Inteiro Teor
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – CONDOMÍNIO – DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA – ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO – QUORUM QUALIFICADO – INOBSERVÂNCIA – TUTELA DE URGÊNCIA – REQUISITOS PRESENTES – SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA DELIBERAÇÃO – NECESSIDADE – RECURSO PROVIDO.
– A tutela provisória de urgência prevista no art. 300 do NCPC/2015 e exige dois pressupostos genéricos e cumulativos: (I) plausibilidade do direito (fumus boni iuris) e (II) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Presentes esses requisitos, impõe-se o deferimento da tutela de urgência.
– Havendo elementos nos autos a indicar que a alteração da convenção não observou o quórum qualificado exigido por lei, mister determinar a suspensão da eficácia dessa parte da deliberação assemblear, o que impõe a reforma parcial da decisão agravada para suspender a determinação de depósito judicial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.20.538622-0/001 – COMARCA DE CLÁUDIO – AGRAVANTE (S): ANDERSON MATEUS RODRIGUES – AGRAVADO (A)(S): CONDOMÍNIO BALNEARIO VEREDAS DO LAGO I
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO.
DES. DOMINGOS COELHO
RELATOR.
DES. DOMINGOS COELHO (RELATOR)
V O T O
Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por ANDERSON MATEUS RODRIGUES, em face da decisão de ordem 33, que, nos autos da Ação de Anulatória, movida em desfavor de CONDOMÍNIO BALNEÁRIO VEREDAS DO LAGO I, deferiu o pedido de tutela de urgência, determinando, contudo, que o autor efetue o pagamento mensal do valor controverso relativo a taxa condominial, no importe de R$800,00 (oitocentos reais), judicialmente, mediante comprovação nos autos.
Em suas razões de inconformismo, o agravante sustentou a presença dos requisitos norteadores da tutela antecipada previstos no art. 300 do CPC/2015, destacando, em suma, a previsibilidade do direito invocado, na medida em que se sustenta a nulidade da assembleia que alterou o critério de cobrança da taxa condominial por inobservância do quórum qualificado de 2/3 exigido pelo art. 1.351 do Código Civil de 2002, e o perigo da demora, na medida em que a alteração do critério ensejará prejuízo financeiro mensal de R$800,00 (oitocentos reais) a mais do que já era cobrado.
Pleiteou a reforma da decisão agravada para que fiquem suspensos os efeitos da assembleia geral extraordinária ocorrida no dia 10/01/2020, exclusivamente para o agravante e de forma limitada à questão sub judice, autorizando o pagamento da taxa de condomínio pelo valor cobrado até dezembro de 2019. Em análise preambular, foram concedidas a assistência judiciária gratuita e a antecipação de tutela recursal, suspendendo-se os efeitos da ata de assembleia objeto da demanda ajuizada.
Intimado, o agravado deixou de apresentar contraminuta (ordem 53).
O recurso é próprio, tempestivo, regularmente processado. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Trata-se, na origem, de ação anulatória promovida pelo agravante com o intuito de anular a alteração da Convenção de Condomínio perpetrada em assembleia extraordinária ocorrida em 10/01/2020, aprovada por maioria simples, que estabeleceu que, a partir de janeiro de 2020, cada condômino pague uma taxa de condomínio fixa no valor de R$ 80,00 (oitenta reais) por lote, independente de quantas unidades possua.
Para tanto, cita-se o trecho da assembleia:
“(…)
‘item 01’ Unificação do valor da taxa do condomínio; O senhor Gustavo Brugnaroto tomou a palavra e informou a todos que a proporção de custeio das despesas é matéria de disposição na convenção do condomínio, portanto, para alteração da forma de cobrança seriam necessários votos de 2/3 dos condôminos. Apesar de constar na convenção a forma de rateio pela fração ideal, diversa da que é praticada desde o inicio da cobrança de taxa de condomínio, houve alterações em assembleias anteriores há mais de 18 anos e que não possuía condições para análise se foi respeitado o quórum de 2/3 ou não, pois não possui o cadastro da época. Um condômino presente solicitou a palavra e realizou a leitura de trecho da Convenção que dispõe acerca da forma de rateio, não havendo menção à descontos à quem possui mais de uma unidade. Afirmou que se não houve respeito ao quórum de 2/3 anteriormente, portanto, não deveria ser exigido neste momento também. E, caso fosse exigido tal quórum, deveria seguir o que diz a convenção do condomínio, ou seja, por fração ideal. Foi esclarecido que atualmente o valor pago é de R$ 80,00 para quem possui edificação ou apenas uma unidade e R$ 40,00 para quem possui unidades sem edificação, e a proposta de alteração é para que todas as unidades paguem o valor de R$ 80,00. Aberta a votação, foram contabilizados os votos por cédulas de 89 votos contra e 103 votos a favor da cobrança igualitária a todos os lotes no valor de R$ 80,00. Definido então pela maioria dos votos que a partir de janeiro de 2020 a cobrança será de R$80,00 por lote, pois o valor da arrecadação ficará próximo a realidade prevista na convenção se fosse cobrado por fração ideal.
