Inteiro Teor
A C Ó R D Ã O
(Órgão Especial)
GMCA/Ana/
NULIDADE DA DELIBERAÇÃO DO TRT DA 1ª REGIÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FALTA DE QUÓRUM PARA A IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE. ART. 93, VIII E X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA DA APURAÇÃO DA MAIORIA ABSOLUTA COM BASE NA COMPOSIÇÃO INTEGRAL DO TRIBUNAL.
1. A previsão constitucional do quórum qualificado para as decisões administrativas de natureza disciplinar teve por finalidade preservar as garantias e os princípios que regem a Magistratura, fixados no art. 95 da Constituição da República .
2. A apuração da maioria absoluta utilizando como base o número de membros em exercício na Corte, desconsiderando a composição integral, corresponde a relativizar o quórum qualificado estabelecido constitucionalmente. E tal se mostra inviável, uma vez que a interpretação da norma constitucional deve ser restritiva .
3. O TRT da 1ª Região, à época do julgamento, era composto por 54 membros; consequentemente, a maioria absoluta a que se referem os incisos VIII e X do art. 93 da Constituição Federal corresponde a 27 votos mais um, ou seja, a 28 votos. Na sessão de julgamento estavam presentes apenas 25 Desembargadores e o Tribunal deliberou pela aplicação da pena de remoção compulsória e de censura à Juíza, por, respectivamente, 24 e 17 votos, do que se conclui que o quórum estabelecido constitucionalmente para a imposição das penalidades não foi alcançado na oportunidade.
4. O quórum exigido pela Constituição da República constitui critério de validade da deliberação administrativa do Tribunal. Sem que tenha sido preenchido esse requisito obrigatório, a decisão padece de nulidade.
5. Recurso Administrativo a que se dá provimento a fim de declarar a invalidade da decisão proferida pelo TRT da 1ª Região, por falta de quórum, determinando o retorno dos autos à origem para nova deliberação.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo nº TST-RecAdm-673200-61.2008.5.01.0000 , em que é Recorrente LINDA BRANDÃO DIAS – JUÍZA DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO e Recorrido ESTADO DO RIO DE JANEIRO .
Adoto o relatório apresentado pelo Relator originário, verbis :
“Versam estes autos sobre Processo Administrativo Disciplinar resultante de representação formulada pelo Estado do Rio de Janeiro, via Procuradoria Geral do Estado, com o fim de afastar a Juíza Linda Brandão Dias, titular da 1ª Vara do Trabalho de Volta Redonda, da atividade jurisdicional no Processo 00327-2006.341.01.00.9, ante a suspeição que a aludida magistrada já havia averbado, mas que continuava praticando atos na condução do processo.
Mediante o acórdão de fls. 743/759, o Tribunal Regional instaurou o Processo Administrativo Disciplinar, afirmando que a magistrada, na condução do processo MC-00327-2006.341.01.00.9, contrariou o disposto nos arts. 5º, incs. II e III, da Resolução 30 do Conselho Nacional de Justiça, 35, incs. I e VIII, 36, inc. III, e 56, incs. II e III, da LOMAN (LC 35/1979), e afastou preventivamente a acusada da jurisdição pelo prazo de noventa dias.
