Inteiro Teor
GMDAR/AML RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 365 DA SBDI-I/TST. O Tribunal Regional, ao conferir a estabilidade provisória ao Reclamante, na qualidade de membro do conselho fiscal do sindicato da categoria profissional, proferiu decisão contrária à jurisprudência desta Corte, nos termos da Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI-/TST. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-68900-04.2009.5.04.0351, em que é Recorrente HOTEL LAJE DE PEDRA S.A. e Recorrido JOÃO SCHMITT. O Tribunal Regional da 4ª Região, por meio do acórdão às fls. 76/85, complementado pelo acórdão às fls. 100/101 e pelo v. acórdão às fls. 158/162, deu provimento ao recurso ordinário do Reclamante. Inconformado, o Reclamado interpõe recurso de revista, às fls. 168/175, com base no artigo 896, alíneas a e c da CLT. O recurso foi admitido pela decisão às fls. 186/189. Contrarrazões às fls. 194/206. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público, nos termos do artigo 83, parágrafo 2º, II do RITST. É o relatório. 1. CONHECIMENTO Preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos pressupostos intrínsecos do recurso. 1.1 ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário do Reclamante quanto ao tema, nestes termos, às fls. 78/84: “Vê-se dos autos que o reclamante integrou a chapa eleita nas eleições sindicais do dia 04.05.2009, tendo a sua empregadora sido devidamente intimada do registro da candidatura, fl. 15, bem como do resultado das eleições, fl. 20, dando conta de que o reclamante havia tomado posse como membro efetivo do Conselho Fiscal da entidade. A comunicação foi recebida pela reclamada no dia 05.05.2009. Exatamente um mês depois, no dia 06.06.2009, fl. 61, o reclamante, não obstante fosse empregado da empresa desde 01.07.1993, foi despedido sem justa causa e sem qualquer outro motivo aparente, quer de ordem técnica, econômica ou disciplinar. Há presunção de que a despedida foi discriminatória, decorrente única e exclusivamente da eleição e posse para cumprimento do mandato sindical, atitude da empregadora que atenta contra a liberdade sindical, direito humano fundamental reconhecido internacionalmente. Apenas para resgate da história deste direito fundamental, registra-se que já na época do final da primeira grande guerra, por ocasião da Conferência de Paz de 1919, a embrionária Conferência Internacional do Trabalho da recém instalada OIT pelo Tratado de Versalhes, já havia relacionado os princípios fundamentais do Direto do Trabalho, entre eles o de associação, reafirmando o princípio de liberdade sindical e o de sindicalização. Estes princípios fundamentais foram reiterados quando, em 1944, a Conferência da OIT, reunida na cidade de Filadélfia, nos Estados Unidos da América, aprovou a” Declaração da Filadélfia “, referente aos fins e objetivos da OIT, estabelecendo que a liberdade de expressão e, frise-se, a liberdade de associação, a de sindicalização, são condições indispensáveis para o progresso da humanidade. No ano seguinte, os países vitoriosos constituíram a Organização das Nações Unidas (ONU), cuja Assembléia Geral, reunida em Paris, adotou, a 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento considerado como fonte de máxima hierarquia no mundo do Direito e que consagrou, entre os direitos humanos fundamentais, aquele de sindicalização. No Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, o previsto na alínea 2, in fine, do artigo 22, garantia o direito de livre associação até mesmo aos integrantes dos órgãos encarregados da repressão, como membros das forças armadas e da polícia. Vem de longa data, portanto, a preocupação dos organismos internacionais com o direito à liberdade sindical, do qual deriva todas as demais garantias inerentes à atividade sindical. MARCOS KAUFMANN leciona que: ” é natural que se conceba a liberdade sindical como o fim último e primodial, ou, ainda, como o bem jurídico maior que vincula toda a normatização da atividade sindical, que é aquela em que mais facilmente se processam as expressões da vontade coletiva, respaldada que é pelo art. 5º, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI; bem como pelo paradoxal art. 8º, e incisos, da Constituição Federal, que, em tempos supostamente democráticos, resguarda o principio da unicidade sindical imposto em épocas sombrias outras, autoritárias”. A liberdade sindical, assim, engloba duas conotações distintas e interligadas: (1) a liberdade individual de formar e aderir a um sindicato e (2) a liberdade de ação do sindicato.1 É evidente que a liberdade de ação do sindicato pressupõe que seus dirigentes possuam garantia contra a despedida arbitrária e discriminatória, tal como aquela que atingiu o ora recorrente, pois, do contrário, o máximo que haverá será um arremedo de liberdade sindical. As Convenções 98 e 135 da Organização Internacional do Trabalho, ambas em vigor no Brasil, por sua vez, estabelecem o direito ao exercício da liberdade sindical, quer de filiação, quer do exercício de atividades sindicais, protegendo-o contra quaisquer atos discriminatórios. Dispõe o art. 1º da Convenção 98: “Artigo 1º 1. Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego. 2. Essa proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem: a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato; b) causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato ou por sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho. Já a Convenção 135, no seu art. 1º, dispõe: Os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento, e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores, sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando. No caso dos presentes autos, não constitui dúvida sequer razoável de que o reclamante foi dispensado unicamente em razão da participação no sindicato ou em atividades sindicais, evidenciando o caráter discriminatório da sua despedida, atentando contra o exercício da liberdade sindical como direito humano fundamental. Além das normas de direito internacional já citadas, que integram o ordenamento jurídico nacional, também a legislação pátria dá respaldo à pretensão do reclamante, conforme artigos 8º, VIII, da CF e 543, § 3º, da CLT, os quais assim prescrevem: CF, art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: VIII – e vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. (sublinha-se) (…) CLT, art. 543, § 3º Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação. (sublinha-se) Os art. 522, caput, e 543, § 4º, da CLT, de seu lado, terminam por conferir contornos precisos à garantia: Art. 522. A administração do sindicato será exercida por uma diretoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três membros e de um conselho fiscal composto de três membros, eleitos esses órgãos pela assembléia geral. (sublinha-se) (…) Art. 543, § 4º Considera-se cargo de direção ou de representação sindical aquele cujo exercício ou indicação decorre de eleição prevista em lei. (sublinha-se) Como se infere a partir de uma interpretação sistemática dessas normas, parece evidente que o cargo de membro do Conselho Fiscal é considerado, sim, de representação sindical, estando o seu exercício atrelado à eleição prevista na própria CLT. Essa conclusão também se extrai da finalidade para a qual foi criada a garantia provisória no emprego do art. 543, § 3º, da CLT, posteriormente erigida à condição de direito fundamental constitucionalmente assegurado (CF, art. 8º, VIII): a proteção do emprego daquele trabalhador que se entrega à defesa dos interesses da sua classe profissional, evitando que forças patronais contrárias a esse objetivo utilizem a despedida imotivada como instrumento de refreamento de possíveis melhorias das condições de trabalho. O membro do Conselho Fiscal, ainda que este tenha a sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato (CLT, art. 522, § 2º), insere-se nesse contexto de representatividade, porquanto no seu ambiente de trabalho é reconhecido, entre os colegas, como dirigente sindical, tendo participação decisiva na vida da entidade, pois é quem fiscaliza e controla a utilização de todos os recursos econômicos da entidade e que advêm do bolso dos próprios trabalhadores. Por essas razões, aliás, não se partilha do entendimento firmado na OJ 365 da SDI-1 do TST, no qual se promove hermenêutica contrária à própria história da garantia assegurada ao dirigente sindical no Brasil, como também ao rol de garantias internacionalmente concebidas para assegurar o livre exercício da atividade sindical. A propósito, não bastasse as peculiaridades do caso concreto, é imperiosa a lembrança de que antes do advento da Constituição Federal de 1988 sequer era questionado o direito de estabilidade provisória ao membro do Conselho Fiscal dos sindicatos, já que se tratava de inegável cargo eletivo de representação sindical, previsto em lei (CLT, art. 522). É inconcebível, assim, que o legislador constituinte de 1988 tenha alçado a garantia do dirigente sindical ao patamar dos direitos fundamentais e, em verdadeiro retrocesso, prevaleça na jurisprudência