Inteiro Teor
obstar
iminente
dano
ambiental
no
Parque
Estadual
Mata
dos
Godoy
–
PEMG,
remanescente
de
Mata Atlântica que conta com mais de 65 tipos de mamíferos, 300 espécies de aves e ao menos 28 espécies ameaçadas de extinção (mov. 1.1).
Asseverou
que
o
Parque
Estadual
Mata
dos
Godoy
é
Unidade
de
Conservação
da
Natureza
classificada
na categoria
de
manejo
de
proteção
integral,
cujo
objetivo
é
a
preservação
de
ecossistemas
naturais
de
grande relevância. Destacou que os Parques Estaduais devem possuir zona de amortecimento – ZA estabelecida pelo órgão responsável pela administração da unidade, com o objetivo de impedir sua degradação.
Narrou
que
o
Instituto
Ambiental
do
Paraná
–
IAP,
em
cumprimento
do
art.
25
e
§§
da
Lei
nº
9.985/2000, editou a Portaria nº 217/2002, ato normativo esse que estabeleceu o Plano de Manejo do PEMG e delimitou a área e sua zona de amortecimento – ZA.
Sustentou que, uma vez definida a zona de amortecimento – ZA, a área não mais poderá ser transformada em zona urbana. Todavia, o Município de Londrina editara as Leis Municipais nº 11.661/2012 e 12.236/2015, que definiram como área de expansão urbana significativa parcela da zona de amortecimento do Parque Estadual Mata dos Godoy.
Destacou a existência de ofensa aos artigos da Constituição Federal e as Leis Infraconstitucionais, e que o ato do
Município
coloca
a
fauna,
flora,
mananciais
e
demais
recursos
naturais
em
perigo
de
dano
iminente
e irreversível, contrariando vedação expressa contida no art. 49, parágrafo único, da Lei nº 9.985/2000. Teceu considerações
sobre
a
inconstitucionalidade
e
ilegalidade
da
definição
da
área
de
expansão
urbana
pela Municipalidade, dada a impossibilidade de supressão da zona de amortecimento da unidade de conservação.
Requereu
a
concessão
da
tutela
provisória
para
determinar
ao
Município
que
“(A1)
ABSTENHA-SE IMEDIATAMENTE de (a) conceder licenças, autorizações, e alvarás de operação, funcionamento, construção, instalação, obras, serviços, dentre outros; (b) autorizar a implantação de loteamentos residenciais, comerciais
e
industriais;
(c)
iniciar
obras
de
infraestrutura
viária,
dentre
outras;
e
(d)
doar
áreas
de
terras, dentro da zona de amortecimento do Parque Estadual Mata dos Godoy” e “(A2) SUSPENDA IMEDIATAMENTE
quaisquer
(a)
licenças,
autorizações
e
alvarás
de
operação,
funcionamento,
construção, instalação, obras, serviços, dentre outros, já concedidos; (b) autorizações para a implantação de loteamentos residenciais,
comerciais
e
industriais,
já
concedidas;
(c)
obras
de
infraestrutura
viária,
dentre
outras;
e
(d) processos
de
doações
de
áreas
de
terras,
dentro
da
zona
de
amortecimento
do
Parque
Estadual
Mata
dos Godoy, sob pena de multa diária.
Ao final, postulou a declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, e Anexos I e II, da Lei Municipal nº 11.661/2012, somente na parte em que instituem a expansão do perímetro urbano do
Município
sobre
a
zona
de
amortecimento
da
Unidade
Conservação
do
Parque
Estadual,
bem
como
a inconstitucionalidade
incidental
dos
artigos
da
Lei
Municipal
nº
12.236/2015,
que
definiram
como
zonas residenciais, comerciais e industriais, uma área alocada na zona de amortecimento do PEMG.
O
MM.
Juiz a quo concedeu
em
parte
a
tutela
(mov.
7.1).
Contra
esta
decisão
foi
interposto
o
Agravo
de Instrumento nº 1388071-2, ao qual foi negado provimento.
O Município
de
Londrina
apresentou
contestação
(mov.
58.1).
Preliminarmente,
arguiu
a
inclusão
do
Instituto Ambiental do Paraná como litisconsorte necessário. Afirmou que há flagrante violação às condições da ação, pois a declaração de inconstitucionalidade não pode ser dada em ação civil pública.
No mérito, defendeu a legalidade das Leis Municipais nº 11.661/2012 e 12.236/2015. Esclareceu que o fato de a zona de amortecimento ser integrada por áreas classificadas como zona de expansão urbana não conflita com o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.985/2000.
Destacou que não transformou a zona de amortecimento em área urbana, na medida que esta já era tida como urbana e passível de urbanização, quando da edição 0d000a Portaria nº 217/2002 pelo IAP.
Sustentou
que
o
Plano
de
Manejo
do
PEMG,
instituído
pela
Portaria
nº
217/2002,
ressente-se
de
nulidade, visto que: fere o princípio da simetria das formas e, por corolário, o princípio da legalidade; considerou como pertencentes
à
zona
de
amortecimento
empreendimentos
imobiliários
já
aprovados
e
implantados,
além
de lotes e distritos inteiros que a legislação classifica como áreas urbanas; a referida Portaria fora elaborada sem participação popular e estudos técnicos adequados; não fora realizada a revisão periódica dos limites da zona de amortecimento, como impõe a legislação.
Defendeu, por fim, que tanto a Lei Municipal nº 11.661/2012, que estabeleceu o perímetro urbano e a zona de expansão urbana, como a Lei Municipal nº 11.236/2015, que trata do uso e ocupação do solo, são compatíveis com os arts. 30, I, II e VIII, 182, caput, e 225, § 1º, IV, todos da CF. Requereu a improcedência dos pedidos iniciais.
Especificadas as provas, fora ordenada a inclusão do Instituto Ambiental do Paraná – IAP como litisconsorte necessário (mov. 99).
Citado, o IAP compareceu aos autos como assistente litisconsorcial da autora, ratificando os termos da petição inicial (mov. 113).
O IAP peticionou noticiando a edição da Portaria nº 160/2016, que instituiu novo Plano de Manejo do PEMG, redefinindo-se
os
limites
geográficos
da
zona
de
amortecimento
antes
delimitada
pela
revogada
Portaria
nº 217/2002 (mov. 245.1).
Em
razão
do
fato
superveniente
narrado,
foram
fixados
novos
pontos
controvertidos,
que
consistiram,
em resumo,
averiguar
a
constitucionalidade
das
Leis
Municipais
nº
11.661/2012
e
12.236/2015
com
base
nos parâmetros dispostos pela nova Portaria do IAP nº 160/2016. Da mesma forma, fora reconhecida a existência de
conexão
entre
a
presente
demanda
e
a
ação
civil
pública
nº
0069674-46.2016.8.16.0014,
ajuizada
pela MAE justamente para questionar a legalidade da Portaria vigente (mov. 247.1).
Fora admitido como assistente simples dos Município de Londrina a Sociedade Rural do Paraná, a Associação Comercial e Industrial de Londrina – ACIL e o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Paraná Norte –SINDUSCON PARANÁ NORTE (mov. 598).
Apresentado laudo pericial (mov. 745), houve sua complementação (movs. 843, 927 e 974).
A Promotoria de Justiça opinou pela procedência parcial dos pedidos iniciais, nos seguintes termos:
“a)
Seja
declarada,
incidentalmente,
a
inconstitucionalidade
dos
dispositivos
das
Leis
Municipais
nº
11.661/2012
e 12.236/2015, tendo em vista a constatação de afronta aos dispositivos previstos no artigo 24, VI e VIII e art. 30, I, e de forma reflexa,
o
art.
225,
da
Constituição
Federal
como
antecedente
necessário
à
apreciação
da
pretensão
final:
declaração
da invalidade de todos os atos administrativos delas decorrentes, com efeitos “ex tunc” e consequentemente;b) Seja julgada parcialmente procedente o pedido D constante da petição inicial, a fim de que seja declarada a nulidade e invalidade de licenças, autorizações e alvarás para obras e serviços, além de obras de estrutura viária e doações e terras, com a
respectiva
demolição,
retirada,
desfazimento
de
quaisquer
obras
e
construções
relativos: ·Empreendimentos
instalados posteriormente
à
Portaria
217/2002
na
zona
de
intersecção
entre
a
zona
de
amortecimento
e
a
zona
de
expansão
urbana definida pela Lei Municipal nº 7.484/1998, que não possuam autorização do IAP; e ·Empreendimentos situados na zona de amortecimento
delimitada
pela
Portaria
217/2002
cujas
atividades
não
encontrem
amparo
no
zoneamento
urbano
definido pela Lei Municipal nº 7.484/1998, autorizados ou não pelo órgão gestor da unidade de conservação.c) Seja julgada parcialmente procedente a última parte do pedido D constante da petição inicial, a fim de que o réu seja condenado
a
restaurar
e
reparar
integralmente
a
fauna,
flora,
mananciais
de
água
e
outros
recursos
naturais
apenas
dos danos ambientais decorrentes das licenças, autorizações, doações e alvarás declarados nulos/inválidos, com base nos item ‘b’ desta conclusão. Subsidiariamente, caso Vossa Excelência entenda pela impossibilidade de demolição, retirada e desfazimento de algum empreendimento, por já se encontrar consolidado, o Ministério Público se manifesta pelo arbitramento de indenização ou medida, que objetive reparar ou compensar eventual dano ambiental constatado, levando-se em conta as sugestões aduzidas pelo perito no laudo de mov 745.(…)” (mov. 1.047.1).
Sobreveio r. sentença em que o MM. Juiz de Direito, Dr. Marcos José Vieira, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para:
“(…)
7.1) declarar
incidentalmente
a
ilegalidade
e
a
inconstitucionalidade
dos
dispositivos
das
Leis
Municipais
ns. 11.661/2012 e 12.236/2015, que permitiram o avanço do perímetro da Zona Urbana (leia-se: Zona Industrial 4) em 5,059 k2 sobre a Zona de Amortecimento do PEMG estabelecida na Portaria n. 160/2016 (cf. área destacada em
na figura docor roxa evento 745.9). Excetuam-se dessa declaração de invalidade as áreas de zona urbana preexistentes à publicação da Portaria n. 217/2002 (cf. subitem 4.2.1); 7.2) como consequência da declaração do subitem 7.1, os futuros licenciamentos e autorizações de atividades e empreendimentos localizados na Zona de Amortecimento (cf. área destacada em
na figura do eventocor roxa 745.9)
haverão
de
observar
as
condições
estabelecidas
no
subitem
5.1.1,
supra.
Declaro
improcedentes
os
demais
pedidos deduzidos,
em
especial
os
de
anulação
de
licenças
e
autorizações
e
os
de
remoção
dos
empreendimentos
com
base
nelas executados (cf. subitem 5.1.2).Fica
sem
efeito
a
tutela
provisória
deferida
no
evento
20.
Doravante,
dada
a
ausência
de
efeito
suspensivo
ope
legis
dos recursos de apelação que vierem a ser interpostos (Lei n. 7.347/1985, art. 14), os requerimentos de licenciamento/autorização deverão ser apresentados e decididos diretamente na via administrativa, nos exatos termos da parte dispositiva da sentença. Processo resolvido com exame de mérito (CPC, art. 487, I). Pela
sucumbência
recíproca,
pagará
o
Município
de
Londrina
50%
das
custas
e
despesas
processuais,
bem
como
os honorários
advocatícios
devidos
à
ONG
autora,
que
arbitro
em
R$
6.000,00,
atualizados
desde
a
presente
data
pelo IPCA-E/IBGE, com juros de mora (os mesmos que remuneram os depósitos em caderneta de poupança) a contar do trânsito em julgado.(…)” (mov. 1.053.1).
MAE – Meio Ambiente Equilibrado (mov. 1.083.1) e Município de Londrina (mov. 1.096.1), respectivamente, opuseram embargos de declaração, os quais foram rejeitados.
Irresignada, MAE – Meio Ambiente Equilibrado interpôs recurso de apelação cível (mov. 1.115.1). Afirmou que restara comprovado nos autos que o Município de Londrina, mediante as Leis Municipais nº 11.661/2012 e
nº
12.236/2015,
contrariou,
dentre
outras
normas,
Constituição
Federal
(arts.
225,
§
1º,
incisos
I,
II,
III,
e VIII), Lei Federal nº 9.985/2000 (arts. 2º, inciso XVII e XVIII; 11, § 4º; 25; 49), a Lei Federal nº 6.938/81, a Lei
Federal
nº
11.428/2006
e
os
princípios
da
proteção
e
da
precaução
ou
prevenção
norteadores
do
direito ambiental, vez que expandiu a zona urbana sobre a zona de amortecimento do PEMG, bem como efetivou o zoneamento da mesma.
De
igual
modo,
sustentou
que
o
IAP
emitiu
a
Portaria
nº
160/2016,
que
reduziu
a
zona
de
amortecimento prevista
no
antigo
Plano
de
Manejo
do
PEMG,
sem
antes
discuti-la
com
o
conselho
consultivo,
o
qual, obrigatoriamente, deveria ter participado das discussões, deliberações e formação de diretrizes que tenham por objeto a revisão do Plano de Manejo. Destacou que a referida Portaria padece de vícios insanáveis, tanto em seu relatório, quanto justificativa técnica.
Asseverou que diante dos falsos motivos alegados pela Administração Pública, bem como o verdadeiro móvel do
ato
administrativo
impugnado,
pode-se
também
afirmar
que
o
IAP,
ao
promover
a
redução
da
zona
de amortecimento do PEMG, excedeu no uso de seu poder discricionário, agindo indubitavelmente com desvio de poder ou desvio de finalidade, pois praticou ato diverso daquele objetivado pela lei.
Requereu a tutela de urgência para determinar imediatamente a suspensão dos efeitos da Portaria nº 160/2016, por
ausência
de
participação
do
conselho
Consultivo
na
elaboração,
implementação
e
revisão
da
ZA
do PEMG, e, por conseguinte, a suspensão dos efeitos da sentença até o julgamento final do recurso.
Por
fim,
postulou
a
declaração
de
nulidade
da
Portaria
IAP
nº
160/2016.
Defendeu
o
restabelecimento
da revogada Portaria IAP nº 217/2002.
O Município de Londrina também interpôs recurso de apelação cível (mov. 1.116.1). Preliminarmente, afirmou que
a
r.
sentença
foi
extra
e
ultra
petita,
vez
que
a
autora
MAE
–
Meio
Ambiente
Equilibrado
não
teria suscitado a discussão acerca da classificação de lotes voltados para as rodovias oficiais – se rurais ou urbanos.
Sustentou
que
o
julgamento
extrapolou
os
pedidos
formulados
pela
parte
autora,
ao
afastar
a
eficácia
do contido no art. 4º da Lei Municipal nº 11.672/2012 que, ao disciplinar sobre os parâmetros para ocupação dos lotes lindeiros a rodovias oficiais, declara-os automaticamente integrantes da Zona Urbana, ainda que situados fora do perímetro urbano.
Defendeu
que
a
sentença
deve
ser
reformada
para
viabilizar
a
ocupação
ao
longo
dos
eixos
rodoviários. Destacou que o legislador deu tratamento legal de imóvel urbano aos lotes que tenham sofrido (ou venham a ter) processo de parcelamento de solo urbano, com o intuito de assegurar atividades econômicas compatíveis com o território rural como por exemplo, as indústrias vinculadas ao agronegócio.
Por
fim,
requereu
que
sejam
expressamente
declaradas
por
este
E.
Tribunal
as
razões
da
não
aplicação
dos seguintes dispositivos legais: a) art. 3º da Lei nº 6766/79; b) art. 2º, IV, art 4º, III, a da Lei nº 10.257/2001; c) art. 30, I, II e VIII, art. 182 da CF; d) art. 2º, art. 3º e art. 6º da LINDB (uma vez que o perímetro urbano já estava previamente definido e consolidado por lei municipal de 1998, anteriormente à edição da Portaria de 2002 do IAP, que delimitou a zona de conservação do Parque).
Apresentada contrarrazões pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP (mov. 1124.1), MAE – Meio Ambiente Equilibrado (mov. 1125.1) e Município de Londrina (mov. 1126.1).
O pedido de tutela provisória recursal almejada pela MAE restou indeferido (mov. 23.1).
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela remessa dos autos ao Órgão Especial deste Egrégio Tribunal
de
Justiça,
para
que
seja
apreciado
o
incidente
de
inconstitucionalidade
das
Leis
Municipais
de Londrina nº 11.661/12 e nº 12.236/15.
Este Egrégio Tribunal de Justiça votou no sentido de
suspender o julgamento dos recursos e sucitar incidente de inconstitucionalidade das Leis Municipais nº 11.661/12 e nº 12.236/15 do Município de Londrina.
Sobreveio a decisão do C. Órgão Especial que determinou o julgamento da lide subjetiva com a devolução dos autos à 5º Câmara Cível (mov. 83.1).
Nesta instância, a Douta Procuradoria de Justiça, em parecer do culto e zeloso Dr. Saint-Clair Honorato Santos manifestou-se pela suspensão do feito enquanto ainda tramita a Ação Civil Pública nº 0069674-46.2016.8.16.0014 (mov. 78.1).
VOTO
Conheço dos recursos interpostos pela MAE – MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO e pelo MUNICÍPIO DE LONDRINA, pois presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Registre-se, desde logo, que foram interpostas duas apelações que suscitaram matérias em comum.
Com a finalidade de evitar repetições desnecessárias ou remissões ao que já fundamentado, os apelos serão analisados em conjunto, delimitando-se a (in) ocorrência dos fatos descritos na petição inicial.
Inicialmente, manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça, em parecer do culto e zeloso Dr. Saint-Clair Honorato Santos pela suspensão do feito enquanto ainda tramita a Ação Civil Pública nº 0069674-46.2016.8.16.0014.
Todavia, apesar da presente Ação Civil Pública ter tramitado de forma conexa à primeira, as ações foram julgadas separadamente, uma vez que não possuem os mesmos pedidos.
Inclusive, da mesma forma manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça, em parecer do culto e zeloso Dr. Marcelo Cesar Maciel, nos autos do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade (mov. 58.1 – autos nº 0017280-31.2021.8.16.0000), in verbis:
“A segunda ação civil pública tramitou de forma conexa à primeira, tendo sido realizados de forma única os atos instrutórios, especialmente a perícia, mas as ações foram julgadas separadamente, inclusive porque possuem pedidos muito distintos.Com
efeito, nos autos da ACP nº 0069674-46.2016.8.16.0014, onde se discutiu a legalidade da Portaria IAP nº 160/2016, a sentença do evento 115.1 daqueles autos, julgou improcedente o pedido formulado, declarando a Portaria IAP nº 160/2016, que definiu os novos limites da Zona de Amortecimento, como válida e perfeita. Daquela sentença, a associação MAE – Meio Ambiente Equilibrado apelou, tendo este Egrégio Tribunal de Justiça reconhecido a validade da nova portaria (Apelação Cível nº 0069674-46.2016.8.16.0014).Já nos autos da ACP nº 0018657-05.2015.8.16.0014, a sentença do evento 1053.1 julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, declarando, assim, a inconstitucionalidade incidental das Leis Municipais nº 11.661/2012 e 12.236/2015, que permitiram o avanço do perímetro da Zona Urbana sobre a Área de Amortecimento do PEMG, estabelecida na Portaria nº 160/2016, com exceção das Áreas de Zonas Urbanas preexistentes à publicação da Portaria nº 217/2002. Os demais pedidos foram julgados improcedentes. ”
Portanto, em razão das ações possuírem pedidos distintos, não há que se falar na suspensão do feito.
O Município de Londrina, preliminarmente, defende que a r. sentença extrapolou os limites postos na petição inicial, ao afastar a eficácia do contido no art. 4º da Lei Municipal nº 11.672/2012 que, ao disciplinar sobre os parâmetros para ocupação dos lotes lindeiros a rodovias oficiais, declara-os automaticamente integrantes da Zona Urbana, ainda que situados fora do perímetro urbano.
Ainda, afirma
que o legislador deu tratamento legal de imóvel urbano aos lotes que tenham sofrido (ou venham a ter) processo de parcelamento de solo urbano, com o intuito de assegurar atividades econômicas compatíveis com o território rural como por exemplo, as indústrias vinculadas ao agronegócio.
Sem razão.
Na petição Inicial, a autora MAE – Meio Ambiente Equilibrado assinala que o Município de Londrina, de forma ilegal e inconstitucional, editou a Lei Municipal
n.
11.661/2012,
transformando
parte
da
Zona
de Amortecimento em Zona de Expansão Urbana.
Sustenta, ainda, que por força da Lei Municipal
n.
11.236/2015,
que
regula
o
uso
e
ocupação
do solo, a municipalidade teria classificado como zonas residenciais,
comerciais
e
industriais
uma
área
de
16,552881 km2, que igualmente se acha alocada no interior da Zona de Amortecimento.
Aduz a autora que essa invasão estaria a colocar “em risco de dano permanente e irreversível toda a sua fauna, flora, mananciais de água e demais recursos naturais” do PEMG (mov. 1.4, fls. 3 a 5).
A r. Sentença limitou-se ao pedido inicial e julgou o pedido para “Mantêm-se como zonas urbanas – em que pese inseridas na ZA delimitada pela Portaria n. 160/2016 –, por
consequente, as áreas dos distritos de São Luiz e do Patrimônio Regina (vinculado ao Distrito de Espírito Santo). Pouco persuasiva me parece a alegação do Município de Londrina, segundo a qual se deveriam considerar como zona urbana (zona comercial) preexistente os lotes que margeiam as rodovias oficiais. Com efeito, a previsão que se continha na revogada Lei Municipal n. 7.485/1998, de resto mantida na Lei Municipal n. 12.236/2015 (arts. 85, V e 265), deve, à falta de discriminação específica do legislador, ser entendida como que se referindo aos trechos das rodovias que cortam o perímetro urbano
do
Município:
esses
dispositivos
não
alcançam
nem poderiam alcançar as propriedades que, embora sitas às margens
de
rodovias,
estejam
alocadas
em
áreas
rurais
ou
de expansão urbana.” (mov. 1.053, fls. 12 e 13).
Sobre as regras indicadas pelo apelante, esclarecem Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart que: “Significa dizer que, com a regra de que a sentença deve corresponder ao que foi pedido, o Código de Processo Civil objetiva impedir que o julgador conceda ao autor algo que não foi pedido, ou maios ou menos do que foi postulado.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 2. Processo de Conhecimento. 7ª edição. RT. 2008).
O cotejo entre o que foi pedido na inicial e o que foi decidido, permite aferir que o dispositivo da r. sentença amolda-se perfeitamente ao que foi pedido na petição inicial. Vale dizer: não há incongruência entre o que foi pedido e o que foi concedido pela r. sentença.
Portanto, a sentença não é extra, ultra ou citra petita e, por esta razão, inexistente qualquer vício que enseje a sua nulidade ou reforma.
Passa-se a análise do mérito.
No caso, insurge-se a ONG Meio Ambiente Equilibrado em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido inicial, formulado na ação civil pública, que objetivava o reconhecimento da nulidade da Portaria IAP nº 160/2016 e restabelecimento da Portaria IAP nº 217/2002.
Em estrito resumo, alega a apelante que a referida Portaria IAP nº 160/2016 padece de vício de formalidade, pois reduziu o Plano de Manejo do Parque Estadual Mata dos Godoy (PEMG), redefinindo-se os limites geográficos da Zona de Amortecimento –
ZA, sem a prévia convocação e oitiva do Conselho Consultivo, tal como previsto no art. 29 da Lei nº 9.985/2000 e no art. 20, II, do Decreto nº 4.340/2002. Ainda, afirma que houve ofensa aos princípios da legalidade, precaução, moralidade e gestão democrática do meio ambiente.
Pois bem.
De início, cumpre destacar que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, instituído pela Lei Federal nº 9.985/2000, de 18 de julho de 2000, determina em seu art. 2º, inciso XVII, que Plano de Manejo é o “documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o
manejo
dos
recursos
naturais,
inclusive
a
implantação
das
estruturas
físicas
necessárias
à
gestão
da unidade.”
No caso das unidades de proteção integral, o Plano de Manejo deverá contemplar uma Zona de Amortecimento e Corredores Ecológicos, elencando medidas que promovam a proteção da biodiversidade e que possibilitem a integração das unidades à vida econômica e social das comunidades vizinhas.
A Zona de Amortecimento, por sua vez, é uma área estabelecida ao redor de uma unidade de conservação com o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela. Segundo a definição criada pelo art. 2º, inciso XVIII, da Lei do SNUC, a ZA nada mais é que “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. ”
Feitos os devidos esclarecimentos, tem-se que a unidade de conservação de proteção integral, como é o caso do PEMG, terá um Conselho Consultivo, conforme prevê o art. 29 da Lei Federal nº 9.985/2000, in verbis:
“Art.
29.
Cada
unidade
de
conservação
do
grupo
de
Proteção
Integral
disporá
de
um
Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de
órgãos
públicos,
de
organizações
da
sociedade
civil,
por
proprietários
de
terras
localizadas
em Refúgio de Vida Silvestre ou Monumento Natural, quando for o caso, e, na hipótese prevista no § 2º do art. 42, das populações tradicionais residentes, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade.”
Sobre as atribuições do Conselho Consultivo, o Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta os artigos da Lei nº 9.985, no seu art. 20, inciso II, dispõe:
“Art. 20. Compete ao conselho de unidade de conservação:I – Elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa dias, contados da sua instalação; II –
acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação, quando couber, garantindo o seu caráter participativo;III – buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno; ”
Da simples leitura do dispositivo mencionado, constata-se que é dever imposto ao Conselho acompanhar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação, ainda que consultivo e, não deliberativo.
Esta iniciativa garante maior transparência e fiscalização sobre a revisão do Plano de Manejo, além de possibilitar a participação e o envolvimento responsável. Esta obrigação legal coaduna-se com o princípio da participação previsto no direito ambiental.
De fato, a edição da Portaria IAP nº 160/2016, que culminou com a alteração do Plano de Manejo do PEMG, sem a manifestação do Conselho Consultivo, fora realizada em inobservância as devidas exigências legais.
O próprio IAP reconheceu, durante a instrução processual, que o Plano de Manejo do Parque Estadual Mata dos Godoy, que importou na redução da zona de amortecimento, fora realizado sem a cientificação do Conselho Consultivo.
Todavia, verifica-se que a preterição dessa formalidade não é suficiente para justificar o reconhecimento da nulidade da Portaria IAP nº 160/2016.
Explico.
Nos autos em apenso, objeto do Recurso de Apelação nº 0018657-05.2015.8.16.0014, em que a ONG MAE pleiteia a inconstitucionalidade das Leis nº 11.661/2012 e nº 12.236/2015 do Município de Londrina, que supostamente teriam transformado parte da Zona de Amortecimento do PEMG em Zona de Expansão Urbana, fora determinada a realização de perícia.
Dentre os inúmeros quesitos suscitados na perícia realizada naquela demanda, coube ao Expert averiguar quais foram os impactos ambientais causados com a criação da Portaria IAP nº 160/2016 que promoveu a revisão do Plano de Manejo do Parque em discussão.
Analisando detidamente o estudo técnico promovido, constata-se que realmente houve a redução do perímetro da Zona de Amortecimento do PEMG, que passou de uma área de 55.600 ha para uma área de 39.300 ha.
No entanto, cumpre esclarecer que a referida redução não implicou em qualquer prejuízo à unidade de conservação.
Pelo contrário, o Perito consignou que a alteração da ZA fora realizada justamente para fortalecer as políticas de conservação e mitigação do entorno da unidade de conservação. Veja-se:
“(…)
Nesse
sentido,
a
possibilidade
de
redução
da
Zona
de
Amortecimento
pode
ser
vista
como
estratégia
para fortalecimento das políticas de conservação e mitigação do entorno da Unidade de Conservação, já que haveria a exclusão das áreas que temporalmente perderam a característica rural, o que proporia a minimização do isolamento e fragmentação do
Parque
com
sua
Zona
de
Amortecimento
e
maior
enfoque
aos
espaços
prioritários
para
preservação
e
conservação
e efetividade
visando
a
maior
proteção
dos
recursos
hídricos
e
da
biodiversidade
existente.” (mov. 745.29).
Ao complementar o laudo, o Expert fora enfático em defender a importância da revisão do Plano de Manejo, pela Portaria nº 160/2016, pois priorizou não só os recursos hídricos, como também os fragmentos florestais e os aspectos sociais:
“(…) Nas conclusões
periciais,
fica
registrado
que
defronte
às
características
urbanas
consolidadas
na
região
situada
ao norte
da
Zona
de
Amortecimento
do
PEMG,
bem
como
a
inobservância
do
preceituado
nas
Leis
Municipais
de
Uso
e Ocupação do solo vigentes quando da instituição da ZA pela Portaria 217/2002, é razoável que seja avaliada a proposta de redução da ZA observada na Portaria IAP nº 160/2016, que, por sua vez, revisou o antigo plano de manejo e estabeleceu alteração
na
extensão
da
Zona
de
Amortecimento
do
Parque
por
um
novo
traçado,
priorizando
na
revisão,
os
recursos hídricos, especificamente a o Ribeirão dos Apertados, os fragmentos florestais e os aspectos sociais, que sob o exame deste expert traz maior integralidade à Unidade de Conservação.Ademais, a Portaria IAP nº 160/2016 prevê acréscimos de áreas protegidas em relação aos fragmentos florestais, bem como propõe corredores da biodiversidade ao longo do Ribeirão dos Apertados.Reforço que
a
possibilidade
de
redução
da
zona
de
amortecimento
pode
ser
vista
como
estratégia
para
fortalecimento
das políticas
de
conservação
e
mitigação
no
entorno
da
Unidade
de
Conservação,
já
que
haveria
a
exclusão
das
áreas
que temporalmente perderam a característica rural, o que proporia a minimização do isolamento e fragmentação do Parque com sua Zona de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população da área.(…)” (mov. 927.1).
