Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000232536
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003056-44.2017.8.26.0320, da Comarca de Limeira, em que é apelante CONDOMÍNIO ATTUALE RESIDENCIAL, são apelados HENRIQUE BOMBO (JUSTIÇA GRATUITA) e FLAVIA RAQUEL ASBAHR BOMBO (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVIA ROCHA (Presidente sem voto), FABIO TABOSA E CARLOS HENRIQUE MIGUEL TREVISAN.
São Paulo, 1º de abril de 2020.
AIRTON PINHEIRO DE CASTRO
Relator
Assinatura Eletrônica
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VOTO Nº 6621
Apelação nº 1003056-44.2017.8.26.0320
Comarca: Limeira – 2ª Vara Cível
Apelante: Condomínio Attuale Residencial
Apelado: Henrique Bombo e Outro
Juiz: Graziela da Silva Nery Rocha
APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MULTA
CONDOMINIAL. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE VAGAS DE GARAGEM. Sentença que julga parcialmente procedentes os pedidos, condenando o condomínio à devolução da multa aplicada. Violação da ampla defesa e contraditório devidamente caracterizada nos autos. Irrelevância da apreciação de impugnação da multa aplicada pelo Conselho Consultivo, haja vista a necessária preservação do contraditório prévio, a anteceder à própria aplicação da sanção, em ordem a oportunizar-se ao condômino apontado como infrator influir na formação do convencimento do representante legal do condomínio. Precedentes jurisprudenciais. Sentença mantida.
Recurso desprovido.
Trata-se de ação indenizatória ajuizada por Henrique
Bombo e Flávia Raquel Asbahr Bombo em face de Condomínio Attuale Residencial,
cuja r. sentença de fls. 176/179, de relatório adotado,
julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos para condenar o réu à devolução
da multa aplicada aos autores no importe de R$ 160,23, corrigido pela tabela prática do
Tribunal de Justiça de São Paulo e acrescido de juros moratórios simples de 1% ao mês,
a partir da citação, sem prejuízo da imputação dos ônus sucumbenciais, na proporção de
50% para cada litigante.
Inconformado, apela o condomínio
réu (fls. 181/196) alegando, em síntese, que os autores utilizaram vaga de garagem de
outro condômino sem informar ao síndico, razão de ser da aplicação da multa, em
conformidade com o regulamento interno do condomínio. Aduz, portanto, não ter havido
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Afirma que a multa aplicada se refere ao estacionamento nas vagas 13 e 236, no período de 29.01 a 04.02 de 2016, e a autorização para o uso da vaga do Sr. Wellington (nº 13) somente ocorreu em 28.03.2016. Aduz ter sido concedido aos apelados direito de defesa antes da aplicação da multa, tendo sido analisada a impugnação apresentada pelo Conselho Fiscal. Pugna, por fim, pelo provimento do recurso, reformando-se a r. sentença, inclusive quanto à verba honorária, fixando-a em 20% sobre o valor da causa, nesta fase processual.
Recurso tempestivo e preparado (197/199).
Contrariedade ao recurso a fls. 209/212.
Não houve oposição ao julgamento virtual.
É o Relatório.
Recurso fundado.
Os apelados são moradores do condomínio apelante e, em fevereiro de 2016, foram comunicados de aplicação de multa, no valor de R$ 160,23, por uso de vaga de garagem pertencente a outro condômino. Afirmam que utilizaram a vaga de outros condôminos porque o estacionamento do condomínio era utilizado por crianças para brincadeiras, mais especificamente, gostavam as crianças de utilizar a vaga de sua propriedade.
O apelante, por sua vez, alega ter agido regularmente, pois os apelados utilizaram vagas de outros condôminos sem informar previamente ao síndico, contrariando as normas condominiais.
Pois bem.
De proêmio, ao contrário do que afirma o apelante em suas razões, atenta leitura permite entrever que os apelados foram expressamente autorizados a utilizar a vaga nº 13 do condomínio, no período de janeiro de 2015 até o início de fevereiro de 2016 (fls. 54); logo, não se mostraria razoável a manutenção da multa aplicada somente ao argumento de falta de aviso prévio ao síndico, vez que a utilização da vaga evidenciou-se regular.
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Dessa forma, ainda que, a princípio, pudesse se ter por correta a atitude do condomínio, ao menos sob este específico enfoque de análise, deveria o apelante, após se certificar da utilização consentida da vaga, suspender a aplicação da multa, e não insistir em sua cobrança.
Sob outro vértice, no entanto, afirma o apelante, com base em mensagens de e-mails datados de 23 e 24 de fevereiro de 2016 e trocadas entre membros da direção e administração do condomínio, ter sido utilizada, pelos apelados, também a vaga nº 236 (fls. 204), circunstância em tese hábil a legitimar a persistência da aplicação da multa, porquanto incontroverso o fato em questão.