Nada mais havendo a ser tratado, determinou a administradora o encerramento dos trabalhos e a lavratura desta ata que segue com sua lista de presença assinada (parte integrante dessa ata) do condomínio Veredas Tropical.”
O agravante pontua que é coproprietário de 20 lotes no Condomínio Agravado e responsável pelo pagamento das taxas condominiais e demais despesas inerentes a todos os lotes, de sorte que a alteração provocará o aumento de R$ 800,00 (oitocentos reais) mensais nas despesas.
Assevera que o condomínio conta com 364 (trezentos e sessenta e quatro) condôminos com direito a voto, sendo necessários 243 votos favoráveis para a aprovação da alteração do valor mensal de taxa de condomínio, em observância ao disposto nº 1.351 do Código Civil de 2002, que prevê o quórum qualificado obrigatório de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos para alteração da convenção do condomínio.
Não obstante, alega que o quórum não foi atingido haja vista que estiveram presentes à assembleia 192 condôminos e a alteração foi aprovada por 103 condôminos presentes.
Em acréscimo, salienta que foi inobservado o critério formal de utilização de cédulas para votação, sendo que os votos foram contabilizados pelo levantar de mãos dos condôminos, o que impossibilitou uma revisão/checagem ao final. Em arremate, afirma inexistir a comprovação de que todos os condôminos foram efetivamente convocados para a referida assembleia.
O novo diploma processual civil estabeleceu, dentro do gênero denominado tutela provisória cautelar ou antecipada, a sua divisão em tutela de urgência ou de evidência, nos termos de seu art. 294, como se observa na lição do renomado jurista Fredie Didier Júnior:
A tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado. Adianta-se, assim, a satisfação do direito, com a atribuição do bem da vida. Esta é a espécie de tutela provisória que o legislador resolveu denominar de “tutela antecipada”, terminologia inadequada, mas que não será desconsiderada ao longo deste capítulo.
A tutela provisória cautelar antecipa os efeitos de tutela definitiva não-satisfativa (cautelar), conferindo eficácia imediata ao direito à cautela. Adianta-se, assim, a cautela a determinado direito. Ela somente se justifica diante de uma situação de urgência do direito a ser acautelado, que exija sua preservação imediata, garantindo sua futura e eventual satisfação (arts. 294 e 300, CPC). A tutela provisória cautelar tem, assim, dupla função: é provisória por dar eficácia imediata à tutela definitiva não -satisfativa; e é cautelar por assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa, na medida em que resguarda o direito a ser satisfeito, acautelando-o.(Curso de Direito Processual Civil: Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Volume 2 – 10 ed. – Salvador. Ed. Jus Podivm, 2015. p. 568.)
A tutela provisória de urgência pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental, possuindo como requisitos a demonstração de “probabilidade do direito” (fumus boni iuris) e o “perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (periculum in mora), conforme art. 300, do NCPC/15.
Além desses elementos, a tutela provisória de urgência antecipada (satisfativa) exige a observância de um pressuposto específico, qual seja: a ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, § 3º, NCPC/15).
Sobre a questão, confiram:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – LOTEAMENTO – ATRASO NA ENTREGA DA OBRA – SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DAS PARCELAS VINCENDAS – ABSTENÇÃO DE INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. 1. “Na sistemática adotada pelo Novo Diploma Processual Civil, as medidas acautelatórias e antecipatórias foram amalgamadas sob a égide de um único instituto, o da tutela provisória, que pode se fundar na urgência ou evidência, apresentando, a priori, como requisitos para a sua concessão a ocorrência cumulativa das seguintes situações: a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”. 3. Inviável o deferimento da tutela provisória de urgência quando não comprovada, de maneira satisfatória, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco para o resultado útil do processo. (Agravo de Instrumento n. 1.0000.18.034517-5/001, Dje 04-10-2018, Rel. Des. José Flávio de Almeida, TJ/MG)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – TUTELA CAUTELAR – FUMUS BONI IURIS – AUSÊNCIA – RECURSO IMPROVIDO.
