Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
PROCESSO nº 0100809-75.2018.5.01.0531 (AP)
AGRAVANTES: JERÔNIMO MARTINS DE SOUZA, SIMONE SANTOS RIBEIRO, JOSÉ PEDRO DOS SANTOS DELGADO, DANIEL ALVES PEREIRA, ÉVERTON SILVA MALDONADO, IOLANDA VIEIRA DE SOUZA
AGRAVADA: MARCELLA SCHWENCK BITHENCOURT SCHIMIDT
RELATOR: MARCELO ANTERO DE CARVALHO
EMENTA
AGRAVO DE PETIÇÃO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA EM FACE DOS MEMBROS DO CONSELHO FISCAL DE ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. O fato de se tratar de uma associação civil sem fins lucrativos, não impede a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Todavia, deve haver inequívoca demonstração de atuação com abuso da personalidade jurídica, com culpa ou dolo e com violação da lei ou do estatuto, mormente em relação aos membros do Conselho Fiscal, cujo estatuto da maioria das entidades sem fins lucrativos, estabelece que não respondem pelos atos da administração e por dívidas da pessoa jurídica, o que restou demonstrado na hipótese em tela. Provimento negado.
RELATÓRIO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de agravo de petição em que são partes as acima indicadas.
O Excelentíssimo Juiz do Trabalho LUIS GUILHERME BUENO BONIN, da MM. 1ª Vara do Trabalho de Teresópolis, proferiu a decisão de Id c11300b que deu parcial provimento ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica da ré.
Inconformados, os executados interpõem os presentes agravos de petição de Ids. 23c4202, 3e05241, 8daf160 e 39e748e pretendendo a reforma da r. decisão a quo, pretendendo a exclusão do polo passivo dos membros do Conselho Fiscal e Diretor-Presidente.
Contraminuta da exequente (Id. 489Ade1), sem preliminares.
Os autos não foram remetidos ao D. Ministério Público do Trabalho.
Éo relatório.
ADMISSIBILIDADE
O recurso encontra-se tempestivo e de regular representação.
Assim, por preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, conheço do agravo de petição interposto.
MÉRITO
Insurgem-se os executados em face da r. decisão a quo que julgou procedente em parte o incidente de desconsideração da personalidade jurídica da ré, nos seguintes termos:
“Vistos, etc.
Trata-se de Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica visando a inclusão dos diretores e dos membros do conselho fiscal da executada no polo passivo da demanda, tendo em vista a frustrada tentativa de localização de bens executáveis da Ré.
Defenderam-se os suscitados sob os argumentos de que não foram esgotados os meios executórios da Ré principal, de que é incabível a desconsideração de personalidade jurídica de entidade sem fins lucrativos e de que nunca foram sócios da Executada, mas sim empregados, diretores e membros do conselho fiscal.
Ressalto, inicialmente, que conforme entendimento da Teoria Menor, adotado pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 855-A), pode-se executar o patrimônio do sócio constatado o mero inadimplemento da dívida, não necessitando dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil.
Não obstante a informação de valores retidos em processos da Justiça Comum, tal medida já fora adotada pelo Juízo na tentativa de proceder à penhora no rosto dos autos dos processos no 0014501-72.2017.8.19.0061 0015165-06.2017.8.19.0061, ambos em curso na 1º Vara Cível de Teresópolis, sem êxito até a presente data.
Destaco, ainda, que foram penhorados valores em mãos de terceiros, como o Município de Lins/SP, garantindo muitas execuções dentre as mais de cem que tramitam somente neste Juízo. Encerrados os contratos, não houve mais notícia acerca valores pendentes à Ré.
Os supostos bens que os suscitados informam constituir o patrimônio da Ré, não passam, em sua maioria, de crédito a receber de Municípios, que geram apenas expectativa de valores.
Quanto às ações da empresa Vale do Rio Doce, ainda que apresentem liquidez, não se demonstram suficientes ao pagamento das inúmeras ações trabalhistas nas quais a executada figura no polo passivo.
Constato, portanto, a impossibilidade de localização de bens executáveis da devedora, necessitando o direcionamento da execução aos sócios com base no artigo 855-A, CLT, inserido pela Lei 13.467/17.
Além do mais, a questão de ser entidade sem fins lucrativos em nada obsta a desconsideração da personalidade jurídica. A Reforma Trabalhista não modificou o conceito de empregador, ou seja, continua sendo a pessoa jurídica, individual ou coletiva que assume os riscos da atividade econômica. Nos termos do § 1o, do artigo 2o, da CLT, equiparam-se ao empregador, dentre outros, as instituições de beneficência ou outras instituições sem fins lucrativos, que contratarem trabalhadores como empregados. É exatamente o caso dos autos, sendo plenamente admissível a análise do presente incidente para atingir bens de seus diretores.
Embora os suscitados argumentem de forma diversa, verifico que há decisão nos autos processo no 0000951-42.2019.5.13.0001, que tramita perante a 1a Vara do Trabalho de João Pessoa, TRT/13, deferindo a desconsideração pleiteada em face da Ré, ABBC, e responsabilizando o diretor JERONIMO MARTINS DE SOUSA.
No que diz respeito ao período da responsabilização, a lei supramencionada, incluiu também o artigo 10-A, na CLT, segundo o qual o sócio retirante possui responsabilidade subsidiária e apenas nas ações ajuizadas em até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social.
Passo à análise pormenorizada.
Alega o suscitado ser somente funcionário/associado da associação executada, não podendo ser responsabilizado pelas execuções trabalhistas que a envolvam. Os documentos acostados, por si só, não são capazes de ilidir sua responsabilidade de administrador e conselheiro fiscal, tampouco, de afastar a responsabilização apenas por ser empregado.
Acolho, portanto, o pedido de desconsideração e declaro a responsabilidade patrimonial solidária de JERÔNIMO MARTINS DE SOUZA, Diretor-Presidente da associação executada, pelo valor da execução, administrador da Ré no curso do pacto laboral da Autora e até a presente data.
Ademais, em pesquisa realizada ao convênio CCS, nos autos do processo no 0100731-81.2018.5.01.0531 (Id. 4a6531d), ficou demonstrado que o Jerônimo Martins de Souza é representante, responsável fiscal e Procurador da executada ABBC desde 23/08/2016, perante o sistema financeiro.
Quanto aos membros do conselho fiscal, JOSÉ PEDRO DOS SANTOS DELGADO, DANIEL ALVES PEREIRA e SIMONE SANTOS RIBEIRO, verifico que a competência prevista no artigo 48, do Estatuto da Ré, atrai a responsabilidade pleiteada pela parte Autora, que deve, no entanto, ser subsidiária, tendo em vista o término do mandato.
No que concerne aos suscitados, EVERTON DA SILVA MALDONADO e IOLANDA VIEIRA DE SOUZA, ex-diretores da Ré, estes se retiraram em 2017 e 2018, respectivamente, ou seja, no curso do contrato laboral da Suscitante e dentro do prazo dois anos antes do ajuizamento da ação, motivo pelo qual declaro a responsabilidade subsidiária dos sócios retirantes supramencionados pelo valor da execução.”
Alega o agravante JERÔNIMO MARTINS DE SOUZA que “(…) em se tratando de responsabilidade subsidiária do sócio, tem o mesmo a prerrogativa – e encargo – de, para que não sejam excutidos bens de sua propriedade, indicar bens da devedora principal, valendo-se do benefício de ordem que permeia em razão de primeiro haverem de o ser os desta.
(…) considerando a cotação das ações da Vale do Rio Doce junto à Bolsa Mercantil e de Futuros da data de hoje, forçoso observar-se que as ações em poder da ABBC – Associação Brasileira de Beneficência Comunitária possuem, nesta data, o valor facial de R$ 222.600,00 (duzentos e vinte e dois mil e seiscentos reais), e valor de mercado correlato à participação acionária naquela empresa no importe de R$ 3.238,247,52 (três milhões, duzentos e trinta e oito mil, duzentos e quarenta e sete reais e cinquenta e dois centavos), conforme documento anexo, sendo que, qualquer das formas de sua avaliação, representam valor muito superior ao débito que a mesma possui nestes autos. (…)
Merece registro que o agravante, apesar de ser diretor-presidente da ABBC – entidade sem fins lucrativos que depende de repasses públicos nos contratos de gestão pactuados para viabilizar o atendimento à população em unidades publicizadas, sob à égide da lei federal no 9.637/98 -, exerce tal cargo na condição de empregado da mesma. (…)”
Os agravantes SIMONE SANTOS RIBEIRO, JOSÉ PEDRO DOS SANTOS DELGADO, DANIEL ALVES PEREIRA afirmam que “(…) a competência estatutária do Conselho Fiscal, prevista no artigo 48 do Estatuto da principal executada (ABBC) não atrai aos membros do Conselho Fiscal, ora Agravantes, responsabilidade subsidiária na presente demanda, eis que tais competências encontram-se adstritas, em síntese, à fiscalização e emissão de pareceres, recomendações e orientações, sem qualquer atividade de planejamento, direção e controle da entidade. (…)”
Por sua vez, o agravante ÉVERTON SILVA MALDONADO que “(…) A ABBC PROVAVELMENTE RECEBERÁ VALORES DO MUNICÍPIO DE TERESÓPOLIS, este último devedor naquelas mencionadas ações de prestação de contas e de cobrança – 0014501-72.2017.8.19.0061 e 0015165-06.2017.8.19.0061, DA 1a VARA CÍVEL DE TERESÓPOLIS , CUJOS VALORES SERÃO MAIS DO QUE SUFICIENTES PARA GARANTIR A PRESENTE AÇÃO TRABALHISTA.
Assim, pelo exposto, com a devida vênia, Exa., não se justifica, portanto, a vinculação do Agravante às execuções movidas em desfavor de sua ex-empregadora. (…)”
Por fim, a agravante IOLANDA VIEIRA DE SOUZA alegou que “(…) A decisão que desconsiderou a personalidade jurídica da entidade sem fins lucrativos (ABBC) para atingir os seus então administradores, na qual se inclui a Agravante, salvo melhor juízo, não está em convergência com a jurisprudência desse Egrégio TRT-1. (…)”
Vejamos.
Écabível a desconsideração da personalidade jurídica quando as tentativas de encontrar bens livres e desembaraçados passíveis de penhora da executada estão se mostrando infrutíferas.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 50 do Código Civil, é plenamente aplicável às entidades filantrópicas e de cunho assistencial, ainda que sem fins lucrativos, por serem estas equiparadas ao empregador, na forma do artigo 2º, § 1º, da CLT, e não são excluídas da previsão do artigo 28, do CDC. Todavia, a sua aplicação, neste caso, depende da existência de prova do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, os quais não podem ser presumidos, ante a inexistência de finalidade lucrativa.
Em relação aos Administradores, deve ser observado se há vinculação destes, com a má gestão administrativa da entidade, conforme previsto no artigo 1.016 do Código Civil.
mando, gestão ou administração da entidade, e que agiram com culpa ou dolo e com violação da lei ou do estatuto, o que no caso, não restou demonstrado.
Sendo assim, o contrato social da executada (arts. 45 e 48 – Id. 6Ac9442) demonstra os poderes de mando e gestão dos diretores e integrantes do conselho fiscal, ora agravantes, o que permite a desconsideração da personalidade jurídica da devedora principal e a inclusão daqueles no polo passivo da execução.