O Tribunal Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região (fls. 1.929/2.013 e 2.109/2.116) julgou parcialmente procedente o Processo Administrativo Disciplinar, para, nos termos da Certidão de Julgamento:” I – por maioria absoluta , vencido o Desembargador Ricardo Damião Areosa, no que concerne à acusação de ter a Juíza Linda Brandão Dias intervindo ‘na administração de empresa cujo patrimônio e faturamento compõem o objeto da medida cautelar de arresto distribuída ao Juízo da 1ª VT/Volta Redonda’, aplicar, à Magistrada, a pena de remoção compulsória , como previsto no art. 1º, inciso III, da Resolução nº 30 do Conselho Nacional de Justiça, e no art. 42, inciso III, da Loman; II – por maioria, no que concerne à acusação de ter a Juíza Linda Brandão Dias se ‘manifestado publicamente, em matéria veiculada no periódico ‘Foco Regional’, ao emitir opinião acerca da ação cautelar em referência’, absolver a Magistrada; III – por maioria , no que concerne à acusação de ter a Juíza Linda Brandão Dias nomeado ‘pessoa de sua convivência íntima para o cargo de gerente geral da empresa’, o que configuraria ‘violação dos arts. 56, inciso II, da LOMAN e 5º, II, da Resolução nº 30 do Conselho Nacional de Justiça’, aplicar à Magistrada a pena de censura , como previsto no art. 1º, inciso II, da Resolução nº 30 do Conselho Nacional de Justiça, e no art. 42, inciso II, da Loman. O Desembargador José Nascimento Araújo Netto esclareceu que sua suspeição havia sido declarada apenas quanto a figurar na condição de Relator do feito, não o impedindo de participar do julgamento. Usou da palavra, pela acusada, a advogada Doutora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, OAB/RJ 76.076 “(Certidão de Julgamento de fls. 1.927).
Inconformada, a magistrada-acusada interpõe Recurso Administrativo (fls. 2.128/2.162), sustentando a existência de ilegalidades no julgamento, sobretudo no que tange ao quorum adotado para a aplicação das penalidades e à contagem dos votos proferidos. Aponta as seguintes irregularidades: a) infração à regra procedimental prevista na Resolução 30/2007 do CNJ, a qual determina que todos os magistrados do órgão censor devam ter ciência prévia ao julgamento da íntegra da defesa e das razões da magistrada acusada; b) adoção, pelo Tribunal Regional, de critério diverso do fixado na Constituição da República para a aferição da maioria absoluta necessária para a aplicação da penalidade de remoção; c) aplicação de penalidade não prevista em lei, qual seja o impedimento de requerer nova remoção para a jurisdição de origem pelo prazo de cinco anos; d) aplicação da pena de remoção com o cômputo de votos proferidos em sentido diverso, e; e) aplicação da penalidade de censura por maioria simples.
O Recurso foi admitido, no duplo efeito, mediante o despacho de fls. 2.164.
O recorrido ofereceu impugnação (fls. 2.172/2.194).
O Ministério Público do Trabalho opinou pelo conhecimento e pelo provimento parcial do Recurso para anular o acórdão proferido pelo Tribunal Regional sob o fundamento de que, se o Tribunal é composto por 54 membros, o quorum mínimo para a sessão de julgamento do processo administrativo disciplinar é de 28 membros (doc. sequencial 11).”
É o relatório, na forma regimental.
V O T O
Adoto o exame da admissibilidade do recurso, procedido pelo Relator originário nos seguintes termos, verbis :
“O Recurso é tempestivo (fls. 2.119 e 2.128) e está subscrito por procuradores habilitados (fls. 1.836 e 1.909).
Nos termos do art. 69, inc. II, alínea ‘q’, do Regimento Interno desta Corte, é cabível o recurso interposto contra decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho em processo administrativo disciplinar envolvendo magistrado, estritamente para controle da legalidade do ato, não se incluindo na competência desta Corte a revisão da decisão do Tribunal Regional no que concerne à conveniência, oportunidade e necessidade da aplicação das penalidades disciplinares impostas.
Nesse diapasão, incumbe a este Órgão Especial o amplo exame da legalidade da decisão proferida no Processo Administrativo Disciplinar.”
NULIDADE DA DELIBERAÇÃO DO TRT DA 1ª REGIÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FALTA DE QUÓRUM PARA A IMPOSIÇÃO DE PENALIDADES. ART. 93, VIII E X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA DA APURAÇÃO DA MAIORIA ABSOLUTA COM BASE NA COMPOSIÇÃO INTEGRAL DO TRIBUNAL.