– A tutela provisória de urgência prevista no art. 300 do NCPC/2015 e exige dois pressupostos genéricos e cumulativos: (I) plausibilidade do direito (fumus boni iuris) e (II) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Ademais, sendo a tutela de urgência de caráter antecedente, também se exige a reversibilidade dos efeitos da decisão. Neste sentido, ausente qualquer desses requisitos, impõe-se o indeferimento da tutela provisória de urgência satisfativa de caráter antecedente. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.032075-4/001, Relator (a): Des.(a) Domingos Coelho, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/07/2019, publicação da sumula em 06/08/2019)
De início, registro que a decisão agravada reconheceu a probabilidade do direito e o perigo da demora, como se observa no seguinte trecho autoexplicativo:
“Desse modo, tenha natureza cautelar ou antecipada, a tutela provisória de urgência somente será concedida, segundo expressamente preconizado no artigo 300 do novo Código de Processo Civil (que trata das disposições gerais), ‘quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito’, além é claro do ‘perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo’. São, portanto, requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência, e específicos da petição inicial quando postuladas em caráter antecedente (artigos 303 e 305 do CPC/2015), somados àqueles constantes do artigo 319 do novo CPC (requisitos gerais de toda petição inicial).
No caso dos autos, restou demonstrada a probabilidade do direito do autor e o perigo de dano.
O artigo 1.351 do Código Civil estabelece que:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
Da análise de cópia da assembleia extraordinária realizada no dia 10/01/2020, objeto da presente ação (ID 112296824), constata-se que antes da votação a pessoa de Gustavo Brugnaroto informou que para alteração da convenção de condomínio seria necessário o voto de 2/3 dos condôminos e, em seguida, foi afirmado por um dos presentes que, se nas assembleias anteriores não havia sido respeitado o mesmo, naquela também não deveria e, em seguida, prossegui-se com a votação.
Percebe-se, portanto, que aparentemente não foi observado o quorum exigido pelo dispositivo acima transcrito e, portanto, seria prudente a suspensão da assembleia até que se analise acerca da validade da assembleia extraordinária realizada no dia 10/01/2020. (…)”
A questão que de fato se coloca controversa em sede recursal é a suspensão da eficácia parcial da assembleia, realizada em 10/01/2020, na medida em que o juízo a quo, ao determinar que o autor deposite a importância de R$800,00 (oitocentos reais) relativa ao acréscimo reflexo da alteração assemblear, em juízo, não suspendeu os efeitos do ato questionado embora tenha registrado o desrespeito ao quórum de aprovação.
Como se verifica no trecho citado e nos elementos coligidos aos autos, a probabilidade do direito está bem demonstrada porquanto tudo indica que não houve o respeito ao quórum de aprovação determinado por lei. Ficou registrado em ata que o quórum para aprovação seria de 2/3 dos condôminos mas que naquela ocasião não se deveria respeitar o quórum porquanto nas assembleias anteriores este não fora respeitado, prosseguindo-se com a votação.
Nesse ponto, não se pode perder de vista que a ponderação de um dos condôminos presentes para que o quórum não fosse respeitado sequer foi colocado em votação, nem consta aprovação dessa deliberação/ponderação na ata da assembleia.
Sob o ângulo da razoabilidade e proporcionalidade, com todo o respeito ao magistrado de primeiro grau, na hipótese dos autos não se mostra razoável determinar que se deposite, judicialmente, a importância referente ao aumento “aprovado” na ata objeto da impugnação, cuja aprovação requer quórum especial qualificado que aparentemente não foi alcançado.
É que no presente caso o grau de certeza do descumprimento do quórum qualificado é maior que o risco de inadimplemento, sobretudo porque o agravante não é o único responsável pelo pagamento dos valores haja vista que é compossuidor.
Ademais, a medida sinalizaria que os atos da assembleia de condôminos estariam dispensados de respeitar a legislação e a sua convenção, o que prejudicaria o Condomínio na medida em que temas sensíveis, tal como a alteração da Convenção, pudessem ser tratados ordinariamente, em qualquer espécie de reunião, sem o respeito à maioria e aos poderes que a lei confere à assembleia.
Isso poderia causar a impressão de que a ponderação realizada por um dos condôminos que sequer foi votada, a exemplo do que ocorreu na ata questionada, poderia alterar o ordenamento jurídico de forma unilateral, retirando da própria assembleia o poder de disciplinar as questões importantes e sensíveis consoante a realidade e necessidade local. Isso revelaria prejuízo à segurança jurídica.
A meu ver, determinar que a quantia seja depositada em juízo é o mesmo que conferir validade e eficácia ao ato assemblear, pois se o resultado da demanda for desfavorável à parte autora, os depósitos judiciais terão natureza de pagamento, dotando de eficácia o ato sobre o qual paira severa dúvida de invalidade.
Com essas considerações, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, para determinar a suspensão da eficácia da deliberação da assembleia realizada em 10/01/2020, que determina que, a partir de janeiro de 2020, a cobrança da taxa condominial será de R$80,00 por lote, e dispensar o depósito judicial dos valores referentes ao aumento da taxa condominial deliberado naquela assentada.
Custas ao final, pelo vencido.
JD. CONVOCADO HABIB FELIPPE JABOUR – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JOSÉ AUGUSTO LOURENÇO DOS SANTOS – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO”