Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO
PROCESSO nº 0101083-35.2019.5.01.0036 (RORSum)
RECORRENTE: EDSON FERREIRA DE CALAIS
RECORRIDO: SOCIEDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ANTARES
FELIZ
RELATORA: GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO
EMENTA
REINTEGRAÇÃO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DO
CONSELHO FISCAL DO SINDICATO. DIREITO
CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO DE INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA . Diante do que dispõe o direito positivo nacional, em
especial o art. 8º, VIII, da Constituição da República, a Convenção 98
da OIT e o art. 543 da CLT, o dirigente sindical possui direito à
estabilidade provisória, descabendo qualquer interpretação restritiva
pelos intérpretes.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário interposto pelo Autor às fls. 119/123,
que se insurge contra sentença da 36ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, proferida pelo juiz
José Monteiro Lopes às fls. 113/117, que julgou improcedentes os pedidos formulados.
O Autor pretende a reforma da sentença para que sejam julgados
procedentes os pedidos de estabilidade sindical e consectários, além de honorários advocatícios.
Dispensado o recolhimento das custas, ante a gratuidade de justiça.
A Ré apresenta contrarrazões às fls. 127/137. Pugna pelo não provimento do recurso.
Éo relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Conhecimento
Por satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, analisa-se o recurso.
Reintegração decorrente de Estabilidade Sindical e consectários
Alega o Autor na inicial que foi eleito em 20 de maio de 2016 membro do conselho fiscal do Sindicato dos Empregados em Instituições Beneficentes, Religiosas, Filantrópicas e Organizações não Governamentais do Estado do Rio de Janeiro, com mandato de 5 anos, sendo empossado em 01/09/16 e dispensado sem justa causa em 02/09/2019, em total afronta ao disposto no art. 543, § 3º, CLT.
Em defesa, a Ré sustenta que, por se tratar de membro do conselho fiscal, o Autor não faria jus à estabilidade, tese acolhida pela sentença, contra o que se insurge o Autor, reiterando os argumentos expendidos.
A sentença recorrida, com fundamento na a jurisprudência do TST julgou improcedente o pedido, por considerar que o membro do conselho fiscal do sindicato não atua na defesa dos direitos da categoria, limitando-se a sua atuação à fiscalização financeira do sindicato. Dessa forma, o membro do conselho fiscal não seria detentor da estabilidade provisória, que encontra sua razão de ser na garantia do exercício pleno dos interesses da categoria, evitando represálias, o que não alcançaria os membros do conselho fiscal, que atuam internamente no sindicato.
“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. INEXISTÊNCIA (DJ 20, 21 e 23.05.2008). Membro de conselho fiscal de sindicato não tem direito à estabilidade prevista nos arts. 543, § 3º, da CLT e 8º, VIII, da CF/1988, porquanto não representa ou atua na defesa de direitos da categoria respectiva, tendo sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato (art. 522, § 2º, da CLT).”
Contudo, com a devida vênia, discorda-se de tal entendimento, o qual não possui caráter vinculante. E, neste ponto, esclarece-se que este colegiado não está imbuído de uma vaidade irracional de fazer valer seu próprio entendimento, ao contrário, o que se busca é permitir que o tema continue sendo democraticamente discutido, especialmente neste momento em que vivemos uma tentativa de desconstrução do direito do trabalho, com especial enfoque no próprio direito sindical.
A estabilidade do dirigente sindical está prevista no art. 8º, inciso VIII, da Constituição da República, assegurando-se sua não dispensa:
VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
A redação da norma indica que esta abrange todos os membros eleitos, inclusive mencionando de forma expressa os cargos de suplentes.
A interpretação no sentido de que o membro do conselho fiscal não atua na defesa de direitos da categoria mostra-se equivocada na medida em que a retaguarda de um sindicato é tão importante quanto os dirigentes com tarefas externas. Não há como conceber que um sindicato, que esteja com gestão financeira eivada de erros, possa defender os direitos de seus representados.
O art. 543 da CLT também assegura ao dirigente sindical, sem restrições, que seu mandato seja exercido sem impedimentos pela empregadora, também conferindo-lhe estabilidade:
(….)
§ 3º – Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação.
§ 4º – Considera-se cargo de direção ou de representação sindical aquele cujo exercício ou indicação decorre de eleição prevista em lei.
(…)
E, por fim, mas não com menor importância, a Convenção 98 da OIT, ratificada por nosso país desde 1952 e com vigência nacional desde novembro de 1953, também protege os dirigentes sindicais de atos que impeçam o exercício de seus respectivos mandatos:
Art. 1 – 1. Os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego.
2. Tal proteção deverá, particularmente, aplicar-se a atos destinados a:
a) subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato;
b) dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas.
Diante de tais disposições de nosso direito positivado, entende-se que não cabe ao intérprete restringir tais direitos. Atente-se, ademais, que o Autor é o integrante do conselho fiscal (Conselheiro Fiscal, fl. 31), de modo que encontra-se dentro do limite previsto no art. 522 da CLT.
