Inteiro Teor
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – EMENDA À LEI ORGÂNICA – EXASPERAÇÃO DO QUORUM DE APROVAÇÃO DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL – PROCESSO LEGISLATIVO – ASSIMETRIA COM OS TEXTOS CONSTITUCIONAIS FEDERAL E ESTADUAL – PROVÁVEL VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – TUTELA DE URGÊNCIA – REQUISITOS PRESENTES – CONCESSÃO.
Para a concessão de tutela de urgência em ação direta de inconstitucionalidade, devem estar presentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Diante da real possibilidade de engessamento da atividade legiferante em Córrego do Bom Jesus, por decorrência da qualificação do quórum de votação das leis complementares, ordinárias e delegadas para 2/3 dos membros da casa legislativa, impende a suspensão dos efeitos da Emenda à Lei Orgânica do Município de nº. 8/2020, de teor destoante da Constituição da República e da Constituição do Estado de Minas Gerais.
AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.21.004719-7/000 – COMARCA DE CAMBUÍ – REQUERENTE (S): PREFEITO MUN CORREGO DO BOM JESUS – REQUERIDO (A)(S): CÂMARA MUNICIPAL DE CÓRREGO DO BOM JESUS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, o ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em CONCEDER A TUTELA DE URGÊNCIA.
DES. SÉRGIO ANDRÉ DA FONSECA XAVIER
RELATOR.
DES. SÉRGIO ANDRÉ DA FONSECA XAVIER (RELATOR)
V O T O
Trata-se de representação ajuizada pela PREFEITA MUNICIPAL DE CÓRREGO DO BOM JESUS, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Emenda à Lei Orgânica Municipal de nº 8/2020, promulgada em 28/12/2020, que modificou a redação dos incisos IV e V do art. 45 da Lei Orgânica local, promovendo a qualificação do quórum de aprovação de leis complementares, ordinárias e delegadas para 2/3 dos membros da casa legislativa, em ofensa à Constituição da República e à Constituição do Estado de Minas Gerais, que preveem, em tais casos, apenas a maioria.
Invoca os princípios da simetria e da suficiência da maioria para que o quórum seja resgatado ao parâmetro legal, não se podendo exigir, para leis complementares, ordinárias e delegadas, a mesma qualificação do quórum de aprovação que uma emenda à lei orgânica, este sim de 2/3.
Cita doutrina e jurisprudência.
Requer o deferimento da tutela de urgência, asseverando que a manutenção dos efeitos da Emenda à Lei Orgânica Municipal de nº 8/2020 até o julgamento final da ADI viria engessar a atividade legiferante naquele município.
Por fim, é pela declaração de inconstitucionalidade do art. 45, IV e V da Lei Orgânica do Município de Córrego do Bom Jesus.
Em resposta ao despacho inicial e nos termos do art. 339 do RITJMG, foram prestadas informações pela Câmara Municipal de Córrego do Bom Jesus, representada pelo seu presidente João Gabriel Dias Ribeiro, afirmando que o erro material na proposta de emenda aprovada partiu do uso incorreto do recurso copiar/colar, do despreparo dos legisladores e das equipes técnicas da casa e da pressa em aprovar trabalhos no final do período legislativo.
Ao final, se posta favorável deferimento da liminar de suspensão dos efeitos da Emenda à Lei Orgânica nº 8/2020, que alterou os incisos IV e V do art. 45 da LOM.
Seguiu-se parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, pelo saneamento de vício de representação e pela suspensão da eficácia do ato impugnado.
Juntada procuração pela PREFEITA MUNICIPAL DE CÓRREGO DO BOM JESUS.
É o relatório.
Para a concessão de tutela de urgência em ação direta de inconstitucionalidade, devem estar presentes elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A Constituição da República dispõe que o Município reger-se-á por Lei Orgânica, atendidos os princípios nela estabelecidos, assim como a Constituição do respectivo Estado, art. 29 da CR/88.
Já os Municípios do Estado de Minas Gerais, dotados de autonomia política, administrativa e financeira, regem-se por sua Lei Orgânica e demais leis, observados os princípios da Constituição da República, art. 165, § 1º da CEMG.
O constituinte originário estabeleceu que a Lei Complementar é aquela que tem matéria própria e exige quórum qualificado de maioria absoluta para que seja aprovada, art. 69 da CR/88, ao contrário da Lei Ordinária que é aprovada por maioria simples ou relativa, artigo 47 da CR/88.
