Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO POPULAR – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O MUNICÍPIO A REALIZAR OPERAÇÕES DE CRÉDITO JUNTO AO BDMG – EXIGÊNCIA DE QUÓRUM DE 2/3 NA LEI ORGÂNICA E NO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL – INOBSERVÂNCIA – VÍCIO FORMAL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE OBSTOU A PRODUÇÃO DE EFEITOS DO ATO NORMATIVO – RECURSO DESPROVIDO.
1 – O processo legislativo, em geral, estabelece regras procedimentais que devem ser criteriosamente observadas pelos envolvidos no respectivo processo, sendo que o vício formal diz respeito ao processo de formação da lei que, cuja mácula pode estar tanto na fase de iniciativa, como nas demais fases de formação da lei, dentre elas, o desrespeito ao quórum de votação.
2 – A inobservância do quórum qualificado para aprovação de projeto de lei, que trata das operações de crédito que envolvem o Município de Santana do Paraíso, estabelecido na Lei Orgânica e no Regimento interno da Câmara Municipal de Santana do Paraíso, resta configurada a existência de vício no processo legislativo da referida lei, o que obsta a produção de efeitos dessa lei, máxime a considerar o relevante interesse público envolvido nas questões por ela regulamentadas.
3 – Recurso desprovido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0313.15.016460-3/002 – COMARCA DE IPATINGA – APELANTE (S): MUNICIPIO SANTANA DO PARAISO – APELADO (A)(S): VALDEZIO SILVEIRA SILVA – LITISCONSORTE (S: CÂMARA MUNICIPAL DE SANTANA DO PARAISO
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DESA. SANDRA FONSECA
RELATORA.
DESA. SANDRA FONSECA (RELATORA)
V O T O
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE SANTANTA DO PARAÍSO contra a r. sentença de fls. 233/236 que, nos autos da ação popular ajuizada por VALDEZIO SILVEIRA SILVA, julgou procedente o pedido inicial para obstar os efeitos da Lei Municipal nº 752/2015, impedindo o Poder Executivo do Município de Santa do Paraíso de celebrar ou prosseguir com operações de crédito junto ao BDMG, na forma do mencionado dispositivo.
Nas razões recursais afirma, em síntese, que a Lei Orgânica Municipal, em seu art. 94, estabeleceu o quórum de maioria absoluta para aprovação de leis referentes a operações de crédito, não havendo que se falar em vício formal na elaboração da norma.
Acrescenta ainda que, não obstante a exigência do quórum de 2/3 (dois terços), previsto no Regimento Interno da Câmara Municipal para aprovação de leis referentes à operações de crédito, o referido ato normativo não pode se sobrepor à Lei Orgânica Municipal, em observância ao princípio da hierarquia das normas.
Contrarrazões às fls. 247/253.
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça às fls. 260/261, pelo desprovimento do recurso.
Conheço do recurso uma vez que presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Da análise dos autos, observa-se que VALDEZIO SILVEIRA SILVA ajuizou Ação Popular em face do Município de Santana do Paraíso e da Câmara Municipal, impugnado a validade da Lei Municipal nº 752/2015, que autoriza o ente público a contratar com o Bando de Desenvolvimento de Minas Gerais S/A, “operações de crédito com outorgas de garantia” (fl. 19), sob o fundamento de que o referido ato normativo padece de vício formal.
Com efeito, para se apurar eventual irregularidade no processo legislativo faz-se necessária a análise do Regimento Interno da Câmara Municipal e da Lei Orgânica, ambas do Município de Santana do Paraíso, que estabelecem as regras a serem seguidas nos casos de operações envolvendo créditos naquela localidade.
A propósito, a Resolução nº 069/95, que dispõe sobre o Regimento Interno da Câmara Municipal de Santana do Paraíso, em seu Capítulo III, trata da Votação nos artigos 148, 149 e 150, a seguir:
Art. 148 – As deliberações da Câmara serão tomadas por maioria de presentes mais da metade de seus membros, salvo o disposto em contrário neste Regimento.
Art. 149 – A votação é o complemento da discussão.
§ 1º – A cada discussão, seguir-se-á a votação.
§ 2º – A votação somente será interrompida:
I – por falta de quorum;
II – pelo término do horário da reunião ou de sua prorrogação.
§ 3º – Existindo matéria de urgência a ser votada e não havendo quorum, o Presidente determinará a chamada, fazendo constar em ata os nomes dos presentes e dos que se tenham ausentado, não sendo permitida a justificativa de voto.
Art. 150 – As deliberações da Câmara observarão a seguinte maioria qualificada, de acordo com a matéria:
I – votação de 2/3 (dois terços) de seus membros para as matérias que tiverem por objeto:
(…)
f) aprovar empréstimos, operações de crédito e acordos externos de qualquer natureza, dependentes de autorização do Senado Federal;
Demais disso, a Lei Orgânica do Município de Santana do Paraíso em seu art. 9º, § 1º, também dispõe que:
Art. 9º – A Câmara e suas comissões funcionam com a presença, no mínimo, da maioria de seus membros e as deliberações serão tomadas por maioria de votos dos presentes, salvo os casos previstos nesta Lei Orgânica.