Como se vê, as conclusões trazidas da perícia judicial corroboraram as avaliações do Grupo de Trabalho Multidisciplinar nas áreas de Engenharia Florestal, Geografia e Administração, formado por servidores técnicos do IAP, que fora responsável pela elaboração do ato administrativo debatido.
Desta forma, constata-se que a elaboração do novo Plano de Manejo, embora tenha reduzido a Zona de Amortecimento do PEMG, fora benéfica tanto para o meio ambiente, quanto para as condições de desenvolvimento socioeconômico das populações afetadas.
Por outras palavras, verifica-se que a revisão do perímetro da ZA trouxe uma maior integralidade à unidade de conservação.
Assim, não é crível afirmar que a Administração Pública se utilizou de motivos falsos para revisar o Plano de Manejo do Parque, pois a motivação técnica foi devidamente embasada.
Da mesma forma, é infundada a preocupação no tocante a possíveis licenciamentos de obras na ZA alterada, haja vista que a área estaria sempre sob a égide da legislação ambiental e da fiscalização e controle dos órgãos ambientais.
Inexiste, portanto, qualquer justificativa técnica para reconhecer a nulidade da Portaria vigente IAP nº 160/2016.
Até porque, na opinião do Perito, a Portaria revogada – IAP nº 217/2002 – “dificultava a aplicabilidade dos programas de manejo ambiental previstos e as restrições e proibições quanto ao uso do solo. ”
Além disso, também restara demonstrado, durante a instrução processual, que ato administrativo revogado possuía vícios desde sua edição, especialmente porque tratou áreas urbanizadas à época como rurais e, sobretudo, pela ausência de comprovação da participação popular na fase de elaboração do Plano de Manejo.
Assim, seria incoerente reconhecer a invalidade da Portaria vigente (nº 160/2016), pela ausência de efetiva participação popular (parte integrante do Conselho Consultivo), sendo que a Portaria revogada (nº 217/2002) que os apelantes almejam ver restabelecida também possuí o mesmo vício de formalidade.
Logo, a parcial inobservância a legislação ambiental não justifica, por si só, a invalidade do ato administrativo, que de forma vantajosa alterou o Plano de Manejo do Parque Estadual Mata dos Godoy – PEMG.
Por fim, também é de se destacar que a eventual declaração de nulidade da Portaria IAP nº 160/2016, que culminaria com o restabelecimento da Portaria revogada, certamente afetaria o meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico da região.
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, disciplina que a revisão de qualquer ato administrativo deverá levar em consideração as consequências jurídicas e administrativas que impactam na atuação da Administração Pública:
“Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. ”
“Art.
24.
A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. ”
Destaque-se que a atuação do Poder Judiciário deve ser extremamente cautelosa, objetivando solução razoável e proporcional que melhor atenda ao objetivo da Constituição.
Como já dito, a revisão do Plano de Manejo pelo IAP fora extremamente vantajosa, pois propiciou uma nova demarcação da Zona de Amortecimento, levando em consideração as áreas urbanas preexistentes e o contorno dos lotes.
Dessa forma, considerando que o Juízo a quo ponderou quais seriam as consequências práticas de uma eventual invalidade do ato administrativo, reconhecendo, de forma acertada, a validade Portaria nº 160/2016, que trouxe benefícios ao PEMG, é o caso de manter a r. sentença.
Do exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento aos recursos de apelação cível interpostos por MAE – MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO e MUNICÍPIO DE LONDRINA.