Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0175752.45.2016.8.09.0051
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE GOIÂNIA-GO
APELANTES : FÁBIO RASSI E OUTRA
APELADO : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SOLAR VILLA RICA
RELATOR : DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da presente Apelação Cível.
Conforme relatado, mais precisamente no evento nº. 52, Fábio Rassi e Edilene Maria Camargo Linhares Rassi apelaram da sentença prolatada no evento nº. 33, argumentando, preliminarmente, que: i) “não se pronunciou sobre a eficácia da convenção anterior, ainda que o magistrado tenha visto contradição entre os seus próprios dispositivos e a Lei”; ii) “não decidiu e nem se pronunciou (para deferir ou indeferir) o pedido de produção de provas, inclusive periciais que seriam se [de] suma importância, inclusive para resolver a suposta contradição manifestada pelo juiz”; iii) “padece de falta de fundamento [,] julgou de forma genérica e nem se pronunciou também sobre a revisão de valor”.
Considerando que a preliminar arguida no item i confunde-se com o mérito da causa, postergo sua análise para o momento da contemplação do mérito recursal, e assim o faço em observância à Teoria da Asserção ou da Prospettazione.
No tocante ao item “ii”, verifico, em proêmio, que, contrariamente ao que alegaram os Apelantes, o juiz de primeira instância manifestou-se, sim, a respeito da necessidade ou não da produção de outras provas, e assim o fez nos exatos moldes a seguir preconizados:
“II – Julgo antecipadamente a lide, porquanto a controvérsia debatida nos presentes autos prescinde de dilação probatória, já se encontrando nos autos os elementos necessários (art. 355, I, do CPC). ”
Dito isso, desde logo obtempero que não há falar em cerceamento de defesa, ante o julgamento antecipado da lide, quando a matéria versada nos autos for de direito e não houver necessidade de produção de outras provas, ante a existência de acervo probatório capaz de elucidar e provar o alegado, a teor da súmula nº. 28 deste egrégio Tribunal.
Em sendo justamente este o caso dos autos, trago a lume o aresto a seguir, de modo a colocar uma pá de cal sobre o tema:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. DEMONSTRATIVOS DE EVOLUÇÃO DO DÉBITO. ART. 28 DA LEI Nº 10.931/04. JUROS REMUNERATÓRIOS. 12% AO ANO. LIMITAÇÃO NÃO PERMITIDA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. LEGALIDADE. SENTENÇA CONFIRMADA. I. Não há cerceamento de defesa em caso de julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria é eminentemente de direito e o aspecto fático da controvérsia
está demonstrada através de prova documental já acostada aos autos, reputando-se desnecessária a realização de prova pericial. […] RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. ” (TJGO, APELACAO 0345942-44.2012.8.09.0160, Rel. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Câmara Cível, julgado em 09/08/2018, DJe de 09/08/2018)
Da mesma forma, não assiste razão aos Apelantes quando aludem a suposta “falta de fundamento” e/ou julgamento genérico, notadamente considerando a ausência de pedido revisional expresso.
De mais a mais, a capacidade peculiar de o magistrado expor, sintética e objetivamente, as razões fáticas e jurídicas que o levaram a tomar essa ou aquela decisão, não deve ser confundida com a decisão desprovida de motivação.
No caso em apreço, vejo que a conclusão à qual chegou o togado singular vai frontalmente de encontro aos interesses dos ora Apelantes, contudo, as razões que o impulsionaram, inegável e claramente, estão estampadas no corpo do decisório.
Incogitável, pois, qualquer afronta ao comando inserto no art. 93, IX, da Carta Magna, consoante vem a corroborar a ementa a seguir catalogada:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DEFERIDA. TESE RELATIVA AO DEFEITO DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADA. II. ATO JUDICIAL QUE NÃO SE RESSENTE DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. REFORMA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS. MATÉRIA VERSADA. LIMITES DO DECISUM. Constatado que a magistrada proferiu o decisum, expondo, satisfatoriamente, os motivos de seu convencimento, nos termos exigidos pelo artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e previstos pelo artigo 11 do Código de Processo Civil, não há falar em deficiência de fundamentação. […]. Agravo de instrumento conhecido e desprovido”. (TJGO – 6ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº. 5057789.16.2018.8.09.0000 – DJ de 18/04/2018 – Relator: Des. Fausto Moreira Diniz)
Por derradeiro, faço questão de registrar que, entre a decisão desfundamentada e aquela que contraria aos interesses da parte, há uma barreira inconfundível , e, nada mais havendo a constar em sede preliminar, enfim reporto-me ao exame do mérito.
Originariamente, dispunha o inciso I do art. 1.336 da Lei Substantiva Civil que “ são deveres do condômino contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais ”.
Com essa redação taxativa, de maneira quase cogente, em toda e qualquer situação as despesas do condomínio seriam repartidas na proporção da fração ideal correspondente a cada apartamento.
Segundo a melhor doutrina, o dispositivo em questão teria revogado o § 1º do art. 12 da Lei nº. 4.591/64, o qual dava margem para a aplicação da lei tendo em conta as particularidades do caso concreto. Senão vejamos:
Art. 12, § 1º, Lei nº. 4.591/64 – “ Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a cota-parte que lhe couber em rateio. Salvo disposição em contrário na convenção, a fixação da cota no rateio corresponderá à fração ideal de terreno de cada unidade. ”
Com a promulgação da Lei nº. 10.931/04, a qual conferiu nova redação ao art. 1.336 do Código Civil, eventuais dúvidas acerca do tema foram sanadas, na medida em que instituiu-se que “ são deveres do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção ”.
Como se vê, a ressalva legal atribui à Assembleia Geral, quando da elaboração da Convenção de Condomínio, a discricionariedade necessária para fixar a contribuição independentemente do obsoleto critério da fração ideal, de modo a privilegiar o chamado princípio do proveito efetivo.
Em abono da inferência supra, é ancilar o entendimento jurisprudencial, pelo que procedo ao traslado de ementa prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça in pari causa, nos seguintes termos:
“DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO NA FORMA IGUALITÁRIA ESTABELECIDO EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ADMISSIBILIDADE. A assembleia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento sem causa dos proprietários de maior fração ideal. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. ” (REsp 541.317/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 294)
No caso em cotejo, os Apelantes insurgem-se contra a “Rerratificação da Convenção do Condomínio Solar Villa Rica”, de 23 de fevereiro de 2014 – arquivo nº. 03 do evento nº. 20 –, por via da qual foram alterados os arts. 37 e 39 da Convenção Originária, de 13 de agosto de 1991 – fls. 18/28.
Desta feita, as despesas ordinárias e extraordinárias, antes rateadas “na proporção das unidades integrantes do condomínio”, passaram a sê-lo “na proporção das respectivas frações ideais”, o que inevitavelmente culminou em majoração da taxa condominial da unidade 1.800, de propriedade dos Apelantes, muito embora desde 1993 já pagassem 20% (vinte por cento) a mais que os demais condôminos, por tratar-se de cobertura – vide ata de reunião de fls. 29.
Por possuir área privativa maior que as demais, mais precisamente 462,72m², segundo a certidão de matrícula às fls. 16, esta Relatoria desde logo expressa sua concordância com o entendimento do juízo a quo, por compreender que o fator de diferenciação deve ser respeitado, sob pena de afronta ao princípio da isonomia .
Com efeito, é justamente a dimensão do imóvel de cada um dos condôminos que vai definir o valor de sua taxa condominial, porquanto, havendo diferentes tipos de unidades habitacionais, como ocorre na hipótese, aqueles que residem em apartamentos tipo, isto é, que possuam a mesma área construída ou fração ideal, devem ser tratados de forma igualitária.
Ao mesmo tempo, o tratamento despendido aos moradores de apartamentos tipo deve ser diferente daqueles que residem na cobertura, já que estes últimos, por óbvio, usufruem de maior área privativa.
Atento aos termos legais, é importante destacar que o conceito de “fração ideal” compreende a área privativa de cada unidade habitacional e também a área comum, de modo que as unidades com maiores áreas possuem, com o cômputo de sua fração ideal, parcela maior de área comum, não sendo despropositado que arquem proporcionalmente com maiores gastos.
Em escólio ao tema, trago a lume aresto de cuja dicção dessume-se a higidez da inferência supra, senão vejamos:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONDOMINIAL C/C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. COBRANÇA DAS DESPESAS CONDOMINIAIS DE ACORDO COM A PROPORÇÃO DE CADA FRAÇÃO IDEAL. LEGALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO CONFIGURADA. I- Não se mostra ilegal ou abusiva a cláusula constante da convenção do condomínio que prevê o rateio das despesas condominiais em valor proporcional a cada fração ideal, em atenção à dicção dos artigos 1.334, inciso I e 1.336, inciso I, todos do
Código Civil e Lei nº 4.591/64. II- A correta interpretação do princípio da isonomia leva à certeza de que, no caso em deslinde, os condôminos que possuam imóveis de tamanhos diferenciados devem arcar com despesas condominiais em montante diferenciado, sob pena de enriquecimento indevido daqueles detentores dos imóveis de maior área construída. Apelação Cível improvida.” (TJGO – 2ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 170058.42.2009.8.09.0051 –DJ de 26/10/2012 – Relator: Des. Carlos Alberto França)
Não há dúvidas, portanto, de que, salvo nulidade patente da convenção do condomínio, o que não é o caso, conforme concluirei adiante, é obrigatória a observância do critério de rateio das despesas condominiais expressamente previsto no mencionado regulamento, qual seja, na “Rerratificação da Convenção do Condomínio Solar Villa Rica”, especialmente quando a forma de cálculo eleita é justamente aquela prevista como regra geral na legislação civil em vigor.
Já no que pertine à suposta invalidade da reiteradamente mencionada “Rerratificação” – vide arquivo nº. 03 do evento nº. 20 – e sua consequente ineficácia, passo a tecer as considerações que seguem.
Como dito alhures, o sobredito instrumento alterou substancialmente a dicção dos arts. 37 e 39 da Convenção Originária, o que necessariamente enseja o art. 1.351 da Lei Substantiva Civil, segundo o qual “ depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos ”.
Imprescindível, pois, o quorum qualificado para os fins de mister, o que mais uma vez nos remete ao arquivo nº. 03 do evento nº. 20, mais precisamente às 11 (onze) assinaturas apostas na última página da Rerratificação propriamente dita.
Tendo em vista que o condomínio compreende 18 (dezoito) unidades habitacionais e que, à oportunidade, a condômina Jacqueline Barra Granja assinou por 2 (duas), quais sejam, as de nº. 1.200 e 1.500, perfaz-se um total de 12 (doze) votos , os quais correspondem, exatamente, aos 2/3 (dois terços) aos quais se refere o supramencionado art.1.3511 doCódigo Civill.
A par da regularidade do quorum, faço questão de ratificar a obrigatoriedade do rateio das despesas condominiais na proporção das respectivas frações ideais , conforme previsto nos arts. 37 e 38 da “Rerratificação da Convenção do Condomínio Solar Villa Rica”, datada de 23 de fevereiro de 2014, o que necessariamente implica na absoluta desnecessidade de manifestação acerca da eficácia da convenção anterior, há muito superada.
Apenas com o fito de dirimir eventuais dúvidas nesse sentido havidas, entendo por bem gizar que a Convenção de Condomínio, como ato jurídico que é, e tendo natureza contratual, não está revestida pela imutabilidade, razão pela qual, desde que obedecidos os requisitos nela previstos, pode ser modificada a qualquer tempo para atender aos interesses comuns da entidade condominial.
Justamente por isso, não existe direito adquirido do condômino em face das normas convencionais em vigor quando da aquisição da unidade autônoma, conforme vem a corroborar a ementa a seguir:
“RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLEIA. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. MODIFICAÇÃO DA FORMA DE RATEIO DAS DESPESAS. RESPEITO AO QUORUM LEGAL. ARTIGO 1.351 DO CÓDIGO CIVIL. CLÁUSULAS DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE. INSUBSISTÊNCIA. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. NATUREZA ESTATUTÁRIA. REGIME JURÍDICO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICAÇÃO IMEDIATA. 1. Obedecido o quorum de 2/3 (dois terços) exigido pela legislação de regência (artigo 1.351 do Código Civil) para a alteração da convenção condominial, válida é a sua modificação. 2. […]. 3. Legítima a eleição da forma de rateio
(na proporção da fração ideal) conforme a novel legislação (artigo 1.336, inciso I, do Código Civil de 2002). 4. Tendo em vista a natureza estatutária da convenção de condomínio, que autoriza a aplicação imediata do regime jurídico previsto no novo Código Civil, não há espaço para falar em violação do direito adquirido ou do ato jurídico perfeito. 5. Recurso especial não provido. ” (STJ – REsp: 1447223 RS 2012/0033997-8,
Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 16/12/2014, T3 -TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/02/2015)
Decidida em Assembleia Geral, em observância ao quorum necessário para tanto, a modificação do critério de rateio das despesas condominiais, como no caso, por fim testifico que justa é a recusa do condomínio em não receber valores calculados de acordo com a disposição convencional modificada, e assim o faço na medida em que concluo pela derrocada da totalidade das teses suscitadas pelos Apelantes.
Ex positis, conheço e improvejo a presente Apelação Cível, mantendo, assim, incólume a sentença vergastada.
Documento datado e assinado eletronicamente.
GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
Desembargador Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0175752.45.2016.8.09.0051
5ª CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE GOIÂNIA-GO
APELANTES : FÁBIO RASSI E OUTRA
APELADO : CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SOLAR VILLA RICA
RELATOR : DES. GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 0175752.45.2016.8.09.0051 , da comarca de Goiânia em que figuram como Apelante FÁBIO RASSI E OUTRA e como Apelada CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SOLAR VILLA RICA.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Quinta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso de Apelação, e negar-lhes provimento,nos termos do voto do Relator.
Votaram acompanhando o Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Alan S. de Sena Conceição e Francisco Vildon José Valente .
Presidiu a sessão de julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador Alan S. de Sena Conceição .
Fez sustentação oral o Dr. Osvaldo Dias Carvalho , pelo apelante.
Representou a Procuradoria-Geral de Justiça a Dra. Laura Maria Ferreira Bueno .
Documento datado e assinado em sistema próprio.
GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO
Desembargador Relator