É bem verdade que tampouco se controverte o cenário dos autos, no que tange ao impedimento à utilização regular da vaga de titularidade dos apelados, em razão de sua ocupação reiterada por crianças, que a utilizavam como área de lazer. Sucede que tal circunstância, à evidência, não tem o condão de legitimar a conduta dos apelados, em afronta inexorável ao Regimento Interno do Condomínio. E nem se diga que síndico do apelante teria permanecido inerte em relação aos reclamos dos apelados. Afinal, a prova dos autos evidencia uma série de providências adotadas, ainda que sem o êxito almejado, no sentido de coibir a irregular conduta das crianças. Veja-se que notificações foram expedidas para os pais das mencionadas crianças, e o assunto foi objeto de deliberação em assembleia geral em 30.01.2017, conforme o revela o documento de fls. 135, oportunidade em que deliberada proibição de utilização das áreas comuns de piscina e estacionamento por crianças desacompanhadas de um adulto.
Sem embargo de tais considerações, a multa aplicada pelo apelante padece de vício de nulidade, porquanto não observado o direito de ampla defesa e o contraditório prévio a ser assegurado ao condômino infrator, conforme assente entendimento doutrinário e jurisprudencial. Não se presta ao escopo de preservação das garantias constitucionais em questão a mera apreciação, pelo Conselho Consultivo, da impugnação apresentada pelos apelados, posteriormente à aplicação da penalidade. Afinal, a oportunidade para a manifestação do condômino supostamente infrator deve anteceder à aplicação da penalidade, de modo a poder permitir que suas razões possam influenciar a formação do convencimento do representante legal do condomínio, quanto à efetiva caracterização ou não da infração vislumbrada.
Neste exato sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte Bandeirante:
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“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE MULTA CONDOMINIAL. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DEVEM SER OBSERVADOS NAS RELAÇÕES ENTRE CONDOMÍNIO/CONDÔMINO. PRECEDENTES DO E. STJ. ONERAÇÃO SEM OPORTUNIDADE DE DEFESA PRÉVIA. POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO À ASSEMBLEIA GERAL, SEM EFEITO SUSPENSIVO, NÃO SE CONFUNDE COM DEFESA PRÉVIA. INEXIGIBILIDADE DA MULTA MANTIDA HONORÁRIAS RECURSAIS FIXADAS RECURSO IMPROVIDO.” (Apelação nº 1045030-56.3015.8.26.0506 Relator Desembargador Francisco Casconi, j. 02.04.2018).
“CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. MULTA POR INFRAÇÃO A NORMAS CONDOMINIAIS. CONDICIONAMENTO DO PROTOCOLO DO RECURSO AO PRÉVIO PAGAMENTO DO VALOR DA MULTA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NULIDADE DAS CLÁUSULAS DO REGIMENTO INTERNO E CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ADEQUADA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, MONTANTE QUE SE ELEVA EM VIRTUDE DA SUCUMBÊNCIA EM PLANO RECURSAL. RECURSO IMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. 1. A imposição de multa por conduta violadora de normas de convivência entre condôminos está sujeita à prévia observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A imposição da pena só pode ocorrer após o exercício do direito de defesa, que não pode ser condicionado ao prévio pagamento do valor da multa. 2. Não comporta acolhimento o pleito de redução da verba honorária sucumbencial, considerando que o montante fixado bem atende à realidade da causa e guarda estrita conformidade com o artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC. 3. Diante desse resultado, e na forma do artigo 85, § 11, do CPC, impõe-se elevar o montante da verba honorária sucumbencial a R$ 2.400.00.” (Apelação nº
1004597-38.2018.8.26.0010 Relator
Desembargador Antonio Rigolin Julgado em 30/10/2019).
Condomínio. Multa por reiterada conduta antissocial. Imposição da multa sem prévia notificação da infração aos condôminos. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Necessidade, ademais, de
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aplicação da multa por assembleia condominial com quórum qualificado. Nulidade da multa. Devolução do valor pago a título de multa na forma simples. Sanção do artigo 940 do Código Civil que exige má-fé da parte credora. Danos morais não configurados. Sucumbência recíproca corretamente fixada. Sentença mantida. Recursos improvidos (Apelação Cível nº 1007337-77.2016.8.26.0320, 32ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Maria Claudia Bedotti, j. 23.09.2019, v.u.)”
Vai daí que a r. sentença hostilizada não está a comportar
qualquer reparo, ante o vício insanável da multa aplicada pelo apelante em relação aos apelados, circunstância a legitimar a condenação imposta à devolução do valor pago,
mantida, no mais a distribuição dos ônus sucumbenciais.
Do exposto, pelo meu voto, NEGASE PROVIMENTO ao recurso.
AIRTON PINHEIRO DE CASTRO
Relator