Inteiro Teor
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GAB. DESEMB – FÁBIO CLEM DE OLIVEIRA
14 de outubro de 2014
APELAÇÃO Nº 0807113-62.2004.8.08.0024 (024040155509) – VITÓRIA – 2ª VARA DA
FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL, MUNICIPAL, REGISTROS PÚBLICOS,MEIO AMBIENTE E SAÚDE
APELANTE :INSTITUTO DE TECNOLOGIA DA INFORMACAO E COMUNICACAO DO ESTAD
APELADO : ASSOCIAÇAO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIENCIA ACPD
RELATOR DES. FABIO CLEM DE OLIVEIRA
REVISOR SUBSTITUTO DES. LYRIO REGIS DE SOUZA LYRIO
R E L A T Ó R I O
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação cível interposta pelo INSTITUTO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRODEST (fls. 299/308) contra a sentença (fls. 282/286) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, ES, que em ação ordinária promovida pela ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – ACPD contra o INSTITUTO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRODEST e a ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF, julgou procedente o pedido para declarar a nulidade do contrato administrativo firmado entre as requeridas, por violação ao art. 9º, da Lei Federal nº 8.666/1993, e ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, porque provado que Maria Fernanda Rangel Holanda, servidora da PRODEST, pertencia
os quadros da AADEF à época em que esta foi contratada pela PRODEST, e condená-las ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em “20% (quinze por cento) [sic]” sobre o valor da causa.
Sustenta que: (1) o processo é nulo desde a audiência de instrução e julgamento, na qual inclusive foi preferida decisão, por ausência de intimação da a ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – ACPD e da ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF; (2) não há notícia de cumprimento ou não dos respectivos mandados de intimação, que nunca retornaram aos autos; (3) há certificação de que não foram encontrados; (4) a
finalidade da intimação não foi alcançada; (5) há afronta aos arts. 141, II, 143, II e III, 144, II, 234 e 247, do CPC; (6) a audiência de instrução e julgamento não alcançou sua finalidade, qual seja, a intimação de todas as partes e advogados para produzirem as provas requeridas; (7) a ausência da parte autora nessa audiência, além de passível de nulidade, atrai a incidência do art. 343, § 2º, do CPC, sendo o pedido de sua aplicação totalmente ignorado quando do proferimento da sentença; (8) o próprio Juiz de Direito de Primeiro Grau afirmou a regularidade do contrato administrativo que firmou com a ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF, conforme consta na ata da audiência de instrução e julgamento; (9) não houve violação do art. 9º, da Lei Federal nº 8.666/1991, considerando que a Sra. Maria Fernanda Rangel Holanda era suplente de membro do Conselho Consultivo e não empregada da AADEF, conforme Ata da Assembléia Geral realizada aos 14-03-2003, Conselho esse cujos integrantes que não tem direito à voto, em conformidade com o art. 40, do Estatuto da Associação; (10) o contrato só produziu efeitos aos 06-07-2004, a partir de sua publicação (Lei Federal nº 8.666/1991, art. 61), após o pedido de desligamento da Sra. Maria Fernanda Rangel Holanda, de 04-05-2004; (11) o impedimento do art. 9º, III, da Lei Federal nº 8.666/1991, impõe-se apenas aos que exercem função pública que efetivamente possua relação direta com a contratação, o que não é o caso dos autos.
Requer o provimento do recurso para que sejam anulados todos os atos praticados após a designação da audiência de instrução e julgamento ou para que a sentença seja reformada e o pedido julgado improcedente.
A requerida ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF foi intimada da sentença (cf. cópia da publicação da intimação, folha 288) e não a impugnou.
Em sua resposta (fls. 310/312), a apelada aduz que o contrato é ilegal, por afronta aos arts. 9º, III, da Lei Federal nº 8.666/1993, e 37, caput, da Constituição Federal. Requer o não provimento do recurso.
É o relatório.
À revisão.
Desembargador Fabio Clem de Oliveira
Relator
V O T O S
O SR. DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA (RELATOR): VOTO
QUESTÃO PRELIMINAR
Senhor Presidente. Registre-se, de início, que embora o feito tenha tramitado pela 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, ES, quando nela atuava como Juiz Titular, não pratiquei qualquer ato decisório, não havendo impedimento para pronunciar.
Também que o exaurimento do prazo do contrato administrativo firmado entre o INSTITUTO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRODEST e a ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF, no curso da ação em que se pede a declaração de sua nulidade, não configura fato superveniente apto a infirmar o interesse de agir, a teor da jurisprudência firmada pelo C. STJ no sentido de que “é possível apreciar a legalidade de […] processos administrativos, mesmo que tenha havido transcurso de fases de julgamento, homologação e até de adjudicação. No caso de licitações públicas, seria possível a impetração, mesmo que tivesse havido ajuste contratual e, até, a execução da obra ou serviço ou, ainda, o fornecimento do bem” (MS 12.892/DF, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 11/03/2014).
“Raciocinar de forma diversa seria excluir fatos administrativos da apreciação judicial, o que não se coadunaria com a melhor hermenêutica do art. 5º, XV, da Constituição Federal” (ibidem).
De outro lado, em reforço ao preceito do art. 249, § 1º, do CPC, e ao princípio que materializa (pas de nullité sans grief), a jurisprudência assenta que, “antes de se anular todo o processo ou determinados atos, atrasando, muitas vezes em anos, a prestação jurisdicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes” (STJ, REsp 1246481/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe 10/04/2013).
No caso, a requerente ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – ACPD e a requerida ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF não foram intimadas da designação e para comparecerem à audiência de instrução e julgamento, que, mesmo assim, foi
realizada (cf. termo de audiência, fls. 273/274).
Nessa oportunidade, a apelante desistiu da produção das provas requeridas, o MM. Juiz de Direito de Primeiro Grau pronunciou a persistência do interesse de agir quanto à pretensão declaratória de nulidade do contrato administrativo firmado entre as requeridas, mesmo após o advento do termo final, e afastou a hipótese de nulidade por falta de intimação da AADEF, “uma vez que a mesma não desejou produzir qualquer tipo de prova”, e da ACPD, porque “não houve, efetivamente, qualquer produção probatória”, e, por fim, determinou apresentação sucessiva de alegações finais.
A apelante não impugnou quaisquer desses pontos.
A ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – ACPD requereu o prosseguimento do feito com prolação da sentença, afirmando que “toda a matéria controvertida está na documentação juntada” (folha 279).
A ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOS DEFICIENTES FÍSICOS – AADEF foi intimada e não apresentou resposta (cf. cópia da publicação da intimação, folha 277, e certidão, 280-verso).
Por seu turno, a apelante reiterou os argumentos aduzidos em sua defesa e requereu a aplicação da pena de confissão quanto às matérias de fato suscitadas, “ante a ausência injustificada do Autor à audiência de instrução” (cf. petição, folha 281).
Não compareceu porque não foi intimada para o referido ato processual, o que, por si só, infirma a pretensão de aplicação do art. 343, § 2º, do CPC, deduzida nas alegações finais oferecidas pela apelante.
Constata-se, por fim, que a sentença foi proferida com fundamento nas provas juntadas com a petição inicial e com a contestação da apelante, sem recorrer à regra de julgamento do ônus da prova.
Trata-se de enquadramento que infirma a hipótese de prejuízo processual sofrido pelas partes que não foram intimadas para a referida audiência.
Por tais razões, rejeito a preliminar em apreço.
É como voto.
Desembargador Fabio Clem de Oliveira
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0807113-62.2004.8.08.0024 (024.040.155.509)
APELANTE: INSTITUTO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – PRODEST
APELADO: ASSOCIAÇÃO CAPIXABA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA -ACPD
RELATOR: DESEMBARGADOR FABIO CLEM DE OLIVEIRA
VOTO
MÉRITO
Senhor Presidente. Extrai-se do conjunto probatório que, na data da subscrição da solicitação de “contratação de serviços de informática com utilização de mão de obra composta integralmente por pessoas com deficiência física comprovada nas instalações da PRODEST e nos clientes desta situados na Grande Vitória” (folha 27),
os 03-06-2014, Maria Fernanda Rangel Holanda, servidora da PRODEST, também pertencia aos quadros da AADEF.
Os fatos dessa servidora integrar os quadros da referida associação como suplente de membros do Conselho Consultivo, mesmo que não possuam direito a voto (cópia da Ata da Assembléia Geral de 14-03-2004, fls. 82/83, e do Estatuto Social, fls. 87/95), e de ter solicitado seu desligamento do Conselho aos 04-06-2004 (cópia, folha 164), não afastam a incidência do preceito do art. 9º, III, da Lei Federal nº 8.666/1993, porquanto não desconstituem o fundamento do impedimento legal previsto nessa norma.
Conforme a exegese da doutrina:
“As vedações do art. 9º retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. A simples potencialidade de dano pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade de dano é suficiente para que a lei se acautele. Em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar a anormalidade da conduta do agente, a lei determina seu afastamento a priori. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento
abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed., São Paulo: Dialética, 2012, p. 186, destaquei).
A circunstância da contratação ter procedido de dispensa de licitação fundada no art. 24, XX, da Lei Federal nº 8.666/1993 (“[…] Contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades a Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o de mercado;”; cf. cópia da publicação do ato de dispensa de licitação, folha 183), acentuava mais ainda a observância do impedimento previsto em seu art. 9º, III.
Mesmo que se admitisse a possibilidade de se rechaçar esse impedimento legal, a mera alegação da apelante no sentido de que a servidora Maria Fernanda Rangel Holanda não participou direta nem indiretamente do processo de contratação, porque exerce atividades no seu Centro de Processamento de Dados (contestação, folha 159, § 1º), não é suficiente para tanto.
Explicite-se, por fim, que há erro material quanto à indicação do percentual incidente sobre o valor da causa para fins de cálculo dos honorários advocatícios: “20% (quinze por cento) [sic]”.
Trata-se de vício que configura questão de ordem pública e deve ser corrigido de ofício, com a fixação do percentual de 15% (quinze por cento), coerente com os critérios objetivos do art. 20, § 3º, do CPC.
Por tais razões, nego provimento ao recurso.
Corrijo o erro material constante no dispositivo da sentença para que seja considerado o percentual de 15% (quinze por cento), incidente sobre o valor da causa, para fins de cálculo dos honorários advocatícios.
É como voto.
Desembargador Fabio Clem de Oliveira
Relator
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O SR. DESEMBARGADOR WILLIAM COUTO GONÇALVES : *
O SR. DESEMBARGADOR JANETE VARGAS SIMÕES : *
D E C I S Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, APELAÇÃO Nº 0807113-62.2004.8.08.0024 (024040155509) , em que são as partes as acima indicadas, ACORDA o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (Primeira Câmara Cível), na conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, em, À UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR ARGUIDA. NO MÉRITO, POR IGUAL VOTAÇÃO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
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