§ 1º – Quando se tratar de matéria relativa a empréstimos, concessão de privilégios ou que verse sobre interesse particular, além de outros referidos nesta Lei, as deliberações da Câmara serão tomadas por 2/3 (dois terços) de seus membros.
§ 2º – O Presidente da Câmara participa nas votações secretas e quando houver empate, nas votações públicas.
Dessa forma, verifica-se que os referidos dispositivos estabelecem que, para as deliberações relativas a empréstimos, exige-se quórum o qualificado de aprovação de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Legislativa.
Ressalte-se ainda que a legislação em comento exige que determinadas matérias, especialmente as relativas a empréstimos, sejam tratadas por meio de Lei.
Noutro giro, note-se que o projeto de lei nº 861/2015 foi aprovado por 06 (seis) votos favoráveis contra 05 (cinco) votos contrários, conforme registrado na ata da 355ª Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Santana do Paraíso/MG, (fls. 14/18)
Nesse passo, é de ver que o processo legislativo de aprovação da Lei Municipal nº 752/2015, não está de acordo com as disposições constantes da Lei Orgânica do Município de Santana do Paraíso, lei fundamental, de observância obrigatória, de regência daquele Município, e com o Regimento Interno da Câmara Municipal daquela cidade, que disciplina o funcionamento desse órgão legislativo, já que não observado o quórum qualificado de votação exigido para tratar das operações de crédito que envolvem o Município de Santana do Paraíso.
Vale dizer que o processo legislativo, em geral, estabelece regras procedimentais, previstas nos respectivos diplomas legais para a elaboração de espécies normativas, regras que devem ser criteriosamente observadas pelos envolvidos no respectivo processo, sendo que o vício formal diz respeito ao processo de formação da lei que, cuja mácula pode estar tanto na fase de iniciativa, como nas demais fases de formação da lei, dentre elas, o desrespeito ao quorum de votação.
Cumpre ressaltar que a regra do art. 94 da Lei Orgânica mencionada pelo recorrente, que prevê a aprovação, mediante maioria absoluta da Câmara, de eventuais créditos suplementares, refere-se às questões genéricas atinentes à lei orçamentária anual e ao plano plurianual, não confrontando com a norma disposta no art. 9º da referida Lei, que trata especificamente das deliberações acerca de empréstimos, que não foram observadas no processo legislativo que culminou na Lei Municipal nº 752/2015.
A propósito, o entendimento deste Eg. Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR DEFERIDA – REQUISITOS PREENCHIDOS – SUSPENSÃO DOS EFEITOS CONCRETOS DE LEI MUNICIPAL – POSSIBILIDADE. – A liminar em Mandado de Segurança, nos termos do art. 7º, inc. III, da Lei Federal nº 12.016/09, deve ser concedida quando houver demonstração de fundamento relevante e quando o ato impugnado puder resultar em ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança pleiteada ao final. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0382.14.000326-2/001, Relator (a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/05/2014, publicação da sumula em 04/06/2014)
Da mesma forma, o substancioso parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça:
Nesse diapasão, a r. sentença é precisa ao destacar que a Resolução nº 069/1995, ao tratar da votação dos artigos 148,149 e 150, determina que as deliberações observarão a maioria qualificada para “aprovar empréstimos, operações de crédito e acordos externos de qualquer natureza”
Também o artigo 9º, § 1º da Lei Orgânica do Município de Santana do Paraíso é claro ao estipular que, “quando se tratar de matéria relativa a empréstimos, concessão de privilégios ou que verse sobre interesse particular, além de outros referidos nesta Lei, as deliberações da Câmara serão tomadas por 2/3 (dois terços) de seus membros”.
Ao contrário do que alega o apelante, o artigo 94 da Lei Orgânica – que prevê a aprovação, mediante maioria absoluta, de eventuais créditos suplementares – não se aplica ao presente caso, tendo em vista que se refere a questões genéricas atinentes à lei orçamentária anula e ao plano plurianual e, portanto, não confronta com a norma disposto no artigo 9º do mesmo diploma, que trata especificamente das deliberações acerca de empréstimos”(fl. 261).
Assim, constatada a ocorrência de vício formal na elaboração da Lei Municipal nº 752/2015, por não observar o quórum mínimo exigido para aprovação, deve ser mantida a r. sentença que obstou a produção de efeitos do referido ato normativo.
Conclusão
Com estes fundamentos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a r. sentença.
Custas pelo apelante, isento na forma da lei.
É como voto.
DES. CORRÊA JUNIOR – De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. YEDA ATHIAS – De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:”NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”