interpretação restritiva que sequer existia à época em que a garantia estava prevista só na legislação ordinária. A prevalecer o entendimento constante da OJ 365 da SDI-I do TST, pergunta-se, então, qual trabalhador terá a necessária coragem de integrar uma chapa para concorrer ao Conselho Fiscal dos sindicatos, sabendo-se que ainda é comum, no Brasil, atitudes de discriminação ao trabalhador que participa de atividades sindicais? Como ficam as eleições e a entidade sindical que tiver os membros titulares e suplentes do Conselho Fiscal despedidos arbitrariamente? Por fim, no caso, cumpre reconhecer que a administração eleita do sindicato, conforme comunicados, editais e ata das fls. 15-21 (cinco membros da Diretoria e três membros do Conselho Fiscal, além dos respectivos suplentes) observou o limite estabelecido no art. 522 da CLT. Entende-se, assim, que a despedida do reclamante em 05.06.2009, é nula, assistindo razão ao empregado ao buscar a sua reintegração no emprego e o direito aos salários e às demais vantagens do período. Diante desse quadro, dá-se provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada a reintegrá-lo no emprego e a pagar indenização compreendendo os salários do período que foi desde a despedida até a efetiva reintegração, como se trabalhando estivesse, computando-se o tempo de serviço para todos os fins legais, assim como a recolher o FGTS incidente sobre essas parcelas. O cômputo do tempo de serviço e as parcelas salariais deferidas já compreendem o direito às gratificações natalinas e férias. Evitando-se o enriquecimento sem causa por parte do empregado, é autorizada, unicamente, a dedução dos valores pagos pela reclamada a título de aviso-prévio, férias com um terço e gratificação natalina (inclusive média de remuneração variável), conforme termo de resilição contratual da fl. 74, comprovante de depósito da fl. 78 e ata de audiência da fl. 79, além da indenização compensatória de 40% do FGTS. Não há incidência previdenciárias e fiscais, uma vez que o montante devido ao reclamante será pago a título indenizatório”. (grifei) A Reclamada alega que o membro do conselho fiscal do sindicato da categoria profissional não é abrangido pela garantia da estabilidade provisória, na medida em que não exerce cargo de direção ou de representação do sindicato. Indica ofensa aos arts. 8º, VIII, da Constituição Federal, artigos 522 e 543, § 4º, da CLT e contrariedade à Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI-I/TST. Transcreve arestos. Ao exame. A matéria já não merece maiores debates no âmbito do TST. Entendo que o Tribunal Regional, ao conferir a estabilidade provisória ao Reclamante, na qualidade de membro do conselho fiscal do sindicato da categoria profissional, proferiu decisão contrária à jurisprudência desta Corte, nos termos da Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI-/TST, que orienta: “365. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. INEXISTÊNCIA (DJ 20, 21 e 23.05.2008) Membro de conselho fiscal de sindicato não tem direito à estabilidade prevista nos arts. 543, § 3º, da CLT e 8º, VIII, da CF/1988, porquanto não representa ou atua na defesa de direitos da categoria respectiva, tendo sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato (art. 522, § 2º, da CLT).” CONHEÇO por contrariedade à Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI/TST. 2. MÉRITO ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO Conhecido o recurso por contrariedade à Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI desta Corte, DOU-LHE PROVIMENTO para afastar o reconhecimento da estabilidade provisória e as consequências daí decorrentes e desse modo, restabelecer a sentença que julgou improcedente o pedido. Custas em reversão, das quais é isento o Reclamante, em face da gratuidade da justiça deferida em primeiro grau. ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por contrariedade à Orientação Jurisprudencial 365 da SBDI-1 do TST e no mérito, dar-lhe provimento para afastar o reconhecimento da estabilidade provisória e as consequências daí decorrentes, restabelecendo a sentença que julgou improcedente o pedido. Custas em reversão, das quais é isento o Reclamante, em face da gratuidade da justiça deferida em primeiro grau. Brasília, 12 de Agosto de 2015. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES Ministro Relator
fls. PROCESSO Nº TST-RR-68900-04.2009.5.04.0351 Firmado por assinatura digital em 12/08/2015 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
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