O TRT da 1ª Região condenou a Juíza Linda Brandão Dias à pena de remoção compulsória por 24 votos favoráveis , constando da respectiva Certidão de Julgamento (fl. 1.927) que a decisão foi tomada por maioria absoluta .
Para tanto, o TRT procedeu à apuração da maioria absoluta com base no número de Desembargadores em exercício na Corte no momento da votação, desconsiderando a composição integral. Entendeu, assim, que havendo na Corte, no momento da votação, 47 Desembargadores em exercício, embora a composição integral fosse de 54 membros, os 24 votos favoráveis à aplicação da penalidade constituíam a maioria absoluta a que se refere a Constituição Federal.
Ao apreciar os Embargos de Declaração opostos pela Acusada, o TRT registrou, verbis (fls. 2.115, sem grifo no original:
“Quanto à questão da ‘maioria absoluta’, este Tribunal Pleno entende que ela deve ser contada considerando o número de Desembargadores em efetivo exercício, esquecendo-se os cargos que estejam vagos, por qualquer motivo.
Isso, com fulcro no art. 165, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte: ‘a maioria absoluta corresponde à metade mais um dos desembargadores que, no momento da votação, compõem a Corte’.
Por isso que não houve menosprezo ao disposto no art. 93, inciso VIII, da Constituição da República.
Quando o dispositivo constitucional menciona a ‘maioria absoluta do respectivo tribunal’, ele está a se referir aos componentes da Corte em efetivo exercício – sob pena de se inviabilizar qualquer procedimento administrativo por fato estranho ao quotidiano do Tribunal (uma vez que a nomeação de membros para qualquer Tribunal Regional do Trabalho não depende de ato destes)” (fls. 2.115/2.116, sem grifo no original).
A Juíza recorre da decisão, alegando que o TRT, ao desconsiderar os cargos vagos para estabelecer a maioria absoluta a partir do número de Juízes que integravam a Corte no momento da votação, incidiu em afronta aos princípios do devido processo legal e do juiz natural. Sustenta que o procedimento adotado pelo Tribunal desrespeita o direito da Acusada de ter a sua conduta julgada pela composição fixada no art. 93, VIII, da Constituição Federal, que exige o voto da maioria absoluta dos membros da Corte para a aplicação da penalidade de remoção, não sendo possível estabelecer quorum diverso.
Aduz que o TRT da 1ª Região é composto de 54 (cinquenta e quatro) membros e, portanto, a maioria absoluta somente estaria configurada se contabilizados 28 (vinte e oito) votos favoráveis à aplicação da penalidade. Acrescenta que o estabelecimento, por norma regimental, de quorum diferente daquele fixado na Constituição da República implica extrapolação dos limites de auto-organização dos Tribunais previstos na LOMAN (Lei Complementar n.º 35/1979) e violação dos arts. 5º, XXXVII e LII, e 93, VIII, da Constituição Federal.
De fato, quando do julgamento do Processo Administrativo Disciplinar o TRT da 1ª Região era composto por 54 membros; no momento da votação, havia 47 Desembargadores em efetivo exercício no Tribunal, mas na sessão de julgamento estavam presentes apenas 25 (certidão de julgamento de fls. 1.927), havendo a aplicação da pena de remoção sido decidida por 24 votos. O Tribunal Regional considerou que esse número caracterizava a maioria absoluta em relação ao número de cargos ocupados no momento da votação (47).
Dispõem os incisos VIII e X do art. 93 da Constituição Federal , verbis (destaques acrescentados):
“VIII – O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.”
“X – As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros.”
A “maioria absoluta do respectivo tribunal” (inciso VIII) deve ser calculada levando em conta o número total de membros da Corte, a sua composição integral, regra confirmada no inciso X do mesmo dispositivo, no qual a Constituição estabelece que as decisões disciplinares dos tribunais serão tomadas pela “maioria absoluta de seus membros” .