Aliás, compreende-se que a OJ 365 contraria a própria jurisprudência do E. TST, especialmente as Súmulas 197 e 379:
Súmula nº 197 do Supremo Tribunal Federal
“O empregado com representação sindical só pode ser despedido mediante inquérito em que se apure falta grave.”
Súmula nº 379 do Tribunal Superior do Trabalho
3º, da CLT.”
Por fim, esta também é a jurisprudência de nossa Turma, conforme ementa a seguir reproduzida.
DIRIGENTE SINDICAL. REINTEGRAÇÃO. PROTEÇÃO CONTRA ATOS ANTISSINDICAIS . Não faltam dispositivos legais que objetivam proteger os representantes eleitos dos trabalhadores em suas múltiplas dimensões. Além das normas previstas na Constituição de 1988, as regras contidas nas Convenções da OIT nº 98, 135 e 154 e nos Pactos sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Dec. 591/1992) e sobre os Direitos Civis e Políticos (Dec. 592/1992), oriundos de compromissos firmados pelo país na ordem internacional, instituem um sistema normativo de liberdade sindical. Não pode o intérprete distinguir quando a Constituição não diferencia, reduzindo de modo indevido a esfera de dirigentes estáveis, mormente quando o bem jurídico tutelado não é somente o interesse individual ou coletivo da categoria, mas a liberdade sindical e, portanto, a própria democracia. Recurso a que se dá provimento. (TRT-1 – RO: 01649005720075010242 RJ, Relatora: Des. Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 27/04/2015, Sétima Turma, Data de Publicação: 22/05/2015)
E, considerando o período de mandato do Autor, ainda em curso, bem como a estabilidade que lhe é assegurada por um ano após o término deste, concede-se provimento ao recurso para julgar procedente o pedido de reintegração do Autor ao emprego, assegurada sua estabilidade por 12 meses após o término do mandato, com pagamento de salários vencidos e vincendos, bem como restabelecimento dos demais direitos trabalhistas (férias, décimos terceiros salários, FGTS, cuja conta deverá ser restabelecida) autorizada a dedução das verbas resilitórias recebidas.
Deixa-se, contudo, de deferir a tutela de urgência, diante da jurisprudência do TST em sentido oposto, o que retira a verossimilhança do direito.
E deferida a reintegração, o contrato é restabelecido por inteiro, não sendo cabível a dedução de eventuais períodos em que o empregado estivesse trabalhando para terceiros, pois não há como se exigir que o trabalhador permaneça sem meios de subsistir enquanto aguarda a decisão judicial.
Honorários Advocatícios
Pelo mesmo fundamento, extirpa-se a obrigação do Autor de arcar com honorários em favor do advogado da empresa.
Contribuição Previdenciária e Imposto de Renda
A contribuição previdenciária será arcada pelo empregado, na parte que lhe cabe, sendo deduzida de seus créditos principais mês a mês, com as alíquotas então vigentes. Eventuais diferenças serão arcadas pela Ré que ocasionou o pagamento intempestivo, bem como com o recolhimento da cota de sua responsabilidade.
O IR deverá ser deduzido do crédito do Autor na forma prevista no art. 12-A, da Lei 7.713/88, incluído pela MP 497 de 2010, excluídas, apenas, as parcelas não sujeitas a tal tipo de tributo.
Declara-se que as seguintes parcelas deferidas na presente sentença possuem natureza indenizatória e não estão sujeitas a recolhimento previdenciário: juros de mora, FGTS e respectiva multa de 40%, as férias e respectivo adicional de um terço e o aviso indenizado.
Liquidação
Observem-se as datas de vencimento das respectivas obrigações, consideradas como tais àquelas em que exigíveis. No caso de salários o primeiro dia útil do mês subsequente ao trabalhado (Súmula 381 do TST) e das verbas resilitórias a data em que estas deveriam ter sido pagas na forma do art. 477 da CLT.
Os juros de mora são de 1% ao mês, a partir do ajuizamento da presente ação, na forma simples, e sobre os mesmos não incidirá o imposto de renda, por se tratar de parcela indenizatória nos termos do art. 404 do Código Civil. O índice de atualização monetária deverá ser definido em sede de liquidação.
Invertem-se os ônus da sucumbência, arbitrando-se o valor estimado da condenação em R$20.000,00 e fixando-se as custas em R$400,00, pela Ré.
DISPOSITIVO
A C O R D A M os Desembargadores da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região , por unanimidade, conhecer o recurso e, no mérito, conceder-lhe provimento para julgar procedentes em parte os pedidos de: a) reintegração do Autor ao emprego, assegurada a estabilidade de até 12 meses após o término de seu mandato, com pagamento de salários vencidos e vincendos, bem como restabelecimento dos demais direitos trabalhistas (férias, décimos terceiros salários, FGTS, cuja conta deverá ser restabelecida) autorizada a dedução das verbas resilitórias recebidas; b) arbitrar honorários advocatícios de 15% do valor da condenação em favor do advogado do Autor; e c) extirpar da condenação, a obrigação do Autor de arcar com honorários em favor do advogado da Ré.
Invertem-se os ônus da sucumbência, arbitrando-se o valor estimado da condenação em R$20.000,00 e fixando-se as custas em R$400,00, pela Ré.
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2020.
GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO
Relatora