorum para receber a denúncia contra Vereador é o da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal e para decretar a perda do mandato eletivo de Vereador não é de 2/3, e, sim de maioria absoluta também, consoante aplicação do princípio da simetria com o centro, isto é, para cassar mandatos de parlamentares federais, a Constituição estabeleceu o quorum de maioria absoluta (art. 55, § 2º, cc/ o art. 29, caput IX)” – (A Defesa dos Prefeitos e Vereadores).
E, nesse particular, assim dispõem as normas constitucionais federais aplicáveis à espécie:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa;
…
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Consoante doutrina do citado autor, a maioria absoluta configura-se da seguinte forma:
“(…) A maioria absoluta é a que compreende mais da metade de todos os Vereadores da Câmara, contando-se os presentes e os ausentes à sessão, para alcançá-la. Não significa metade mais um, se trata de totais ímpares. Assim, a maioria absoluta, que se alcança de números ímpares de Vereadores (15, por exemplo), é representada pelo número inteiro imediatamente superior à metade (15 vereadores – metade 7,5, unidade imediatamente superior, 8 vereadores). A unidade é o vereador, não a fração.”(f. 236).
Por certo, a União detém competência exclusiva para legislar sobre a matéria, nos termos do art. 22, I, CR, e, somente mediante emenda constitucional podem ser alteradas as regras processuais e de julgamento no caso de cassação de mandato.
Dessa forma, o recebimento de denúncia em processo que visa à cassação do mandato de Vereador exige quorum de maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal. Ou seja, mais da metade do número total dos membros da Câmara, contando-se os presentes e os ausentes.
É conveniente salientar, ainda, que especificamente em relação ao Município de São Bento Abade, o Órgão Especial deste Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo do Regimento Interno que determinava quorum de 2/3:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIMENTO INTERNO. CÂMARA MUNICIPAL SÃO BENTO ABADE. QUORUM QUALIFICADO. CASSAÇÃO MANDATO VEREADOR.
1. O regimento interno da Câmara Municipal de São Bento Abaeté, ao estabelecer o quórum de 2/3 dos seus membros para decidir sobre a perda de mandato de vereadores, incorreu em inconstitucionalidade, uma vez que a Constituição do Estado de Minas Gerais e a Constituição Federal exigem apenas a votação da maioria absoluta dos seus membros, para a perda de mandado dos seus representantes legislativos ocupantes de cargo eletivo.
2. Não tendo o Regimento Interno daquela Câmara guardado simetria em relação à Constituição Estadual e, consequentemente em relação à Constituição Federal quanto ao processo legislativo, mister se faz reconhecer que ela é inconstitucional, dvendo ser afastado do ordenamento jurídico o respectivo dispositivo normativo. (Ação Direta Inconst 1.0000.13.064881-9/000, Relator (a): Des.(a) Wagner Wilson, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 26/02/2015, publicação da sumula em 06/03/2015) (destaquei)
Do corpo do acórdão extraem-se os seguintes fundamentos:
O regimento interno da Câmara Municipal de São Bento Abaeté foi elaborado em descompasso com as normas estaduais e federais no que diz respeito à perda do mandado dos seus respectivos representantes legislativos.
Isso porque aquela regulamentação acabou por estabelecer prerrogativas aos vereadores do referido município por meio de um procedimento nitidamente mais rigoroso do que os demais quando a possibilidade de perda do mandato: enquanto as legislações estadual e federal exigem, para a perda de mandado, a votação pela maioria absoluta dos seus membros, a Câmara Municipal de São Bento Abaeté garante aos seus vereadores que a perda de mandato só ocorrerá caso atingido o quórum qualificado de 2/3 dos seus membros.
Não tendo o Regimento Interno daquela Câmara guardado simetria à Constituição Estadual e, em consequência, à Constituição Federal quanto ao processo legislativo, mister se faz reconhecer que a mesma padece de vício de inconstitucionalidade.
No caso concreto, analisando-se a ata nº 032/2015, da reunião ordinária da Câmara Municipal, que recebeu a denúncia, observa-se que todos os nove vereadores, composição completa, estavam presentes (f. 18/19, art. 19 LOM).
Dos sete que votaram – excluídos o voto do Presidente, art. 22 do Regimento Interno e da denunciada – apenas quatro receberam a denúncia, e outros três foram contra o recebimento.
O procedimento correto, nos termos do art. 5º, I, do Decreto-Lei nº 201/67 seria convocar o suplente da Vereadora impedida de votar por ser interessada, o que também não foi observado.
Nesta ordem de ideias, não observadas as regras, e não obtida a maioria absoluta de votos, e sequer a maioria simples, porquanto apenas 4 de nove vereadores presentes foram a favor do recebimento da denúncia, é inexorável o reconhecimento do vício do ato que macula todo o procedimento.
Fundado nessas considerações, é visível o vício no recebimento da denúncia contra a impetrante, ainda que não reconhecido o quorum de 2/3 defendido por ela, e, portanto, a segurança deve ser concedida.
3 – Conclusão.
Fundado nessas razões, dou provimento ao apelo para reformar a sentença e conceder a segurança, e, em consequência, anulo o processo de cassação iniciado pelo recebimento da denúncia na sessão ordinária de 14.9.2015.
Não há a incidência de custas e honorários advocatícios.
DES. BITENCOURT MARCONDES – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. WASHINGTON FERREIRA – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO.”