Por seu turno, a Constituição da República lista as matérias que dependem da aprovação de dois terços dos membros da Casa Legislativa respectiva, em nenhuma delas a aprovação de leis complementares, ordinárias ou delegadas, como estabelecido no município de Córrego do Bom Jesus.
Sobre o ponto, mutatis mutandis, vejamos o que entende o STF sobre a exasperação do quórum de votação nas casas legislativas em desalinho com a carta maior:
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. ARTIGO 57, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, V, VII E VIII, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. HIPÓTESES DE RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR NÃO CONTIDAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO, À SEPARAÇÃO DE PODERES E À SIMETRIA. PRECEDENTES. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO. 1. A lei complementar, conquanto não goze, no ordenamento jurídico nacional, de posição hierárquica superior àquela ocupada pela lei ordinária, pressupõe a adoção de processo legislativo qualificado, cujo quórum para a aprovação demanda maioria absoluta, ex vi do artigo 69 da CRFB. 2. A criação de reserva de lei complementar, com o fito de mitigar a influência das maiorias parlamentares circunstanciais no processo legislativo referente a determinadas matérias, decorre de juízo de ponderação específico realizado pelo texto constitucional, fruto do sopesamento entre o princípio democrático, de um lado, e a previsibilidade e confiabilidade necessárias à adequada normatização de questões de especial relevância econômica, social ou política, de outro. 3. A aprovação de leis complementares depende de mobilização parlamentar mais intensa para a criação de maiorias consolidadas no âmbito do Poder Legislativo, bem como do dispêndio de capital político e institucional que propicie tal articulação, processo esse que nem sempre será factível ou mesmo desejável para a atividade legislativa ordinária, diante da realidade que marca a sociedade brasileira – plural e dinâmica por excelência – e da necessidade de tutela das minorias, que nem sempre contam com representação política expressiva. 4. A ampliação da reserva de lei complementar, para além daquelas hipóteses demandadas no texto constitucional, portanto, restringe indevidamente o arranjo democrático-representativo desenhado pela Constituição Federal, ao permitir que Legislador estadual crie, por meio do exercício do seu poder constituinte decorrente, óbices procedimentais – como é o quórum qualificado – para a discussão de matérias estranhas ao seu interesse ou cujo processo legislativo, pelo seu objeto, deva ser mais célere ou responsivo aos ânimos populares. 5. In casu, são inconstitucionais os dispositivos ora impugnados, que demandam edição de lei complementar para o tratamento (i) do regime jurídico único dos servidores estaduais e diretrizes para a elaboração de planos de carreira; (ii) da organização da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar e do regime jurídico de seus servidores; (iii) da organização do sistema estadual de educação; e (iv) do plebiscito e do referendo – matérias para as quais a Constituição Federal não demandou tal espécie normativa. Precedente: ADI 2872, Relator Min. EROS GRAU, Redator p/ Acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 1º/8/2011, Dje 5/9/2011. 6. Ação direta conhecida e julgado procedente o pedido, para declarar inconstitucional o artigo 57, parágrafo único, IV, V, VII e VIII, da Constituição do Estado de Santa Catarina.
(ADI 5003, Relator (a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-284 DIVULG 18-12-2019 PUBLIC 19-12-2019)
Logo, são de observância obrigatória aos Estados e Municípios as regras do processo de elaboração de leis previstas da Constituição da República.
Sob a égide do princípio da simetria, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas e os Regimentos Internos, ao tratarem do processo legislativo, devem obediência às regras procedimentais dispostas na Constituição da República para a elaboração das espécies normativas.
A norma impugnada, cuja alteração foi promovida pela Emenda à Lei Orgânica nº 8/2020, possui a seguinte redação:
Art. 45 (…)
IV – Votação Nominal, maioria de 2/3 e turno único:
a) As que tenham colocadas em regime de urgência especial;
b) Os Decretos Legislativos;
c) Os Requerimentos;
d) As Resoluções de qualquer natureza;
e) As Emendas.
Art. 3º O inciso V do art. 45 da Lei Orgânica Municipal passa a ter a seguinte redação:
Art. 45 (…)
V – Votação Nominal, maioria de 2/3, Turno único e um 2º só se houver requerimento verbal da maioria absoluta do plenário na reunião do 1º turno, para as Leis Complementares, Ordinárias e Delegadas não constantes acima.”