No tocante aos bens indicados pelos agravantes, como muito bem observado pelo Juízo a quo, não passam, em sua maioria, de crédito a receber de Municípios, que geram apenas expectativa de direito. No que tange as ações da empresa Vale do Rio Doce, ainda que tenham liquidez, não são suficientes para o pagamento das inúmeras ações trabalhistas nas quais a executada figura no polo passivo.
Logo, com a impossibilidade de execução de bens da devedora principal, cabível a desconsideração da personalidade jurídica da devedora principal, direcionando-se a execução para os bens dos agravantes.
Sendo assim, não há como acolher as razões dos agravantes.
Nego provimento.
Para os efeitos do art. 941, § 3º, do CPC, cito as doutas divergências apresentadas na Sessão, verbis:
Desembargadora Alba Valéria Guedes Fernandes da Silva: “Peço Vênia para divergir do Exmo. Relator.
No caso das associações sem fins lucrativos, como é o caso da executada (ID. f2ce44a), considero que a teoria menor não se aplica, e os administradores só serão responsáveis se evidenciadas as hipóteses de abuso de direito, desvio de finalidade, confusão patrimonial, excesso de mandato, dolo ou fraude, o que não restou comprovado nos autos, como reconhecido na proposta de voto.
Diferentemente do entendimento do Exmo. Relator, considero que o simples fato de os diretores e integrantes do conselho fiscal possuírem poderes de mando e gestão, ou mesmo o mero inadimplemento de verbas, por si só, não são suficientes para sua responsabilização, à luz do art. 50 do Código Civil.
Não comprovado o abuso ou fraude por parte dos demandados, não se há de falar em responsabilização dos agravantes.
Este é o entendimento que vem sendo adotado na 10ª Turma. Confira-se:
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE- ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. A desconsideração da personalidade jurídica de uma associação sem fins lucrativos é possível em caráter excepcional. O mero inadimplemento das verbas, por si só, não caracteriza abuso da personalidade jurídica apto a ensejar sua desconsideração, à luz do art. 50 do Código Civil. Não comprovado o abuso ou fraude por parte da demandada, não há falar em responsabilização de administradores e sócios da associação. A Teoria menor não se aplica em se tratando de associação sem fins lucrativos, sendo necessária a demonstração inequívoca de atuação com abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade, pela confusão patrimonial ou pela atuação com excesso de poder por parte dos dirigentes. (TRT-AP-0100043-49.2019.5.01.0058, 10ª Turma, Rel. Des. Alba Valeria Guedes Fernandes da Silva, Publ. 17.9.2020)
JURÍDICA. ASSOCIAÇÕES E DEMAIS ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS. Apesar de consagrada na seara trabalhista a teoria menor de desconsideração da personalidade jurídica, no caso das entidades sem fins lucrativos não há a figura do sócio, tradicional capitalista. Assim, para a desconsideração da personalidade de entidades dessa natureza adota-se a teoria maior, prevista no artigo 50 do CC, devendo ser comprovada a confusão patrimonial, ou a utilização da instituição em desvio de finalidade, com o intuito de fraudar a lei e prejudicar credores. (TRT-AP-0011358-49.2015.5.01.0012, 10ª Turma, Rel. Des. Flavio Ernesto Rodrigues Silva, Publ. 18.6.2020)
Assim, divirjo do Exmo. Relator pelo provimento dos agravos dos executados.”
Desembargador Flavio Ernesto Rodrigues Silva: “Acompanho a divergência.”
Ante o exposto, conheço do agravo de petição interposto e, no mérito, nego-lhe provimento, na forma da fundamentação supra.
ACÓRDÃO
ACORDAM os Desembargadores da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo de petição e, no mérito, por maioria, vencidos os Excelentíssimos Desembargadores Alba Valéria Guedes Fernandes da Silva e Flávio Ernesto Rodrigues Silva que davam provimento ao recurso, negar-lhe provimento , na forma da fundamentação do voto do Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator.
MARCELO ANTERO DE CARVALHO
Relator