A apuração da maioria absoluta utilizando como base o número de membros em exercício na Corte, desconsiderando a composição integral, corresponde a relativizar o quórum qualificado estabelecido constitucionalmente. E tal se mostra inviável, uma vez que a interpretação da norma constitucional deve ser restritiva, até mesmo porque o estabelecimento do quórum qualificado para as decisões administrativas de natureza disciplinar teve por finalidade preservar as garantias e os princípios que regem a Magistratura, fixados no art. 95 da Carta Constitucional.
Esse é o posicionamento do Conselho Nacional de Justiça em recentes decisões:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DECISÃO DE ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. QUORUM CONSTITUCIONAL. MAIORIA ABSOLUTA DOS MEMBROS DO TRIBUNAL. INOBSERVÂNCIA.
1. A decisão de abertura de processo administrativo disciplinar exige o quorum de maioria absoluta definido pelo art. 93, X da Constituição Federal.
2. A base de cálculo do quorum para as decisões em processos disciplinares deve levar em consideração o número total de vagas de desembargadores no Tribunal, sem a exclusão dos temporária ou permanentemente afastados ou mesmo dos cargos vagos.
3. O quórum constitucionalmente qualificado foi estabelecido como fim de preservar as garantias e princípios que regem a magistratura.
4. Anulação da decisão que determinou a abertura do PAD em face do magistrado.
Procedimento de Controle Administrativo que se conhece, e que se julga procedente.
(PCA-0003835-40.2011.2.00.0000, Relator Conselheiro Ney José de Freitas, julgado em 27/9/2011)
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. DECISÃO DE ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. QUORUM CONSTITUCIONAL. MAIORIA ABSOLUTA DOS MEMBROS DO TRIBUNAL. INOBSERVÂNCIA.
1. A decisão de abertura de processo administrativo disciplinar exige o quorum de maioria absoluta definido pelo art. 93, X da Constituição Federal.
2. A base de cálculo do quorum para as decisões em processos disciplinares deve levar em consideração o número total de vagas de desembargadores no órgão julgador, sem a exclusão dos temporária ou permanentemente afastados ou mesmo dos cargos vagos.
3. O quorum constitucionalmente qualificado foi estabelecido como fim de preservar as garantias e princípios que regem a magistratura.
4. Anulação da decisão que determinou a abertura do PAD em face do magistrado.
Pedido de Providências que se conhece, e que se julga procedente.
(PP-0002361-97.2012.2.00.0000, Relator Conselheiro Ney José de Freitas, julgado em 31/7/2012).
Neste caso, considerando que o TRT da 1ª Região, à época do julgamento, era composto por 54 membros, a maioria absoluta a que se referem os incisos VIII e X do art. 93 da Constituição Federal corresponde a 27 votos mais um, ou seja, a 28 votos .
Na sessão de julgamento estavam presentes apenas 25 Desembargadores e o Tribunal deliberou pela aplicação da pena de remoção compulsória e de censura à Juíza, por, respectivamente, 24 e 17 votos, do que se conclui que o quórum exigido pela Constituição Federal para a imposição das penalidades não foi alcançado na oportunidade.
O quórum exigido pela Constituição da República constitui critério de validade da deliberação administrativa do Tribunal. Sem que tenha sido preenchido esse requisito obrigatório, a decisão padece de nulidade.
Ante o exposto, data vênia do posicionamento do eminente Relator, dou provimento ao Recurso Administrativo para declarar a invalidade da decisão recorrida e determinar o retorno dos autos à origem para que seja proferida nova decisão no Processo Administrativo Disciplinar , observado o quórum previsto na Constituição da República, nos termos da fundamentação.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, dar provimento ao recurso administrativo para declarar a invalidade, por ausência de quórum, da decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira nova decisão no processo administrativo disciplinar em apreço. Vencidos os Excelentíssimos Ministros João Batista Brito Pereira, Relator, Renato de Lacerda Paiva e Guilherme Augusto Caputo Bastos.
Brasília, 05 de dezembro de 2012.
Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006)
CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA
Ministro Relator