Neste prisma, qualquer modificação em Lei Orgânica deverá ser simétrica com a Constituição do Estado de Minas Gerais e com a Constituição da República, sob pena de incorrer em vício formal insanável.
A exasperação do quórum, tal como procedida, seja de forma intencional ou por um erro (assumido) da casa legislativa, resulta na inviabilização dos trabalhos da Câmara Municipal, e, por consequência, da representatividade popular, prejudicando os” pesos e contrapesos “no exercício dos poderes no âmbito municipal.
O Órgão Especial já examinou caso semelhante:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – DISPOSITIVOS DA LEI ORGÂNICA E DO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DO MUNICÍPIO DE IPANEMA – QUÓRUM QUALIFICADO PARA APROVAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS AO ENTE MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE REGULARIDADE COM AS CONSTITUIÇÕES DA REPÚBLICA E ESTADUAL – MAIORIA SIMPLES – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SIMETRIA – INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA – REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1 – Existindo previsão tanto na Constituição Federal quanto na Estadual acerca do quórum de deliberação do Poder Legislativo, os Municípios devem seguir o mesmo modelo, em observância ao princípio da simetria. 2 – O art. 16, § 1º, da Lei Orgânica do Município de Ipanema e o art. 7º, § 1º, do Regimento Interno da Câmara Municipal, ao exigirem quórum de 2/3 (dois terços) para a aprovação de empréstimos, não possuem equivalência com as previsões da Carta Magna e da Constituição Estadual. Assim, ante a falta de simetria, imperioso o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados. (TJMG – ADI nº 1.0000.15.100157-5/000, Relator (a): Des.(a) EDUARDO MACHADO, DJe: 09/09/2016).
Assim, estão presentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência, especialmente o perigo da demora caso reconhecida a inconstitucionalidade apenas ao final, inviabilizando a atividade legiferante naquela urbe.
Ante o exposto, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA para SUSPENDER, provisoriamente, a eficácia dos incisos IV e V do artigo 45 da Lei Orgânica do Município de Córrego do Bom Jesus, com os efeitos ex nunc, art. 340 do RITJMG.
Comunique-se o resultado do presente julgamento colegiado ao Presidente da Câmara e ao representante legal do Município de Córrego do Bom Jesus.
DES. EDGARD PENNA AMORIM
VOTO CONVERGENTE DO VOGAL
DES. EDGARD PENNA AMORIM
Sobre a matéria, vinha adotando entendimento de que o princípio da simetria deveria ser aplicado parcimoniosamente no âmbito do processo legislativo, dada a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios, assegurada, sobretudo, pelo art. 18 da Constituição da República, conforme se verifica no julgamento da ADI n.º 1.0000.17.033636-6-000, julgada em 12/04/2018.
Não obstante o meu entendimento anterior, reconheço que existe entendimento jurisprudencial, sufragado pelo exc. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as regras de processo legislativo contidas na Constituição da República são de reprodução obrigatória, e que, consequentemente, seriam inconstitucionais os dispositivos de Constituições Estaduais que previssem hipóteses de quórum de votação diversos daquelas previstas na Constituição da República (“v.g.”STF, ADI 2872, Rel. Min. EROS GRAU, Rel. p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, DJe-170, DIVULG 02-09-2011, PUBLIC 05-09-2011, EMENT VOL-02580-01, PP-00001), à qual curvei-me, embora de seu acerto ainda não convencido.
Por consequência, não há como afastar a alegação de que não poderia a Lei Orgânica do Município prever quórum qualificado de votação em matéria que não foi tratada com o mesmo quórum pela Constituição da República e pela Constituição Estadual.
Pelos fundamentos acima, acompanho o em. Relator e defiro a cautelar.
DES. MAURÍCIO SOARES – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. AMAURI PINTO FERREIRA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. KILDARE CARVALHO – De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. MÁRCIA MILANEZ – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. WANDER MAROTTA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. GERALDO AUGUSTO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. CAETANO LEVI LOPES – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. BELIZÁRIO DE LACERDA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. MOREIRA DINIZ – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. PAULO CÉZAR DIAS – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. EDILSON OLÍMPIO FERNANDES – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. ARMANDO FREIRE – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. TIAGO PINTO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. WANDERLEY PAIVA – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. AGOSTINHO GOMES DE AZEVEDO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. NEWTON TEIXEIRA CARVALHO – De acordo com o (a) Relator (a).
DES. CORRÊA JUNIOR – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:”CONCEDERAM A TUTELA DE URGÊNCIA”